OS MEUS MELHORES FILMES DO ANO2008 FOI MAIS UM ANO fraco para o cinema. Houve períodos em que desejava ir ver um filme com a minha namorada, mas, por falta de opções, deixava de ir ao cinema. A prateleira de lançamentos da locadora era tão desinteressante que ia para os antigos. Aliás, esse ano vi como nunca filmes antigos. No entanto, ao contrário de 2007, houve pelo menos um grande filme, que merece menção honrosa [índice ainda baixo]. Vão aí meus dez preferidos [o critério é pelo ano de exibição em Porto Alegre]:
5. ZONA DO CRIME ("LA ZONA" / Rodrigo Plá / MÉXICO / 2007)
Apesar de não ser uma obra-prima, "Zona do Crime" me chamou atenção pela sua fundamental importância e pelo tiro político certeiro: a existência de "mundos paralelos" onde a elite se desloca no Terceiro-Mundo para não conviver com os problemas típicos desses países [violência, insegurança]. É verdade que, como disse o ótimo comentarista Pablo Villaça, o filme é linear e unidimensional. No entanto, a temática é pertinente e bem desenhada, embora levada ao plano absurdo.
Assim como "Hotel Ruanda" [no início do filme], "Zona do Crime" cuida de mostrar os contrastes de locais onde não há o comprometimento com o bem público, mas uma espécie de acumulação pela elite que se isola do entorno e impõe uma espécie de "burgo" pós-moderno.
Um filme que vale pelo impacto problematizante que desencadeia. Foi direto para as locadoras.
4. QUEIME DEPOIS DE LER ("BURN AFTER READING" / Irmãos Cohen / EUA / 2008)
Ao contrário de 99% das pessoas, não foi "Onde os Fracos não têm vez" o filme dos Cohen que mais me impactou, mas esse filme recente. Os diretores, voltando à comédia de humor negro, estão inspiradíssimos nessa trama em que a regra é a estupidez generalizada. O mote do filme é a insensatez absurda de todos. A única frase verdadeira é pronunciada por John Malkovich, que certa hora afirma: "você é mais um de todos os idiotas que cruzo nessa vida". Ou seja: o personagem dele é realmente o único que não é estúpido em toda trama, tendo que suportar indivíduos absolutamente medíocres e burros durante o tempo inteiro, inclusive entre os colegas da CIA [como bem mostram os Cohen].
O absurdo desencadeado é o absurdo da vida real, que é governada e dominada pela mediocridade, estupidez e incapacidade de reflexão sensata pela maioria das pessoas.
3. ERA DA INOCÊNCIA ("L'ÀGE DES TÉNÈBRES" / Dennis Arcand / CANADÁ / 2008)
Terceira parte da trilogia que inicia em "O Declínio do Império Americano" e segue com "Invasões Bárbaras", essa película ridiculamente traduzida por "Era da Inocência" [o título original é "Idade das Trevas", que dá uma seqüência histórica lógica à trilogia] chamou atenção de poucos. Para mim, no entanto, foi dos melhores do ano, embora especialmente inferior às "Invasões Bárbaras".
Com alguma influência de "Beleza Americana", o filme cultiva a velocidade, o fanatismo tecnológico, o desligamento do mundo concreto, a indiferença e burocracia da vida contemporânea. O personagem - atravessado por sonhos ridículos de grandeza - é retrato do sujeito desolado dos nossos dias, esmagado entre exigências de consumo, burocracia ultrapassado e inútil e carreirismo workaholics. A personagem feminina consegue ser tão poderosa quanto a de "Beleza Americana", trazendo uma das melhores frases do cinema de 2008: "eu faço yoga, shyatsu, sou bem sucedida, ganho prêmios, faço academia, etc - o que mais você quer?" - típico delírio narcísico dos nossos dias.
2. LINHA DE PASSE (Walter Salles/Daniela Thomaz / BRASIL / 2008)
Um retrato original do Brasil. Walter Salles traz à tona personagens que ficam obscurecidos mas, como disse Jurandir Freire Costa, "carregam o Brasil nas costas". Empregadas domésticas, aspirantes a futebolistas, crentes evangélicos, motoboys. A originalidade do diretor é tratar tudo com acidez, mas sem qualquer ironia ou caricatura, com uma delicadeza e sensibilidade capaz de enfrentar a concretude desses indivíduos sem apelar a estereótipos.
Um belo retrato dessa população que vive no "fio na navalha", em permanente estado de exceção, onde cada narrativa traz enorme riqueza e os personagens são desenvolvidos em admirável complexidade.
1. A VIDA DOS OUTROS ("DAS LEBEN DER ANDEREN" / Florian Henckel von Donnersmarck / ALEMANHA / 2006)
Eis, finalmente, um grande filme - filme que ficará para a posteridade. Película que exibe a formação da ideologia/totalidade que se fecha em si mesma e delira contra toda e qualquer alteridade, reprimindo-a com violência, e a formação de um poder opaco, medíocre, sem brilho, que ofusca tudo aquilo que a ele se opõe [caso Eichmann]. Por outro lado, é também a possibilidade da HESITAÇÃO, do instante que refuga, rompe, interrompe a violência e desafia a totalidade.
"A Vida dos Outros", além de um tremendo filme político, é também um majestoso filme ético. Um filme que implica o homem naquilo que ele tem de próprio: a possibilidade da transcendência. O ato gratuito, em nome da justiça, delineada na beleza de páginas literárias [Brecht] que detonam qualquer tentativa de engessamento e opacidade de sonhos em estruturas burocráticas autofágicas e assassinas.
Certa vez Contardo Calligaris escreveu que, na sua tese de doutorado, dedicara-se a entender por que razões o homem se entrega ao fascismo, deixando-se levar pela massa e pela mediocridade ressentida. Calligaris, no entanto, afirma que ainda não consegue explicar o inverso: ou seja, por que um homem sacrifica-se pelo outro, na mais pura gratuidade. Tudo isso é "A Vida dos Outros", esse espetacular filme alemão.
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Além desses cinco, que foram meus preferidos, alguns destaques para o melhor Batman de todos, a ótima filmagem de "Desejo e Reparação" e o vencedor do Oscar "Onde os Fracos não têm vez". As decepções ficaram com as adaptações: o médio "Ensaio sobre a Cegueira", o pastelão "O Caçador de Pipas" e os frustrantes trabalhos [que prometiam] de Woody Allen, "O Sonho de Cassandra" e "Vicky Cristina Barcelona".
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