Mox in the Sky with Diamonds

sábado, fevereiro 28, 2009

O BRASIL É DIFERENTE

QUEM NÃO CONCORDARIA que as regras da legalidade devem ser respeitadas por todos e as demandas devem se situar na esfera legal? Essa obviedade foi enunciada mais uma vez pelo principal porta-voz da oposição no país - o Presidente do Supremo Tribunal Federal (!) Gilmar Mendes. Mais uma vez perdeu a oportunidade de ficar calado.
Na interpretação mais benéfica que poderíamos fazer, Gilmar Mendes está aplicando seus nobres conhecimentos adquiridos na Alemanha que povoam seus livros de Direito Constitucional. Que maravilha, não? Michel Temer, Presidente da Câmara e também constitucionalista, concordou.
É justamente por isso que o discurso constitucionalista/garantista hoje me parece inofensivo - por vezes até conservador. Como aplicar as mesmas categorias da Alemanha e da Espanha ao Brasil?
Muitos gostariam que Lula não fizesse o Bolsa-Família. Acham que é assistencialismo. Pergunta: que fazer em um país em que uma parcela grande demais da população está abaixo da linha da pobreza? Aplicar um liberalismo blasé? Aguardar ao infinito até que trinta gerações consigam equilibrar a conta? Isso pode ser muito confortável para a classe média e a elite, mas certamente não para quem passa fome.
Atenção: passa fome. Parece meio estúpido ter que falar disso aqui, mas quem passa fome não tem capacidade de ir à "esfera pública" reivindicar na "democracia procedimental" seus direitos. Está aquém da condição de sujeito político. É por isso que o Brasil é diferente. É por isso que a periferia é diferente. Os governantes do Primeiro Mundo - que os papagaios da mídia admiram e gostariam de transplantar - não têm que lidar com esse problema. Falamos de pessoas abaixo da condição humana. Pessoas que não têm como "argumentar" porque, antes de pensar, estão preocupadas em viver.
Que obviedade, não? Pois é. Mas avisa isso para alguns colunistas que - desesperados para eleger José Serra - ficam ensinando a oposição sobre o que ela deve fazer (em público! Que vergonha! - ex. Noblat e Fernando Rodrigues). Diga isso para o Gilmar Mendes. Quem não come, quem não tem onde pisar, quem vê ao seu redor terras griladas e saqueadas, concentrações do tamanho de Estados europeus, não vai ficar quieto esperando. Vai gritar. Vai brigar.
O formalismo jurídico de Gilmar Mendes é uma forma de manter tudo como está. No fundo, é uma proposta conservadora. Se os alemães podem escrever o que escrevem, é porque um dia alguém deu o sangue e desobedeceu à lei para conquistar um novo status, porque buscou justiça. Por que será que essa palavra faz tantos tremerem?
Cada vez me interesse menos pelo Direito e seu mundinho paralelo.

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sexta-feira, fevereiro 27, 2009

Lálálá.

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quinta-feira, fevereiro 05, 2009

CONTRA O CINISMO

ESSE PROVAVELMENTE SERÁ meu último post antes de uma agradável viagem à Santa Catarina, onde cuidarei em permanecer desconectado e preocupado com assuntos mais leves.
Uma das coisas que mais me preocupa na política é a apologia ao cinismo. Recentemente, Vladimir Safatle (em texto acadêmico) e Marcelo Coelho (no artigo "Doutores em Pessimismo", publicado na FSP) exploraram bem a relação entre o pessimismo e o catastrofismo, de um lado, e uma postura cínica, indiferente, de outro. Pretendi resumir tudo no meu axioma do direitista conservador: "meus ideais não são melhores, meu objetivo é provar que não fazes o que pregas, é provar que também és um canalha". Em síntese: o conservador reconhece que o mundo, como está, é algo terrível; porém acredita que as coisas são mesmo assim e que, por isso, todo aquele que propõe algo diverso está ou mentindo ou é "ingênuo". Isso resulta no cinismo irônico que, hoje, é a principal estratégia retórica dos mais célebres conservadores.
Não canso de escrever contra o cinismo. E hoje vou usar dois argumentos para tentar mostrar que o mundo real não é sujo e terrível como os pessimistas pensam, e muito menos que o que é catastrófico (de fato) seja inevitável.
O primeiro é a questão da violência. Pesquiso sobre o tema há um punhado de anos. Quanto mais pesquiso, mais concluo que a violência gera cada vez mais violência. Reprimir violentamente o crime deixa o crime mais violento. Partir para uma política de guerra contra um inimigo deixa o inimigo com igual apetite para a guerra. Quanto mais violência, mais difícil a reconciliação posterior e mais provável que será preciso usar mais violência. Derrida certa vez chamou isso de "processos auto-imunitários", nos quais um organismo se imuniza contra seus próprios anticorpus. Dito de outra forma, é quase uma estratégia suicida. É só ver a lógica da violência: quanto mais os policiais entram e praticam extermínio na favela, mais os traficantes se armam para se defender de uma execução sumária, e isso leva a uma policiamento mais violento e mais armas aos traficantes; quanto mais Bush apertou os cintos na política de guerra e confronto, mais o terrorismo se fortalece, mais antipatia gera e com mais convicção a polarização se constrói; quanto mais Israel ataca os palestinos, mais os grupos terroristas ficam fortes, bebendo do ódio e ressentimento, e maior a violência da reação, que, por sua vez, produz ataques mais fortes e assim por diante. A violência se alimenta de si mesma. Isso significa que a guerra é sempre a pior opção, ao contrário do que a extrema direita e os militares pensam. É uma estratégia que só tem dois fins: ou extermina da face da Terra inimigos e descendentes, matando indiscriminadamente, ou cria problemas maiores do que os existentes. O exemplo do IRA - hoje problema resolvido - mostra como a lógica de guerra é bem menos eficaz que a negociação política.
Isso deveria ser uma pedra no sapato de todo conservador que defende sempre e sempre a guerra e a destruição do inimigo. A guerra gera mais problemas que soluções. Quem alimenta o raciocínio bélico está colaborando para a infelicidade de todos, para a prorrogação do sofrimento. A guerra é o último dos últimos recursos, deve ser precedida sempre de negociação. E essa negociação não deveria ter limites. Nem mesmo certos adjetivos poderosos como "terrorista". Os "realistas", no entanto, adoram uma guerrinha.
O inverso também é verdadeiro. A paz traz a paz. Paz com justiça, claro, não puro silenciamento autoritário por exigências de "ordem". Paz com esperança. Prova disso são os lugares em que há uma organização social com justiça. Por exemplo, Suécia ou Noruega. Ninguém é bobo de sustentar o determinismo pobreza = crime, já que a maioria dos pobres não comete usualmente crimes e os ricos cometem também em grande intensidade. Aliás, ninguém é bobo de sustentar qualquer determinismo. No entanto, é forçoso reconhecer que sociedades com justiça social conseguem diminuir significativamente a violência urbana. Basta comparar Brasil, com sua estúpida taxa de homicídios e injustiça monumental, e Suécia.
O cidadão sueco está mais acostumado a resolver os conflitos sem violência. Pode-se aqui até enxergar o componente do "processo civilizatório", de Elias, com o refinamento dos costumes e a ojeriza à violência privada. A paz com justiça gera a paz social. Não é a violência estatal que mantém em equilíbrio a sociedade sueca, mas uma relativa estabilidade em termos de paz e justiça. Isso diminui a violência social. Ou seja, ao contrário do que pregam os "realistas", é a paz com justiça, e não a ameaça da violência, que diminui, interrompe a violência.
O segundo argumento é a primazia da paz sobre a guerra. Ou da palavra sobre a violência. Os conservadores usam muito facilmente a premissa hobbesiana de que, inexistindo a violência punitiva (ou da guerra), seria guerra de todos contra todos. Isso me parece simplesmente falso. Se o "natural" do homem não fosse o equilíbrio da palavra, não conseguiríamos nos comunicar. Para cada relação corrompida que constatamos (e são cada vez mais) há centenas de sadias. Esse equlíbrio da relação ética é a regra, e não a exceção. A canalhice pode até um dia virar regra, mas ainda não é. E, se for, é porque foi precedida pela relação sadia, foi a partir desta que ela se construiu.
O homem é frágil e, por isso, não raro tropeça. Os conservadores se apegam no tropeço. Precisamos mostrar a diferença entre um tropeço e um modo de vida. Uma coisa é um desvio ético, outra é a vida transformada em desvio. Nem todo mundo consegue ser São Francisco de Assis. É compreensível. Porém, de outro lado, conseguimos distinguir Obama de Hitler, ainda que Obama porventura venha a tropeçar. O objetivo do conservador é apanhar aquele tropeço para, a partir dele, deslegitimar todo projeto de mudança e afiançar um mundo repleto de corrupção e cinismo. O desventura dele é que, a cada dia que passa, nasce mais esperança na mudança.

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quarta-feira, fevereiro 04, 2009

ISRAEL É NAZISTA?

NÃO, é a resposta imediata e que já escancaro desde o início para não deixar dúvidas. Não creio que seja possível comparar os atos de Israel às atrocidades do nazismo, a menos que passemos a comparar tudo com o nazismo - aí tudo bem [inclusive, por exemplo, com a situação que passam os habitantes dos nossos morros brasileiros, que acabam vitimados pelo extermínio policial independente de estarem ligados a redes de delitos. Nesse caso, nós (classe média, elite), seríamos nazistas].
A acusação de que Israel deflagra campos de concentração, que pretende a erradicação dos palestinos, usa as mesmas técnicas nazistas e promove um genocídio me parece simplesmente falsa. Basta distanciar-se um pouco para verificar que os fatos não são exatamente assim.
O nazismo foi uma ideologia complexa que, entre outras perversidades, defendia o extermínio de uma "raça" (judia), ou melhor, das "raças inferiores" (incluídos, por exemplo, ciganos). Além disso, organizou uma "máquina administrativa", como bem descreve Hannah Arendt no clássico Eichmann em Jerusalém, para dar conta da "solução final". Acabou com cerca de 6 milhões de judeus. O ato, portanto, era gratuito, uma verdadeira "limpeza" que não representava qualquer acréscimo em termos de guerra.
A situação não me parece idêntica ao que ocorre em Israel. Acusar Israel de nazismo pode ser uma estratégia hiperbólica de sensibilização - perante a qual eu não nutro antipatia, ante o imperativo ético de suspender a violência aos palestinos - porém não pode ser levada a sério de ponto de vista racional. O que Israel pode ser acusado é de nacionalismo extremado, isso eu concordo - mas convenhamos que nem todo nacionalismo é nazismo, embora este seja o extremo do extremo do nacionalismo. Equiparar ambos pela raiz pode ser uma estratégia de argumentação ética hiperbólica - até um dever moral -, mas racionalmente insuficiente. Como o que mais falta no conflito Israel/Palestina é razão, ponderação e negociação, não creio que seja a melhor estratégia.
Minha preocupação com o antissemitismo ainda extremamente disseminado persiste. É como se os antissemitas gozassem da situação, afirmando: "viu, eu disse que os judeus não prestam!". Muito da solidariedade com o povo palestino é, na realidade, racismo com os judeus, pois o "solidário" não tem o mesmo olhar generoso para o favelado ou qualquer "Outro" [especialmente se leva o rótulo de "terrorista"].
Também me indigno pela guerra que, na realidade, é um massacre aos palestinos promovido por Israel. Bombas de fósforo branco são expedientes hediondos, grotescos, nojentos. Tão grotescos quanto atos de guerra promovidos pela França, Inglaterra ou EUA [os EUA eram nazistas por usar Napalm no Vietnã?]. Mas isso não tem conexão com o nazismo. O nazismo promoveu - sem qualquer finalidade de guerra - o extermínio de uma população com uma finalidade genocida. Israel promove atos de guerra covardes, desproporcionais, absolutamente injustos e que devem cessar imediatamente [para os que contestam a idéia de "proporcionalidade" na guerra, recomendo revisarem o conceito jurídico de legítima defesa e verificarem a exigência de "moderação", sob pena de o agente responder pelo excesso]. Os foguetes do Hamas soam como uma piada perante tal poderio militar, porém é de se convir que, à medida que o Hamas declara guerra à Israel e usa o armamento disponível, desencaixa a idéia de genocídio. Os judeus jamais declararam guerra à Alemanha ou aos "arianos".
Muito do conflito Israel/Palestina se explica pelo ressentimento de ambas as partes. De Israel em relação ao Ocidente e às Nações Unidas que, durante a II Guerra Mundial, deixou-os morrerem como "ovelhas". Para eles, Ocidente e Nações Unidas nunca se preocuparam com judeus, e continuam não se preocupando. Os palestinos, por sua vez, por uma ocupação forçada, massacres permanentes e uma história de sucessivos regimes de dominação promovidos pelo Ocidente, formando um eixo islâmico-fundamentalista que já bebe o sangue do ressentimento.
Nossa sorte dependerá do fato de que os fundamentalistas judeus [que não é a "democracia laica" que a imprensa conservadora apregoa] e fundamentalistas islâmicos não são a maioria. Detêm poder, no momento. Mas não são os únicos. Há forças que pensam de forma distinta em ambos os lados. O sucesso da negociação dependerá disso.
Não há dúvida que, nas circunstâncias, os palestinos têm quase toda razão. Quase toda porque a erradição de Israel, proposta do Hamas, não é mais legítima. Os isralenses já estão naquele território e agora a questão é partir para a negociação dos territórios. Nem sempre a justiça pode ser trazida para um seu ponto ideal. Às vezes é preciso juntar os cacos e pensar para o futuro, restaurando aquilo que é possível restaurar. Essa justiça é uma justiça que se opõe ao ressentimento e à vingança; a justiça restaurativa é uma justiça que se volta para a felicidade de todos, aceitada certa tragicidade inerente à história humana de violência.


PS: No mais, remeto ao artigo de Vladimir Safatle, certamente o melhor que já li sobre o tema. Leitura obrigatória.

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terça-feira, fevereiro 03, 2009

LOUK HULSMAN, GRANDE PERDA

É duro perder aqueles que tiveram capacidade de dizer a verdade e ousar para além da paralisia da Totalidade.

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