O PRINCÍPIO DA VIOLÊNCIA É SEMPRE O MESMO
TRATEI EM BREVES POSTS [ver aqui, aqui, aqui e aqui] por aqui do conflito espinhoso entre Israel e Palestina. Aderi até a uma posição contra-corrente, no sentido de que muito do que se fala acerca de Israel tem um quê de anti-semitismo de esquerda [a esquerda, aliás, também foi anti-semita]. Não conheço o problema a fundo e nem pretendo enfrentá-lo nas suas circunstâncias históricas.
O que me chama atenção é que a estrutura da violência é sempre a mesma: uma população é oprimida em certo momento histórico, cobre-se de ressentimento e aí a justiça tarda em demasia, gerando a vontade de vigança, a violência generalizada e o horror. É assim que os palestinos, povo oprimido durante séculos pelo colonizador europeu, encheram-se de ódio e acabaram criando terrorismo e pregando a destruição de Israel [ou, mais radicalmente, do Ocidente "infiel"]. Israel, por outro lado, parece desesperado para dar uma tranqüilidade ao seu povo que foi massacrado, discriminado e também odiado ao longo da história, permanecendo em diáspora por longos séculos, e agora não hesita em usar de técnicas extremas para proteger seus cidadãos.
É impossível não enxergar o óbvio paralelo com, por exemplo, a violência urbana no Brasil. O crime "organizado" representa hoje o pólo infernal que catalizou a reatividade do povo negro e pobre no Brasil, tendo sido massacrado por séculos de escravidão, exploração econômica, violência policial, desprezo, racismo, indiferença e tratamento sem dignidade. Do outro lado, há uma classe média apavorada que se vê vítima de crimes violentos, homicídios banais, seqüestros, extorsões, latrocínios, permanentemente ameaçada por armas de fogo. A reação é tão desproporcional quanto a israelense: usa práticas de extermínio, ocupação violenta, tortura, desapropriação forçada, seqüestro de pessoas e outras "técnicas" de guerra para conter a população pobre. Assim como na Palestina, milhares de inocentes caem todos os dias no Brasil sem nada ter a ver com o conflito. Como os palestinos, são "vida nua", irrelevante para as notícias de jornal e plenamente descartáveis. Em ambos os casos, a violência institucional é injusta, desproporcional, assassina e deve ser interrompida imediatamente [e isso poderíamos chamar, talvez, de justiça].
Fiz o paralelo para tentar contrapôr o anti-semitismo que começa a crescer na esquerda [também excessivamente reativa]. O "inimigo" externo do Israel é o mesmo "inimigo" interno do Brasil. São os reativos, os que ficaram para trás na história da injustiça. Agora não lutam mais por justiça, são vingativos e apenas colaboram para pôr fogo no círculo vicioso da violência. Assim como a maioria dos israelenses apóia a política externa, também por aqui a maioria da classe média e elite apóiam nossa política de extermínio policial. Não somos nem um pouco diferentes.
Trata-se, a meu ver [venho desenvolvendo um artigo sobre isso; parei, apesar de tê-lo escrito inteiro, para pesquisar mais] da questão mais importante dos nossos dias: como estancar a reatividade, RESTAURAR os cacos das relações corrompidas, e viver, dali em diante, a felicidade da relação sadia. Em suma: como romper o círculo vicioso da violência?
O mais triste é que são justamente pensadores judeus - Levinas e Derrida - que me inspiram na solução. Por que os israelenses não lêem seus próprios "conterrâneos"? [Aliás, o próprio Levinas se contradisse no tema.] É isso que talvez seja imperdoável - ou incompreensível - vindo de um povo que sentiu na pele o horror do racismo e do extermínio.