Mox in the Sky with Diamonds

terça-feira, agosto 29, 2006

As Revoluções Táticas de Mano Menezes

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Está sendo um prazer ver o Grêmio.

O Grêmio atual é mais parecido com o Grêmio de 2001, da era Tite, que com o aguerrido Grêmio era Felipão.

Explico as semelhanças: esquema inovador, compactação do meio campo e polivalência de funções. Mano Menezes está se revelando um senhor treinador.

É impressionante a desinformação da imprensa nacional, sua resistência em incorporar novos conceitos táticos e técnicos. Quando Felipão anunciou o 3-5-2 na Seleção, a reclamação foi geral. Não viam que o Grêmio, com Tite, havia ressuscitado o esquema, prematuramente enterrado com o horror de Lazaroni, e feito dele o que tem de qualidade: avanço-surpresa de stoppers, alas compondo a mesma linha dos volantes, líbero seguro na sobra, movimentação intensa no meio campo e marcação-pressão. A qualidade do 3-5-2 era ser ofensivo, e não defensivo. O Grêmio, já naquela oportunidade, inovava no esquema tático, com compactação invejável, e vencia a Copa do Brasil.

Hoje, o 3-5-2 é banal.

Mano Menezes incorporou ao Grêmio três variações táticas que se fizeram presentes na Europa nos últimos 3 anos.

Na Segunda Divisão, chegou a usar o esquema mais bajulado da Europa na atualidade: o "novo" 4-3-3, um esquema que se transforma em 4-5-1 na defesa e 4-3-3 no ataque. Assim jogavam, à época, o Chelsea e o Barcelona. O Chelsea jogava com Makelele de volante, Lampard na segunda função e Joe Cole pelo meio; Duff e Robben eram pontas e Drogba fechava o ataque. O Barça, idêntico: Marquez de volante, Xavi na segunda função e Deco na armação. Giuly e Ronaldinho eram pontas e Eto'o fechava o meio. No Grêmio, Jeovânio era o volante, Sandro o segundo e Marcelo fazia a armação; Marcell e Anderson caíam pelas pontas e Samuel era o centroavante. Nesse esquema, os pontas são, na origem, meias, que voltam para reforçar o meio-campo.

O esquema tático era o mesmo.

No Gre-Nal, em verdadeiro "nó-tático" em Abel Braga, colocou para jogar uma linha de quatro defensores, um volante (Jeovânio) e, a seguir, em linha, mais quatro meio-campistas (da direita para a esquerda: Alessandro, Lucas, Marcelo Costa e Ramon. No segundo jogo: Alessandro saiu e entrou Wellington). Na frente, um atacante. Que esquema é esse? 4-1-4-1. Esquema que o Arsenal usou para passar por Real Madrid e Juventus na última Copa dos Campeões. Meias em linha, à moda inglesa. Tanto que, para figurar como "meia direita", colocou Alessandro, um lateral, o mesmo ocorrendo com Wellington, pela esquerda. Resultado: ganhou o meio-campo e, com isso, o campeonato.

Mais tarde, Mano alterou o esquema: colocou Jeovânio e Lucas em uma linha, com possibilidade de avanço do segundo, e Léo Lima, Tcheco e Hugo à frente, com Rômulo no ataque. Esquema? 4-2-3-1. Esse esquema foi "febre" na Europa na temporada 2003/2004, tendo sido utilizado por Carlos Queiroz, no Real Madrid, e Ancelotti, no Milan, com a chegada de Kaká. Consiste em permitir o avanço de três meias (e não dois, como no 4-4-2), sem perder meio campo. A perda no ataque com jogador da posição é compensada com a chegada dos meias. Já naquela época, Felipão começou a utilizar o esquema na Seleção Portuguesa, com os volantes Costinha e Maniche e os meias Figo, Rui Costa [então na Seleção, depois Deco] e Cristiano Ronaldo.

Na Copa, o esquema do Grêmio foi utilizado pelas DUAS seleções finalistas! A Itália jogava somente com Toni no ataque, chegando Totti, Camoranesi, Perrotta ou Pirlo. A França, ainda mais claramente, tinha só Henry no comando de ataque, com Malouda, Ribery e Zidane como meias de chegada!

Portanto, o Grêmio, mais uma vez, mostra para o Brasil que é possível criar novas formas de jogar. Como em 2001, a compactação do time sobressai, com o ótimo técnico Mano Menezes se destacando em relação aos demais brasileiros, enfurnados na mesmice e sem aproveitar as novidades táticas do futebol europeu.

sábado, agosto 26, 2006

O Liberal e o Marxista


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Eu sempre venho tentando por aqui traçar as diferenças e semelhanças entre o liberal e o marxista, de forma a atenuar ou acentuar algumas distinções que estão no senso comum. Por exemplo, a de o primeiro é de direita e o segundo de esquerda. Existe esquerda liberal, Richard Rorty, John Dewey e Ronald Dworkin são exemplos.
A questão da prostituição é um bom exemplo da distinção de postura entre o liberal e o marxista. Recentemente, como sempre em tom oportunista, circulou um spam que "denuncia" a presença de "estratégias de conquista" às prostitutas no site do Ministério do Trabalho. Como sempre, uma agressão ao Governo, na forma moralista, simplista, reducionista. Aliás, o que pouco se falou foi que isso consta desde a era FHC. Mas não é esse o ponto.
Os moralistas de direita, ao adotarem o tom de "denúncia", franqueiam um debate interessante, que opõe esses dois perfis políticos. Enquanto o liberal tem uma visão minimalista de intervenção do Estado na vida privada, considerando que é a cada um que diz respeito as decisões sobre a sua vida, o marxista tem postura paternalista, tratando a todos como "explorados" e "vítimas" do sistema.
É claro que existem vítimas. Salvo os idiotas, ninguém discordaria de que prostituição infantil ou qualquer modalidade neoescravagista -- que costuma cair nas populações pobres -- é, simplesmente, exploração, e deve ser reprimido enquanto tal. O caso fica difícil, no entanto, quando se trata daquela mulher que, livremente, decidiu usar seu corpo para ganhar dinheiro: a prostituta de luxo.
A Senadora Heloisa Helena, representante do velho marxismo xiita, como seu partido, manifestou "indignação" com o site do Ministério, tratando o caso como mera exploração de mulheres "alienadas", usadas no seu corpo. A elite burguesa coloca o patrimônio acima do próprio corpo, e faz com que elas priorizem o consumo à própria dignidade.
O que um liberal diria? Ora, antes de tudo vivemos em uma época em que tudo é líquido, valores e padrões morais. A cada um cabe decidir seu destino. Se, livre e espontaneamente, a mulher decidiu usar seu corpo para ganhar dinheiro, nada se pode fazer para impedi-la. Mais uma vez, nossa interpretação cristã do corpo como algo pecaminoso, e do sexo como algo sujo e desonroso, influi ao considerarmos a prostituição "indigna".
Uma faxineira ou um advogado também vendem seu corpo, cada um à sua maneira. É o tabu do sexo que nos assusta. O advogado vende sua inteligência para, muitas vezes, chancelar condutas reprováveis. A faxineira tem que se submeter à chefia, supervisão, a trabalhos tormentosos. Por que uma mulher -- ou um homem -- não pode decidir fazer sexo por dinheiro?
Como eu sustentava, é aqui que se separa o marxista do liberal.
O marxista acredita ter uma visão privilegiada do mundo, uma visão que afasta o epifenômeno, a ideologia, que supera a alienação e "ilumina" a consciência do explorado. Assim, para o marxista, a prostituta apenas não tem consciência suficiente: ela não pode decidir de forma diversa.
O liberal, por sua vez, não tem uma idéia de visão de mundo tão ampla. Sua idéia fundamental é, principalmente, retirar do domínio do "público" (portanto, do Estado) a discussão sobre certas matérias, que são de decisão individual. Assim, como a prostituição, no final das contas, envolve fundamentalmente uma questão moral, não cabe ao Estado decidir sobre ela. É o que acontece, por exemplo, na Holanda, o liberal dos países liberais.

Claro, tem mais gente nesse debate. Igreja, conservadores de direita, etc. Quis apenas ressaltar como, dentro de uma própria visão de esquerda, é possível haver divergências bem fundamentadas.

Viram como o site do Ministério do Trabalho pode dar uma discussão interessante? Agora, se vocês preferem denuncismo conservador contra o PT, fiquem com ele. Inteligência nunca foi privilégio de muitos.

terça-feira, agosto 22, 2006

BLOG EM MEDITAÇÃO. ENQUANTO ISSO, CURTAM ESSAS DUAS BELEZUCAS.


The Raveonettes - Love Trash Can



Thom Yorke plays The Clock

segunda-feira, agosto 14, 2006

Excertos

Quanto mais me aproximo da vida, mais distante me sinto dela. O mundo nos separa.

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O mundo seria mais doce se houvesse lugar para o poeta.

Jacques Derrida escreve, em belas linhas, que o sonho, na sua linguagem própria, jamais pode ser restituído na sua própria corporalidade perante nossa linguagem, salvo na poesia. A poesia é a restituição do corpo ao sonho.
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Quanto espaço existe nesse mundo para quem quer ser livre? Estamos todos sufocados pela necessidade de acumular dinheiro e poder. Nesse ponto, Heidegger tinha razão no seu pessimismo.
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Fim de férias é sempre depressivo. Sugiro que os que gostam de trabalhar TRABALHEM, e os demais DESCANSEM. Se trabalhar é bom, pra que obrigar os outros?
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O tempo é o próprio "Ser" das coisas, dizia mais uma vez Heidegger. O tempo nos consome, "time is running out... for us... and you just move the hands upon the clock"... (Yorke, "The Clock", a melhor do disco). Enquanto isso, vendo meus dias para a burocracia, e eles passam em velocidade estúpida. Quando estiver velho e podre, se estiver, terei me dado conta de cada segundo precioso desperdiçado em prol de NADA.
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Brazucas
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O Forgotten Boys é uma das bandas mais bacanas do cenário indie nacional. Tão guitarreiro quanto Cachorro Grande, é mais embalada e dançante, abrindo mão da estética excessivamente anacrônica [leia-se: mod] para fazer um rock mais arejado, com traços de surf music, punk e rock lo-fi.
"Cinco Mentiras", que estreou clipe na eMeTeVê, é bem legal. Assim como "Just done".
Podem baixar o CD "Stand by the D.A.N.C.E" aqui.
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Sabem que, depois de ouvir de novo as seis primeiras músicas de "Logic will break your heart", deu vontade de baixar o novo do The Stills?
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Resenha NADA-AMIGA [hehehe] de "Under the Iron Sea", do Keane, no Plug it in!. By me.
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Prazer incomensurável no presente do grandesíssimo amigo Peter Pan, directly from London: "The Eraser", o fantástico álbum solo do gênio Thom Yorke.

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Fellows, se existissem dois Stanleys Kubricks no mundo eles seriam capazes de derrubar o Partido Comunista Chinês.
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É uma ofensa aos orientais considerar que os personagens de "Herói" e "O Tigre e o Dragão" voam. Os orientais tem uma cultura em relação ao corpo completamente distinta da nossa, onde as técnicas marciais formaram uma espécie de senso comum em que se pretende ver dominada toda massa corporal, da unha do pé ao fio de cabelo, passando pelas próprias "energias" que passariam por dentro da nossa massa muscular.
Em síntese: eles não voam, são leves demais para cair das árvores ou mergulhar na água. Dominam seu peso.
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Trilha sonora do post: Forgotten Boys, "Diferent taste".
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quinta-feira, agosto 10, 2006

EXTRA!!!!!

A banda com próximo disco mais aguardado dos últimos anos, que não lança um álbum desde 1997, parece que finalmente está gravando seu terceiro álbum. Nas costas: dois discos perfeitos, que inauguraram um estilo absolutamente excêntrico e denso, situando-se em um universo paralelo a todas as outras bandas do rock. Depois da cover "Requiem for Anna", para a coletânea em homenagem a Serge Gainsbour, rei dos motéis, a NME noticiou que eles já estão gravando e ainda tiram sarro de Moby e o estilo "coffee table" dos "comportados"...

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Eu tenho que confessar que ando com a cabeça em outro mundo, deve ser difícil conviver comigo e minhas loucuras...

Pequena Pérola
O Radiohead é a maior banda da atualidade porque, entre outras razões, tem um som totalmente eclético, podendo variar desde o "new acoustic" [gênero que "inventou", é Jeff Buckley é, sim, coadjuvante nisso] até a eletrônica IDM. Em "We suck young blood" Thom Yorke interpreta uma espécie de vampiro faminto, melancólico com a passagem infinita dos tempos, quase sem mais energias, apagado na sua repetição ilimitada. "I want none of this", música presente em uma coletâneas em homenagem atingidas pela Guerra (qual? não lembro...), é outra música vampiresca, tão noturna quanto pode ser uma canção. ´E sinistra, tétrica, tudo ali parece assombração.

Image Hosted by ImageShack.us É bom, né?

Férias é ótimo.

Trilha sonora do post: Radiohead, "Fog".

terça-feira, agosto 08, 2006

BIBLIOTECA SOMEPILLS
Um conto escrito em 1998. Ou: "escrever para ofender é o lema".
Tragédia Francesa


É doloroso. Mas o mundo é do diabo, assim como o céu, dos tolos.
Foi numa província francesa, na época de Napoleão III, o farsante. Local calmo e cristão, possuía toda a beleza desprezível que retém a harmonia.
Convido o leitor a passear comigo pela cidade e entrar no castelo dos Laclos. O Barão de Laclos era um homem respeitado. Não, muito mais deliciosamente que respeitado; ele era temido. Embora a juventude ainda ditasse o seu semblante, sua voz traduzia a de um nobre há muito tempo donatário dos territórios da cidade. Sua esposa, a bela Josefina, era adorada pela plebe quase tanto quanto a esposa do primeiro e maior imperador.
Dois anos após a cerimônia de casamento, nasceu Margot -- uma filha sadia e bela. Quis o Destino, porém, que a Baronesa de Laclos não pudesse mais ter filhos. Fora um parto difícil. Margot, com dez anos, foi mandada a um convento para ter uma educação plenamente católica.
Cinco anos passam voando. Como todo homem íntegro e sábio, o Barão de Laclos enriquecera às custas de muito sangue e suor de cidadãos do império francês. Seu casamento, porém, já perdera aquele fogo inicial que dura exatamente trezentos dias. Josefina era uma mulher entediante, frígida e bondosa demais para o grande homem que mais tarde viria a se revelar a todo império. Como todo bom francês, teve várias amantes. Mas nenhuma o satisfazia. Todas pouco belas para sua vaidade imensa, pouco nobres para o seu orgulho exorbitante, pouco submetidas para o seu pedantismo natural. Assim passaram os cincos anos que trariam a filha do casal de volta.
Margot voltou num belo dia de sol. A baronesa, com os olhos repletos de lágrimas, corria em direção ao coche que trazia de volta seu maior tesouro. O sacerdote da cidade, alguns outros Senhores e o povo também foram saudar Margot. Somente uma pessoa ficou estática: o Barão de Laclos. Com seus olhos altivos observava o semblante de pureza da filha, que descia do coche ostentando um corpo esguio e torneado. Como estava bela! Havia discutido já com Josefina e chegaram ambos à conclusão de que o Conde de Renal seria um marido ideal. Mas agora... agora era difícil pensar em entregar aquela jóia a qualquer um que fosse.
Naquela noite, houve grande festa, e os copos de Bordeaux deslizavam pelas mãos dos convidados com uma constância digna dos bons costumes do tempo de Luís XV. O Barão, como todo fino anfitrião, também ficou ébrio e alegre. A Baronesa de Laclos logo mandou a querida Margot -- assustada com a agitação e satisfação de todos -- recolher-se ao seu aposento.
O leitor deve compreender que o ser humano é volúvel. A sensatez é apenas um disfarce da loucura. A embriaguez retira essa máscara.
Mais tarde, quando a menina já dormia em sono puro, o Barão de Laclos sentiu uma impulsiva vontade de visitá-la. Chegando ao seu dormitório, viu com prazer toda a candura que infestava aquele rosto, repleto duma beleza angelical e doce. Já bêbado, encostou seus lábios na gélida boca da filha, que, assustada, abriu os olhos e não gritou somente por ser seu pai. Olhou-o com prazer e retribuiu o beijo. Um ébrio reage de acordo com as conveniências dos sentidos. Uma bela donzela leva qualquer um à perdição....
Impulsionadas pelo vinho, as mãos do Barão de Laclos já não mais se controlavam e deslizavam pelo corpo da filha. Margot, um pouco impressionada, ficou estática e frígida. Os olhos do pai apenas fitavam-na com ardor, embora o corpo dela mais parecesse um cadáver. Ela, amedrontada, fechou as pálpebras. Suas mãos tremiam incessantemente, seu rosto estava completamente pálido. Os dedos de uma das mãos do pai já deslizavam pelos seus seios e por outras regiões íntimas, enquanto que a outra mão estava sobre a boca, com o intuito de evitar qualquer grito. Num sussurro delicado e meigo, o Barão de Laclos dizia no seu ouvido: "não te preocupes, isso acontece sempre entre pai e filha". A frase soava como um alívio, fazendo com que ela se entregasse sem mais tremores, mesmo que pálida e gélida como um esqueleto. Os gemidos saíam baixos e descaídos e, num esforço último, ela perguntara ao pai porque era proibido nas Escrituras... ele respondera, cuidadosamente: "há coisas que Deus quer que não devem ser escritas".

Dez dias depois, numa conversa a sós na sala entre o Barão e a Baronesa, esta o acusava. "Como ousaste? Como ousaste macular de tal forma nossa filha!?" O Barão guardava o silêncio. A mãe, quase histérica, gritava com um ardor que nunca demonstrara em toda a sua vida, num grito único, sublime. Amava aquele homem mais que a qualquer outra coisa, como poderia ele lhe trair com alguém? Na verdade, este era o pensamento maior na sua cabeça. Não tinha consciência da sua fraqueza, nem das outras amantes. A filha havia lhe contado tudo. Como ousava!? Como ousava aquela menina seduzir seu Homem a tal ponto!? Odiava-a, acima de tudo. O Sr. de Laclos não respondia.
Há poucos dias Margot havia contado tudo à sua mãe. A Senhora ouvira tudo com paciência e tranqüilidade. Não proferira sequer uma palavra. A narração de sua filha era grave. De acordo com Margot, o pai entrava todas as noites no seu quarto e lhe tocava inteira, dizendo palavras bonitas ao seu ouvido e fazendo algo com seu corpo, que misturava uma sensação de dor e prazer. Ela dizia que naqueles instantes sentia aproximar-se a Morte, sentia como se estivesse paralítica. Seu corpo esfriava, sua pele embranquecia, não conseguia dormir mais nas noites. Narrava Margot cada passo do pai, cada movimento que fazia, até chegar o momento de se vestir e voltar ao quarto. A menina, trêmula, ficava o restante da noite sem conseguir voltar do transe moribundo que lhe causava aquela relação.
A Baronesa já perdia o controle e jogava objetos nas paredes, gritando com uma indignação imensa "a nossa filha!! O que fizeste com a nossa filha!?", enquanto, ao mesmo tempo pensava "como pode ele se atrair por tão pouco? Uma menina! Apenas uma menina!" Como ela, mulher tão altiva, perdia seu marido para uma menina de apenas quinze anos!? No semblante do Barão se via apenas a tranqüilidade. Talvez desprezo, um pouco de desprezo.
Margot chorara no dia da revelação. Dissera que estava confusa, que não sabia o que fazer. A mãe ficara impassível. Via no rosto da filha toda a dúvida e tristeza que é possível ostentar uma francesa de quinze anos. Estava assustada!
A criadagem chegava. Ouvindo o barulho dos gritos e dos objetos quebrados, foi inevitável que as criadas aparecessem. Num grito possante, a Baronesa expulsou-as todas e mandou não aparecerem, fosse o que fosse. Estava furiosa. Olhava enraivecida ao seu esposo, que parecia indiferente a tudo que fazia. Mas ele, após o longo silêncio e com voz extremamente calma, disse: "estou com a consciência limpa". Caíram lágrimas dos olhos da Baronesa. Ele olhou-a, com aquele olhar autoritário e forte; ela se aquietou. Um sorriso sarcástico surgiu no rosto de Sr. de Laclos.
Ajoelhada, derramando seu choro aos pés do marido, a Baronesa, num tom de frase convalescente, disse: "desonraste nossa filha, nosso casamento e o nosso nome. Ela o odeia." E desmaiou. O Barão acendeu o charuto e caminhou em direção à janela. O desmaio era falso. Falso como tudo que vinha daquela mulher. Fez ouvir sua voz por quilômetros, quando gritou o nome da filha. Esta veio à sala correndo e cruzou seus olhos com os do pai. "Diga a ela, Margot" -- ordenou o pai.
A Baronesa, quase desesperada, olhou, pela primeira vez, com piedade para a filha. Chorou novamente, enquanto abraçava Margot. Dizia sem parar "eu te amo, filha, eu te amo! Perdoa-me por tudo...". Margot, aquela doce criatura, olhou com desespero para a mãe, mas, ao fitar o Barão, encontrou um olhar severo e duro. "Amo-o, minha mãe, muito mais que vós. É somente a mim que ele merece" -- disse a filha. A Sra. de Laclos, horrorizada, entrou em pânico e iniciou um ataque de histeria, gritando: "incesto, isso é um maldito incesto!". Foi, entretanto, interrompida pela mão da menina, que com a outra cravava um punhal no seu ventre. A última coisa que viu foi um sorriso mórbido e contente da pequena mulher de quinze anos.
O crime, mais tarde, foi atribuído à criadagem, pois somente se encontrou o cadáver depois da fuga do Barão e da filha. O nome Laclos é proibido em toda sociedade francesa. Os criados foram condenados todos -- para não haver risco de uma injustiça -- à guilhotina.
O pai e a filha moraram felizes por algum tempo numa casa de campo, até serem incendiados por um cristão fanático que descobrira o incesto.

Foi uma história interessante, por isso me atraiu. Hoje todos pagam pelos seus crimes.
Oh, seres humanos, como vocês me divertem.

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O Diabo.

sexta-feira, agosto 04, 2006

Um texto diferente
Esse blog esteve sempre aberto a contribuições. Hoje publico um texto do amigo Otávio Binato, cujas qualificações falam por si mesmas no escrito.

O Corte
Otávio Binato Jr.

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O Corte é desses filmes que nos levam a pensarmos na conjuntura atual da sociedade em que vivemos, considerando assim seus problemas, bem como as possíveis soluções. Ao contar a história de um executivo de meia idade, pai de família, que perde o emprego em virtude de cortes e reestruturações (os conhecidos downsizings) na empresa onde trabalhava; identificamos nesta personagem alguém que poderia muito bem ser nosso vizinho, ou mesmo nossos pais, de modo que nesta história o individual que é, não pode ser dissociado do verossímil, que poderia ser.

Nosso "jovem-velho" executivo passa então a selecionar todos os executivos desempregados mais qualificados que ele nesta desesperada busca pelo emprego e inicia uma eliminação de todos, um a um, até chegar no executivo que ocupa a efetiva vaga. O interessante é que os executivos eliminados são vistos não como inimigos, mas como algo pior que inimigos, como "competidores". Esta competição institucionalizada envenena as relações humanas, tanto dos competidores entre si quanto com os membros da sua família, já que o indivíduo vê cortados os laços com as pessoas que poderiam ampará-lo, sente-se, enfim, só no mundo e com um árduo objetivo à alcançar.

Diversas aproximações podem ser feitas a partir desta história, talvez a mais abstrata, mas, possivelmente por isso a mais importante, seja sobre quais são realmente os produtos de consumo do capitalismo em sua fase pós-industrial. A partir de diversos insights estampados em outdoors, Costa Garvas nos instiga a refletir acerca da perigosa reificação do ser humano no processo produtivo. Seguindo a mesma lógica dos produtos, os seres humanos parecem cada vez mais ameaçados pela cultura da obsolescência programada, forjados para durarem até o ponto no qual possam ser substituídos por trabalhadores mais jovens que se submetem a fazer mais por menos salário, sob pena de não conseguirem trabalho algum. O capitalismo, que parece bastante bom para moldar e preparar os indivíduos para o trabalho, parece falhar, entretanto, em ensinar os indivíduos a lidarem com a sua "senilidade produtiva" aos 40 anos, exatamente no ponto em que a experiência e a disposição parecem encontrar-se no pico da escala, de modo que podemos inferir que muito mais do que produtos, nosso sistema produtivo está a consumir homens, com a mesma voracidade, mas sem dúvida com conseqüências muito mais dramáticas.

Engana-se, contudo, quem julgar que o filme apenas decanta a dramaticidade dos que perderam o emprego. Uma leve mudança no foco de análise nos faz perceber que a realidade dos que ainda tem o seu posto de trabalho "original" e a dos que o têm, mas obrigados a trabalhar em serviços muito aquém das suas reais qualificações, pode ser igualmente dolorosa. Os primeiros, obrigados a trabalhar em jornadas exaustivas, apresentar sempre uma taxa de lucro acima do possível, manter sempre a boa aparência e não obstante, estar (ou pelo menos parecerem) felizes, pois nesta jornada com vagas de menos e passageiros demais qualquer descuido pode significar a imediata relegação ao ostracismo, e a incerta volta à "utilidade". Os segundos, condenados a uma conjuntura que os prepara para trabalhos de alta qualificação e os condena a servirem de garçons ou vendedores de lojas de departamentos, gerando desespero e um sentimento de inferioridade perante o restante da sociedade e, mais grave, um desespero interno em relação às próprias capacidades.

Enfim, O Corte traz a lume uma discussão sobre a nossa atual conjuntura pós-moderna, bem como sobre os rumos que nossa sociedade pode tomar. Dentro deste panorama fica muito mais fácil a compreensão dos diversos problemas que parecem nos assolar neste início de milênio, como o elevado índice de drogadicção entre as camadas alta e média da sociedade, dada a nossa posição de intranqüilidade permanente; a obsessão por tratamentos de beleza e intervenções cirúrgicas, pois a aparência de velhice pode ser fatal, e a crescente frieza e distanciamento nas relações humanas, pois fomos rebaixados de conhecidos a competidores. Talvez, o mais pungente de todo este panorama é que ao assistir o filme, temos presente o espectro de Bruno Davèart sobre a nossa pessoa.

quinta-feira, agosto 03, 2006

Dois bons filmes

*
Não me lembro de ter chorado muitas vezes em filmes. Em toda minha vida, devo ter chorado duas, três vezes talvez. Mas "Dançando no Escuro", protomusical estrelado por Björk e dirigido pelo fantástico Lars von Trier, me fez derramar lágrimas.
Von Trier é o diretor mais trágico do cinema atual. É um dos poucos que têm coragem de dimensionar uma tragédia, esboçar a dor e, aos poucos, ir afundando-a no espectador, como se fosse um punhal. A decadência da personagem principal, afundada em mal-entendidos e profundamente injustiçada, é nos colocada num fluxo semelhante ao que ele viria a aproveitar posteriormente, com Grace em Dogville: uma deterioração constante e inacreditável, que se nega, todo momento, a ser interrompida. Não há anestésico, suavização, embelezamento: é a crueza do acontecer maligno que, sem hesitação, vai nos perfurando.
Terminei o filme, sinceramente, destruído.
"Dançando no Escuro" ("Dancer in the dark", Dir. Lars Von Trier, França, 2000).

*
Todas as boas razões filosóficas e antropológicas estão a favor do relativismo. O reconhecimento da diferença moral, a coerência interna das crenças e a incapacidade de ocuparmos a posição de "olho de Deus" nos indica o caminho do reconhecimento e respeito. Mas, enquanto isso, vítimas agonizam e ignoramos os seus gritos.
"Hotel Ruanda" é uma breve reflexão sobre um genocídio autorizado, uma negativa do Ocidente de intervir diante de uma chacina étnica que fez o extermínio de crianças, mulheres, homens, tudo indiscriminadamente. Facões do ódio, que rasgavam em pedaços as vítimas, esfaceladas diante do silêncio da ONU.
Sou favorável a uma espécie de relativismo moderado, problematizado. Essa questão é que sempre me atordoou, nesses tempos, poderíamos dizer, pós-modernos...: "até onde vai o respeito à diferença de não respeitar a diferença?". Uma reflexão politicamente comprometida não compactua, pelo menos não sem argumentação, com o relativismo de certa antropologia descomprometida com o sofrimento humano.
"Hotel Ruanda" ("Hotel Rwanda", Dir. Terry George, EUA/Itália/África do Sul, 2000).