Mox in the Sky with Diamonds

quarta-feira, agosto 29, 2007

UM DESAFIO PARA MANO MENEZES
Poucas pessoas duvidam, hoje em dia, da capacidade de Mano Menezes como treinador. Trazendo "inovações" dos sistemas táticos europeus, Mano destacou-se desde a chegada pela organização dos seus times, cujo posicionamento é muitas vezes decisivo para vencer as partidas.
Ano passado, quando tinha uma excelente matéria-prima à mão, Mano lapidou a equipe para jogar no sistema 4-2-3-1, ou 4-5-1, mais simplificadamente. Com Jeovânio à frente da área e Lucas a seu lado, podendo avançar, e uma linha à frente que contava com Léo Lima, à direita, Tcheco no centro e Hugo, o mais avançado, na esquerda, Mano desenhou um esquema que lhe rendeu um ataque voraz, com muitos meias chegando, e nenhum prejuízo defensivo. Com esse time, o Grêmio não foi campeão brasileiro por detalhe.
Mas o ano seguinte não foi moleza. A Direção deixou a maior parte dos atletas que formavam um time titular sólido e um plantel respeitável irem embora, inclusive um dos principais destaques, Hugo. Com isso, Mano foi obrigado a retirar leite de pedra. Para minha surpresa, conseguiu reavivar o esquema 4-5-1 colocando, à frente de Gavilan [ou Edmilson] e Sandro [já que Lucas não jogou grande parte do primeiro semestre], Tcheco e Diego Souza, que se alternavam entre centro e direita, e Carlos Eduardo, completando o trio praticamente solto na esquerda. Juntamente com Lucio, este último formava um lado esquerdo veloz e pronto para ultrapassagem, que constituía o ponto forte da equipe.
O que acontece? Lúcio e Carlos Eduardo, que eram o lado ofensivo mais forte da equipe, são vendidos. Os problemas, que já existiam no time vice-campeão da Libertadores, se multiplicaram.
Sandro caiu de rendimento imensamente, não conseguindo recuperar a consistência após a lesão. Gavilan teve de sair da equipe, para abrir vaga de estrangeiro para Hidalgo. Kelly, que substitui Tcheco, não tem a postura e serenidade do capitão, muito mais leve e, ao mesmo tempo, fraco. Diego Souza não joga mal, mas está longe de atuações esplêndidas de tempos atrás.
A realidade é que Mano Menezes precisa reiventar seu sistema tático. Está claro que o Grêmio tem problemas seríssimos em fazer gols. A razão disso é um imenso buraco entre os meias e o atacante solitário, seja ele Tuta ou Marcel. Sem Carlos Eduardo, a situação piorará mais ainda. A bola só chega à frente com chutões ou cruzamentos, exigindo do pivô que produza mais do que sabe. É preciso que Mano reconheça que o esquema que funcionava perfeitamente ano passado, com uma aproximação massacrante dos meias ofensivos, hoje é ineficaz para o ataque. Diego Souza e mais tarde Tcheco não se aproximam suficientemente, nem tem essa característica, do centroavante. São meias que chegam de trás.
O preocupante é que, com o grupo que o Grêmio tem, não vejo muitas possibilidades. Rodrigo Mendes,que já era contestável anos atrás, agora é uma incógnita. Mano precisa de um atacante de aproximação certeiro, urgente. Do jeito que está, a Direção está jogando no lixo uma equipe pronta para ir para a Libertadores, já que -- presumo -- os dirigentes devem ter aberto mão do título há tempos, desde que contrataram lentamente reforços que estavam caindo de maduros.
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MADRID
O Madrid se reforçou bizarramente para essa temporada.
Primeiro, dispensou dois ótimos jogadores que contava: Cicinho e Emerson. É impressionante a incapacidade dos espanhóis de abstrair um milímetro para enxergarem que o primeiro não deve absolutamente nada ao festejado Daniel Alves, por quem se oferecem milhões. Daniel é, como Cicinho, bom de apoio. Cicinho, para essa função, é um jogador simplesmente formidável. Serviria no mínimo como reserva do Sérgio Ramos, a quem colocaram na nova função. Emerson dispensa comentários.
Pepe e Metzelder, digamos, são bons reforços. Zagueiros, afinal. Drenthe é uma aposta holandesa e Gabriel Heinze é um jogador que joga menos do que dizem, mas não compromete. Imagino que a defesa titular seja: Casillas; Ramos, Cannavaro, Pepe e Heinze.
Entre os volantes, falta o Emerson. Ficou com Diarra e Gago, além do junior De la Red e Guti, que vem se destacando nas últimas temporadas e mostra que tem futebol para ser titular, para quem acompanha os jogos e noticiários espanhóis sem preconceito. Tem um bom passe e organiza o jogo. À frente, o veterano Raúl, Robinho e as contratações holandesas Robben e Sneijder, além do Júlio Baptista. No ataque, Van Nistelrooy e, na reserva, o fraco Soldado. O time então será, provavelmente: Diarra, Guti (Gago), Robinho, Raúl e Robben; Nistelrooy.
Vamos ver o que acontecerá. Acho que Emerson fará falta, assim como Cicinho. O técnico é o duvidoso Schuster, com nenhum currículo. Continuo achando que, em 2007, dá Barça.
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Trilha sonora do post: The Rapture, "Syster Saviour".

sábado, agosto 25, 2007

DIREITA E ESQUERDA

Como já esperava, GD e OB esgrimam argumentos para colocar no mesmo patamar -- do ponto de vista militar -- direita e esquerda. GD argumenta que uso dois critérios diferentes: quando estou diante da direita, argumento que o militarismo lhe é ínsito; no caso da esquerda, trato como exceção.
Creio que GD esteja certo. É exatamente esse meu argumento. Pretendo provar que o militarismo é muito mais íntimo dos governos de direita do que de esquerda. E que, quando um governo de esquerda se torna militar, está se desvirtuando. O de direita, ao contrário, apenas segue sua tendência natural.
Para isso, tenho que partir da diferença entre direita e esquerda. OB vê a direita como uma tendência à liberdade, enquanto a esquerda tenderia à igualdade. Discordo frontalmente dessa classificação. Basta ver, para isso, quem são as pessoas de direita e o quão pouco elas gostam da liberdade. Os direitistas são os primeiros a atacar a arte, por exemplo. Quando ela é demasiadamente "imoral", eles não tardam a querer censurá-la. E não preciso falar da repressão contra os pobres, sobre quem eles adoram atirar suas polícias para colocá-los atrás das grades, de preferência os castrando, para eliminar de vez a existência. É o controle de natalidade como neutralização a posteriori, para o futuro.
Creio que essa divisão liberdade/igualdade, que é das mais tradicionais, está presa na armadilha marxista. Ela se baseia basicamente nas posições em relação à economia, que, modo geral, não podem ser estendidas. Por isso, inclusive, sempre reclamo do termo "neoliberalismo", que se repete como mantra nonsense pelas esquerdas, servindo de inimigo geral. O liberalismo é uma tradição que tende a políticas de esquerda, basta ver quem são os liberais nos EUA -- os defensores dos "direitos civis", das minorias, da classe pobre. Além disso, sabemos hoje [ou deveríamos saber] que não necessariamente a intervenção do Estado na economia representa um avanço e que muitos problemas do welfare acabam se transformando em elefantes insustentáveis pelos cofres públicos, dos quais a Previdência Social é, obviamente, o maior exemplo. Ou seja, nos libertamos dessa idéia publicista-burocrática da esquerda velha que ficou presa no marxismo, achando que tudo aquilo que encolhe o Estado é, em si mesmo, ruim.
O filósofo e jurista italiano Norberto Bobbio, no seu livro Direita e Esquerda, nos oferece uma outra descrição um pouco melhor. Bobbio argumenta que o que difere o campo da esquerda da direita é que, no primeiro caso, a pessoa tende a ver mais igualdade que diferença; no segundo, mais diferença que igualdade.
Acho que Bobbio, novamente, cai na armadilha do socialismo. Hoje uma das bandeiras mais importantes da esquerda é, sem dúvida alguma, a defesa da diferença. Homossexuais, mulheres, negros, judeus e outras minorias que o digam. São pessoas de esquerda que procuram defender a identidade cultural dessas minorias, estabelecendo proteção jurídica e tentando criar vocabulários novos que impliquem práticas sociais menos cruéis e discriminatórias. Por outro lado, vemos que são quase sempre os políticos de direita que procuram se agarrar a valores como família, tradição e religião, ou que se irresignam contra políticas de ação afirmativa. Como Bobbio explica isso? No caso, é a esquerda que vê a diferença, enquanto a direita prega a igualdade.
Eu proponho outra diferenciação. Tendo a ver o conceito de direita muito mais vinculado às idéias de "ordem" e "status quo". Acho que são esses os elementos que caracterizam a pessoa de direita: uma preocupação com a "ordem", "tradição" e "hierarquia". A esquerda, ao contrário, tende a ser mais "transformadora", mais passível de reconstrução das relações sociais. É evidente que, invertido o eixo, por exemplo a partir da implementação de políticas de esquerda, às quais, evidentemente, a direita se oporia, esse binômio fica prejudicado. No entanto, a idéia geral do cidadão de direita é "manter", "ordenar", "separar" e "reprimir". Do cidadão de esquerda, "mudar", "reinventar" e "emancipar".
Rorty, no seu livro Para realizar a América (Achieving our country), tem uma classificação mais ou menos parecida quando ele diz que os norte-americanos de direita tendem a reforçar a identidade norte-americana, buscando seus traços tradicionais, enquanto os de esquerda estão aptos a constantemente redesenhá-la.
Com essa diferenciação, não estou dizendo que todo direitista é burro e mal-intencionado. Nem que todo esquerdista está sempre certo. A posição dos marxistas ortodoxos em relação à democracia e às instituições liberais está aí para mostrar isso. O ceticismo em relação a essas garantias do cidadão revela que, no caso, quem foi/é conservador está correto, enquanto que os transformadores caíram na burocracia criminosa da URSS. É fácil ver, no entanto, que seguidos governos de direita, mesmo nas instituições democráticas, tendem a restringir as liberdades e querer menosprezar as conquistas liberais [o Patriot Act, de George W. Bush, ou o Tolerância Zero, de Giuliani, não me deixam mentir]. Então, respondendo à pergunta inicial: que ideologia defende mais "ordem", "hierarquia" e "tradição" do que a militar? É esse nó que ata direita e militarismo.
Tudo isso seria facilmente assimilável se, no interior da nossa história da esquerda, o marxismo não tivesse se tornado "o" discurso. Sem cair nessas armadilhas, poderíamos ter nos diferenciado da direita com maior facilidade, não cometer os crimes realizados por uma filosofia da história e ainda não ser massa de manobra de corporativismos, como hoje a esquerda "radical" é. Basta ver, para isso, o exemplo da esquerda norte-americana, que não caiu nesse vício, seguindo uma tradição liberal [como respondem os que gostam de falar do "neoliberalismo"?] que tem pensadores transformadores como John Dewey, John Rawls, Ronald Dworkin e Richard Rorty. É por isso, e apenas por isso, que afirmo que o sentimento anti-americano é o principal obstáculo da esquerda hoje. Não que os EUA não seja uma máquina de dominação mundial e tenham políticas interna e externa deploráveis; é que, simplesmente, são o único lugar que passou razoavelmente incólume pelo fantasma marxista, que aprisionou a esquerda nos dogmas que hoje a impedem de pensar.

Trilha sonora do post: Arcade Fire, "The well and the lighthouse".

terça-feira, agosto 21, 2007



IMPACTO AVASSALADOR
Foi por conselho de G.D., parceiro do blog vizinho e, nas horas vagas, apreciador da sétima arte, que, em um jantar pós-conferências na suja cidade de Pelotas, tomei conhecimento do filme "Z" (1969), do muito conhecido diretor grego Costa-Gravas. Para quem acompanha esse blog, deve se lembrar do artigo sobre o recente "O Corte" (2006), do mesmo diretor. Também já conhecia "Amen" (2002), libelo contra a omissão da Igreja Católica durante a Shoah, e o brilhante "Seção Especial" (1975), que trata da República de Vichy, território francês que ficou sob as ordens da Alemanha nazista.
Já conhecia nominalmente "Z", mas somente naquele momento tomei ciência da sua inquestionabilidade. Posso dizer que, passada a experiência da película, seu impacto, agora, é inestimável. O filme reflete exatamente o que eu penso em termos políticos. 1969, amigos.
No post anterior, discutia, nos comentários, com GD e OB, o fato de que, para mim, "militarismo" e "direita" são palavras que andam juntas. Não consigo as dissociar. Certamente sou influenciado por um contexto latino-americano de ditaduras assassinas que serviram a elites podres, interessadas em manter a desigualdade social em níveis insuportáveis, como vivemos hoje. Mas eu insisti em responder os comentários porque a discussão, para mim, não se resumia a um equívoco, e sim a uma visão política geral, que deve ser debatida.
O militarismo é uma tendência à direita. Reservo a expressão "esquerda" para, fundamentalmente, tratar de manifestações que visem à alteração do status quo em prol da redução das desigualdades, de um lado, e diminuição do sofrimento, de outro. Por isso, considero o campo da esquerda diametralmente oposto a qualquer militarismo. Enquanto ideologia, o programa militar é de guerra, purificação, definição do inimigo, conservadorismo social, tradicionalismo, etc. Não consigo associar isso à palavra "esquerda". Quando Stalin colocou suas tropas no Leste Europeu, não estava sendo "de esquerda", mas apenas criminoso.
A palavra "esquerda", para mim, tem um sentido de "justiça" e "respeito". Justiça que se dirige fundamentalmente contra desigualdades sociais, contra a existência de uma camada que explora as demais ou simplesmente está indiferente à miséria alheia. Respeito que encarna a atitude de alterar nossos vocabulários para retirar estigmas, aceitar a diferença, desvencilharmos de estratégias de repressão. É especialmente nesse segundo sentido, que começa a ganhar maior aceitação apenas após a década de 60, que o termo "esquerda" encontra-se no campo político oposto ao militarismo. Ambas tendências poderiam ser resumidas da seguinte forma: atitude de não-indiferença em relação ao outro. É nesse ponto que vejo convergência entre pensadores tão distintos como Rorty, Derrida, Levinas, Habermas e Deleuze. Todos se opõem a uma atitude que eu chamaria "fascista", e é refletida com perfeição nos princípios militaristas. Existe uma "esquerda" que tem proximidade com esse fascismo -- aquela que não incorporou o "respeito" -- mas, de forma alguma, podemos dizer que ela é "A" esquerda.
A democracia é o melhor instrumento para essa esquerda. É na democracia que se pode "tudo dizer". Como os melhores argumentos estão a favor dessa tendência, como nos dizia Rorty, penso ser possível, a partir do diálogo, modificarmos a situação.
Costa-Gravas nos prova, em primeiro lugar, o quanto essa esquerda incomoda. Sem se filiar ao marxismo, ela se opõe ao poder com argumentos, os melhores argumentos, capazes de se equiparar às bombas do Estado-policial. Esses argumentos são incrivelmente explosivos, a ponto de causar mortes de quem os defende.
Depois, nos mostra, junto com isso, o potencial subversivo do "dizer a verdade". Creio que isso tenhamos aprendido com Michel Foucault, ou, antes dele, Nietzsche. Paradoxalmente, os pensadores que pareciam desprezar a "verdade" dos cientistas e dos filósofos tradicionais foram os que, mediante redescrição dos nossos hábitos "normais", foram, aos poucos, desmontando as engrenagens fascistas que, ao longo do tempo, foram se impondo enquanto "naturais". As fronteiras da "normalidade" foram sendo desbastadas, a partir de novas narrativas -- da perspectiva dos "Outros" -- sobre a sexualidade, loucura, criminalidade, etc. Foucault não pretendeu, em momento algum, ser "conciliador" ou não dizer, a pretexto moral, a verdade nua e crua. Foucault nos jogou na cara uma verdade acre e suja, a da nossa repressão. Como ele, também pensadores como Hannah Arendt, Derrida e hoje Agamben e Bauman nos esfregam na cara a verdade, sem promessas ou escrúpulos, para que tenhamos que lidar com ela.
O filme ainda mostra quem são os adversários: brutamontes incapazes de argumentar, prontos para utilizar a força para manter o status quo, conservadores insensíveis para a condição das outras pessoas, fascistas que odeiam as bibliotecas e tudo aquilo que se opõe a uma ordem cruel que se mantém com base na selvageria. Por ironia, um dos personagens é um homossexual "machão", desses que estamos acostumados a ver por aí proferindo discursos contra os gays e a liberalização dos costumes, como que para compensar seu problema mal-resolvido.
Por fim, Costa-Gravas ainda nos brinda com a máquina burocrática perversa estatal, capaz de engolir as maiores atrocidades e mostrar que, visivelmente, a afirmação de Walter Benjamin é verdadeiro: há muito tempo a emergência, o estado de exceção, tornou-se a regra. Basta que olhemos o que acontece de fato, e não apenas malabarismos jurídicos confirmadores.
"Z", um dos melhores filmes que vi na vida. "Z" é a nossa esperança contra o fascismo. Ele ainda vive.



Trilha sonora do post: Cripped Black Phoenix, "The Whistler".

sábado, agosto 11, 2007


The National - sensacional

VELUDO PARA OS OUVIDOS

Não consigo parar de escutar o maravilhoso álbum do The National, "Boxer" (2007). Quando resenhei, há pouco tempo, "Boxer" por aqui sofria apenas o impacto inicial de algumas audições. Ao longo do tempo, ele vem ganhando mais e mais força, tomando-me em um ímpeto viciante de não conseguir parar de escutá-lo. É, provavelmente, o mais delicioso álbum do ano.

A simplicidade de "Boxer" esconde, inicialmente, essa beleza que vai se revelando aos poucos, sutil e eficaz. Aos poucos, as canções crescem na sua melancolia intensa e honestidade. Se poucas audições já são suficientes para apaixonar-se por "Mistaken from strangers", single poderoso, e "Fake Empire", a magnífica abertura, em pouco tempo "Apartment story" e "Racing like a pro" vão tomando a mesma força. E, daí por diante, todas as músicas, cantadas pela voz grave e aveludada de Matt Berninger [barítono] -- transpirando sinceridade -- vão se tornando mais e mais agradáveis. Um álbum típico de uma banda de Nova York: denso, escuro, sombrio. Imagine-se num pequeno boteco escuro, numa madrugada que vai se estendendo, em meio à fumaça de cigarro, alguns drinks e levado por um piano que faz sucederem-se belas canções.

O The National, defitivamente, venceu-me.

THE CORAL

O The Coral é uma das melhores bandas surgidas pós-2000 no Reino Unido. Respirando fora do circuito NME [apesar de, um dia, ter sido aposta do semanário], dos rockzinhos exaustivamente repetitivos [leia-se, The Enemy, The Rakes, The Cribs, etc.] e do revival oitentista [Editors, British Sea Power, The Departure, etc.], a banda lançou dois álbuns absolutamente CERTEIROS: "The Coral" (2002) e "Magic and Medicine" (2003). O primeiro mergulha nem um universo de spaghetti western, psicodelia sessentista e ritmo quebrado, praticamente jazzístico. O segundo traz uma ambiência bucólica, igualmente psicodélico mas um pouco mais contido e com os pés mais próximos do country e do folk. Com um grande apetite por lançamentos, têm ainda mais dois álbuns: Nightfreak and the sons of becker (2004), na realidade um conjunto de b-sides, e The Invisible Invasion (2005). Esses dois últimos são bem menos certeiros que os primeiros, que possuíam altíssima carga artística e inovadora, embora não possam ser considerados fracos.

Poucas ouvidas em "Roots and Echoes" (2007) causaram-me a impressão de que o The Coral tenta retorno ao estilo dos dois primeiros grandes álbuns, incorporando novamente violões e abusando da psicodelia. Muito a meu gosto. Mas demos tempo ao tempo: preciso me familiarizar ainda mais com o disco.

HEGEMONIA E PODER

A Direita não é feita apenas de débeis mentais. Apesar de ter um recheio de idiotas [os militares são, sem dúvida, o paradigma], há também alguns pensadores de respeito que poderiam ser chamados de conservadores.

Um personagem típico é aquele que é, na realidade, um liberal conservador, francamente etnocêntrico e irônico. É o caso do colunista João Pereira Coutinho, português que escreve para a Folha. É um jornalista de refino intelectual e grande apuro de idéias, embora nitidamente conservador.

Recentemente, João Pereira Coutinho escreveu um artigo dizendo: "não conheço homossexuais". Segundo ele, assim como ninguém é etiquetado de "heterossexual", também ninguém pode se cobrir da identidade "homossexual". Segundo ele, tudo isso deveria ser irrelevante para a discussão das questões, como era irrelevante que os imperadores romanos tenham mantido relações homossexuais.

Esse discurso, típico de uma direita mais refinada, não me incomoda tanto quanto a direita tosca. Mas esconde um fato importante: a existência do poder na sociedade. Coutinho não leva a sério pensadores como Foucault e Derrida [contra quem, inclusive, já escreveu]. Ele pensa que todos esses pensadores que vêem relações de poder e hegemonia na sociedade são espécies de proto-marxistas, tendo por marxismo a tendência de ver interesse "burguês" por baixo de tudo.

Como eu já escrevi por aqui, é necessário admitirmos que vivemos a hegemonia do homem, do branco, do heterossexual, do rico, etc. Há hegemonias na sociedade. Um homossexual, por isso, quando se coloca na posição dessa identidade, está se situando como alguém marginal que busca ser reconhecido. O mesmo vale para negros, mulheres, pobres, etc. A estratégia argumentativa da direita é "neutralizar" a discussão, colocando-a quase que em termos jurídicos de igualdade. Como o ideal é que não tivéssemos essa cisão, o marginal vê-se em posição invertida e, com isso, é visto como alguém que pratica uma discriminação invertida [o caso dos negros é o mais comum nessa acusação].

Para que os argumentos -- aparentemente razoáveis -- dessa posição sejam desmascarados é preciso dizer aquilo que eu falei aqui há um tempo, do "pensamento com chão" de Martin Heidegger. É preciso pensar o homossexual "aqui embaixo", não lá no terreno metafísico em que as pessoas são iguais. No nosso mundo, não são. Por isso, não é o mesmo dizer que um branco reivindicando cotas seja o mesmo que um negro. A discussão está longe desse juridicismo enganador.


Trilha sonora do post: The Coral, "Music at night".


quarta-feira, agosto 01, 2007


http://tocansadinho.blogspot.com/


BALANÇO DAS CRÍTICAS AO GOVERNO FEDERAL


Se, no post passado, falei do burro político, é hora de colocar em prática e dar nome aos bois.

Para isso, temos que constatar os dois fatos que estão na agenda da imprensa: o problema do acidente da TAM e o movimento "Cansei", organizado pela OAB/SP e por empresários paulistas.
De um lado, temos a posição de que o Governo é culpado pelo caos da aviação e Marco Aurélio Garcia foi desrespeitoso no seu "top top". De outro, temos por exemplo a filósofa Marilena Chauí e o jornalista Paulo Henrique Amorim, que sustentam estarmos diante de uma crise orquestrada pela mídia para atingir o Governo.
Ora, se não estamos na perspectiva do "burro político", parece nítido que ambos os lados têm parcela de razão. O Governo não foi eficiente na resolução dos problemas aéreos -- isso parece bastante óbvio. Mas também é possível ver que a mídia se precipa ao culpar de antemão pelo acidente. Ao que tudo indica, e desde o início tinha essa impressão, é muito mais provável que tenha ocorrido falha do piloto, algo que é humanamente possível e plausível. Também a mídia, como disse Chauí, foi de uma cautela intrigante com a TAM e de uma precipitação incrível contra o Governo. O que não significa, de outro lado, que a mídia esteja errada em cobrar o Governo Federal e, só por isso, seja golpista.
A mídia perde a credibilidade ao atacar sempre e por tudo o Governo. Os governantes não são onipotentes, nem perfeitos. Do outro lado, os esquerdistas imputam a tudo uma "teoria da conspiração" que visaria a derrubar Lula. Se os dois lados fossem menos radicais, poderíamos ter um entendimento congruente: o Governo precisa e deve ser cobrado, e isso é função da mídia; mas existe uma certa "implicância" - é fato - com os governos petistas, basta observar qualquer estudo quantitativo e qualitativo sobre as notícias. Assim como é absurdo dizer que "o Governo cometeu assassinato de 200 pessoas no acidente" é também ridículo reduzir toda a questão complexa da aviação a uma conspiração contra o PT.
O mesmo ocorre com o "Cansei". De um lado, estão os críticos que dizem ser mero golpismo o movimento, como Mino Carta ou o próprio PT. De outro, os conservadores -- como Onyx Lorenzoni -- que dizem que o Governo se incomoda por ser "chavista".
Ora, nem lá nem cá. Reivindicações fazem parte da democracia. O que os esquerdistas não souberam expressar -- e vários jornalistas e intelectuais de esquerda que não seguem a "cartilha" conseguiram -- é o repúdio político a essa manifestação, que espelha bem o estado da classe média no Brasil.
Imóvel, ela diz: "cansei". Quer de volta os valores do "civismo" e do "olho por olho", como declarou um dos líderes. Esse é visivelmente um ideário conservador, bastante semelhante ao TFP, que compatua com a tendência neoconservadora que se instaurou na sociedade desde o final dos anos 70. A crítica, portanto, não deve se dar em outro território senão no político em sentido estrito: não aderimos a esses valores e não aceitamos essa postura da classe média. Não concordamos com o ideal do "cidadão de bem que paga seus impostos", nem com todas as posturas que daí decorrem: repressivismo penal, retorno de valores patriarcais, etc. Não queremos voltar para o estágio pré-68.
Uma esquerda madura poderia rebater isso. Uma esquerda madura poderia ser rortyana -- poderia dizer que estamos a favor das lutas sociais, que queremos transformações, mas também estamos preocupados em reduzir a crueldade nas nossas relações interpessoais. Essas bandeiras "neocons" não expressam nada disso, e por isso são nossas adversárias políticas. O "cansei" é o jargão MAIS ADEQUADO É IMPOSSÍVEL para expressar o estágio patético da elite brasileira, que não faz absolutamente nada e aguarda tudo do Governo, reclamando. "Cansei" é o retrato do imobilismo, na não-ação, da reclamação do leitor indignado no jornal que reclama de tudo e todos e não faz absolutamente nada para mudar nada, sem saber que discurso também é ação, e esse discurso apenas contribui para aumentar ainda mais o fosso social.
Estou ao lado do Governo, por isso, apenas em parte. Lula vem sofrendo críticas injustas, muitas delas que "esticam" um problema até alcançá-lo, porque atingiu um grande nível de popularidade com muitas políticas corretas -- e isso incomoda muitos setores ligados à direita. Mas também me nego a ver qualquer conspiração e golpismo. A oposição é parte da democracia. Nem lá, nem cá.