Mox in the Sky with Diamonds

sexta-feira, novembro 28, 2008

A QUESTÃO DA VERDADE COMO NÃO DEVE SER COLOCADA

ESSES TEMPOS ANDEI escrevendo por aqui que a luta contra a verdade de certo pensamento "pós-moderno", especialmente aquele que segue uma linha Marx-Nietzsche-Foucault-Lyotard, era uma luta equivocada. Que metáforas de caráter científico só atrapalham o projeto real de Nietzsche e Heidegger - seguidos por outros como Foucault e Derrida - trataram de definir. A questão para esses filósofos não é afirmar a indistinção absoluta entre o verdadeiro e o falso, a indeterminação geral e um relativismo epistemológico, mas sim contestar a miopia técnica da Modernidade. Ou seja, não se trata de contestar afirmando que "não existe a verdade", mas sim que a verdade é algo preso dentro de determinadas coordenadas de sentido, sendo impossível, por isso, aprisioná-la dentro do esquema sujeito-objeto de Descartes. Em nível geral, essa contestação não desacredita a ciência nem a filosofia, mas apenas as colocam no seu devido lugar.
Nietzsche, por exemplo, jamais afirmou "não existir" a verdade, como certos críticos e [pior] seguidores colocam na sua boca. O que Nietzsche queria era avaliar o valor da verdade para a vida. E, nesse caso, referia-se à verdade da ciência, à verdade "objetiva". Heidegger foi mais adiante mostrando que há uma dimensão aquém dessa relação "sujeito-objeto", nomeada "ontologia fundamental", na qual a verdade não se reduz à "correspondência". Heidegger jamais disse que o pensamento técnico é "errado"; apenas afirmou que ele tem o seu devido lugar. Foucault identificou as relações de poder que permitem a um discurso assenhoriar-se sobre outros, sem contestar que, dentro de cada jogo discursivo, existam "verdades". Derrida mostra com a desconstrução uma espécie de disseminação absoluta do sentido, que jamais consegue ser contido numa única totalidade fechada. As leituras que o aproximam a Levinas enxergam aí espécie de aproximação da alteridade no próprio texto. Mas o filósofo franco-argelino jamais disse que "vale tudo" ou que só existem relações de poder.
Todos esses filósofos não afirmaram "não existir" a verdade, nem uma espécie de relativismo epistemológico. O que estão fazendo é penetrar em outras camadas que não as do pensamento técnico - que acaba abocanhando todo sentido da existência na Modernidade. Nietzsche o "moral"; Heidegger, o "ontológico" ou "meditativo"; Foucault, o "político"; Derrida, o "plural" e assim por diante.
Isso não tem nada a ver com uma bobajada "pós-moderna" de estudantes fracos que acabam afirmando coisas como "dizer que há verdade é não respeitar a diferença", "não existe verdade, só interpretações", "a própria ciência não traz verdade", "a ciência é puro exercício de poder", "dizer a verdade é autoritarismo" e assim por diante. Toda a crítica de gente como Searle, Nagel, Sokal e Bricmont ataca essa meia dúzia de gente que leu mal as obras e não compreendeu que esses autores estão "pulando fora" do pensamento técnico, e não tentando mostrar seu "erro", incidindo em contradição performativa. Nada a ver. Em comum, ambas as partes [crítica e entusiastas] têm o fato de não ter lido nenhum dos autores; ou não ter entendido.
Digo isso quando leio esse post no blog legal de Carla Rodrigues. Ele fala de Gödel como o "avô" dos pós-modernos. Está totalmente equivocada, pelo menos no que eu considero "pós-moderno". Vejam nos comentários como a questão da verdade está mal-colocada e, no fim das contas, a discussão acaba ficando autoritária do tipo "ok, se não concorda, não leia". Dizer que "só há interpretações" é uma coisa; afirmar, por outro lado, espécie de equivalência geral entre as interpretações é outra. É por aí que NÃO devemos caminhar na discussão, sob pena de entrarmos em um beco sem saída.

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