Um "Dia do Orgasmo" pode significar muita coisa. Em primeiro lugar, o visível desconforto dos conservadores que odeiam o prazer sexual. Para esses seres humanos pré-freudianos, bom é reprimir e reproduzir. Alvos fáceis da psicanálise, não raro projetando no outro todos os seus desejos e sofrendo o efeito ricochete, freqüentemente terminam humilhados em praça pública. (A magistral análise de Contardo Calligaris sobre o governador Spitzer -- o "Moralizador" -- esgota o tema.)
sexta-feira, julho 31, 2009
Um "Dia do Orgasmo" pode significar muita coisa. Em primeiro lugar, o visível desconforto dos conservadores que odeiam o prazer sexual. Para esses seres humanos pré-freudianos, bom é reprimir e reproduzir. Alvos fáceis da psicanálise, não raro projetando no outro todos os seus desejos e sofrendo o efeito ricochete, freqüentemente terminam humilhados em praça pública. (A magistral análise de Contardo Calligaris sobre o governador Spitzer -- o "Moralizador" -- esgota o tema.)
quarta-feira, julho 29, 2009
Marcadores: Φιλοσοφία
segunda-feira, julho 27, 2009
ALTERIDADE E SACANAGEM
É possível que os parceiros (homens ou mulheres, homo, hetero, bis, etc.) mantenham uma relação afetiva com base na ética da alteridade? Foi mais ou menos por essa linha que Zygmunt Bauman, por exemplo, criticou a sociedade contemporânea e suas relações afetivas em "Amor Líquido". Ou, por exemplo, é dessa forma de Joel Birman, no brilhante "Mal Estar na Atualidade", traduz o narcisismo como estado em que o indivíduo usa o corpo do outro unicamente para predação, sem aprender a admirar sua alteridade. E, por uma época, eu realmente pensei que esse era um bom ponto. Aliás, é um bom ponto.
Qualquer pessoa com experiência afetiva e um pouquinho de inteligência sabe que não existe beco mais sem saída do que uma relação em que não existe respeito pela alteridade do outro. Não existe maior armadilha do que a representação. Quer ser infeliz no amor? Simples: basta, ao conhecer uma nova pessoa, colocar nela a realização de todos os seus desejos e ficar imaginando que irá a transformar na pessoa ideal. "Ela tem tudo para ser exatamente como eu gostaria que fosse minha mulher!". "Ele é um pouco ..., mas em breve será o homem ideal!". Fracasso certo. Não vai funcionar. Ao aceitar outra pessoa, precisamos inicialmente começar pela diferença, se não a coisa não tem qualquer chance de funcionar. Aquela imagenzinha escondida na nossa cabeça -- a "mulher ideal", o "homem perfeito" -- são representações. E representações só existem enquanto tal; no mundo real, o que existe é brutalidade do real (ou seja, a alteridade). O outro não é o que eu penso que ele é, nem quer ser. Se tentar, vai sofrer um monte. Os dois, aliás. Se começo uma relação acreditando que posso mudar o outro, não comecei nada. Já comecei com violência; é uma relação natimorta. O "passado" sadio foi imediatamete engolido por uma estrutura que já começou corrompida. E, por isso, vemos tanta gente sofrendo, desesperada para "salvar a relação", ou, pior, incapaz de desistir do seu projeto. Sob esse prisma, a ética da alteridade tem toda razão.
As coisas começam a se complicar quando a questão da "violência" é equacionada. Com sua postura radicalmente anti-violenta, a ética da alteridade pode acabar exagerando em certos pontos. Porque o Marquês de Sade sabia algumas coisas.
Não posso ser acusado de não ver seriamente as coisas. Aliás, geralmente me acusam -- desde criança -- de ser sério demais. De fato. É que, em relação a certas coisas, o riso é obsceno. Diante da barbárie, da catástrofe que se arrasta na história e vai consumindo vidas sobre vidas, não há riso possível. Só indignação. E, nesse ponto, pensadores bufões como Nietzsche e Sade podem ser legitimadores da barbárie. Sua ironia cínica pode ser uma estrutura de "festa da Totalidade". Sobre isso, já falei por aqui.
Porém não é disso que estou falando. As relações entre sexo e violência são claras. Se, na área propriamente política, a violência é inadmissível, em qualquer nível (nesse ponto reside meu radicalismo e minha posição política), no amor, poder e violência fazem parte do menu. Sade sabia disso. Nietzsche -- um completo fracassado no plano afetivo, diga-se de passagem -- também, de certa forma, sabia -- e por vezes tinha medo (das mulheres, especialmente). O erotismo da nossa época é indissociável do poder. Contardo Calligaris certa vez escreveu uma passagem que vale a pena reproduzir ipsis litteris:
A leitura prolongada de Sade me produz sempre uma espécie de enjoo. Não é efeito de horror ou de reprovação; acho que meu mal estar tem duas causas: a sensação de que não há como fugir da insistência das fantasias eróticas e a constatação de que, no erotismo moderno (que Sade propriamente revelou), sexo e poder são indissociáveis, como se fosse impossível desejar um corpo sem querer prendê-lo, atormentá-lo e, em última instância, supliciá-lo ou (dá na mesma) sem querer ser preso, atormentado e supliciado por ele.
O amor erótico tem um jogo; e é preciso jogá-lo para que a coisa aconteça. Nesse ponto é que vejo o limite da "santidade" de Levinas (aliás, é sintomático que Levinas pule essa etapa em "Totalidade e Infinito", já constituindo a relação homem/mulher como uma "casa") ou do amor bem-comportado de Bauman. No jogo erótico, não há limites. Com Eros não se joga da mesma forma que com o amor "cristão", a solidariedade com o outro. Eros joga pesado. Seus jogos são jogos perigosos. Suas fantasias não são domesticáveis. O belo e o feio fazem parte desse jogo. O moral e o imoral, jamais. É esse o risco que certo discurso feminista -- com o qual, via de regra, concordo -- corre. Ao hipostasiar demais a ética da alteridade (nesse caso provavelmente desempenhando o papel de lençol que encobre ressentimento), pode acabar esquecendo Eros e seu jogo terrível, mas necessário. O jogo perigoso de Nietzsche, Freud, Sade, Battaile, Deleuze. Um jogo que o perverso não apenas pode jogar, como inclusive costuma jogar melhor que os demais. Bauman, ao se arriscar nesse terreno, acaba parecendo os padres da Igreja, e isso risco é mortal para a ética da alteridade. O moralismo com que analisa os novos jogos de poder e erotismo da contemporaneidade causa uma inevitável dor-de-cabeça a qualquer nietzschiano.
Eros gosta de brincar. Eros profana. Eros jamais santifica. Eros não pode sacralizar. O Eros sacralizado é um Eros perdido, decaído, corrompido. O Eros santificado é um Eros inexistente. Quem santifica o outro, não tem Eros. Eros é poder e violência. As identidades eróticas se constróem nesse jogo. Quem tenta dele escapar, sai de cena. Eros não é justo ou injusto; Eros existe, nos atravessa e constitui aquilo que poderíamos chamar de "ordem do desejo", na qual o puro e o impuro se nublam, o certo e o errado se perdem, na qual o outro não pode me interpelar.
O risco do ascetismo -- contra o qual me vacinei desde a leitura de Nietzsche, há mais de dez anos atrás -- é um fantasma que percorre a ética da alteridade. Ler Levinas, Adorno e Blanchot numa mão está certo, porém com Battaile, Deleuze e Guattari na outra. Na sacanagem ninguém se salva.
sexta-feira, julho 24, 2009
ESPERANDO UMA ESFERA PÚBLICA
O mesmo que escrevi sobre Yeda cabe aqui: quando um poderoso cai nas malhas do sistema punitivo, é porque perdeu a cobertura. O movimento político midiático é plenamente visível: trata-se de cortar um dos elos de Lula com o PMDB, atirando contra a futura candidatura Dilma Roussef. Qualquer um que ache que é bom-mocismo e republicanismo que faz com que a grande mídia ataque Sarney é um pobre ingênuo. Os problemas não começaram ontem, nem Sarney se tornou um oligarca poderoso a partir de 2009. Em compensação, a campanha de Dilma começa amanhã, e os sinais de estratégia estão começando a aparecer (não por acaso surgem agora os "revisionismos" da Ditadura: "ditabranda", ficha criminal falsa, etc). É justamente nesse momento que cai, parcialmente, a cobertura de Sarney.
Então Lula está certo em poupá-lo? É claro que não. Lula está sendo, mais do que nunca, maquiavélico. Aliás, desde o início do segundo mandato. Em troca do aliado poderoso que é o PMDB, Lula cede na moralidade. Puro cálculo político. As declarações de Lula visivelmente não são sinceras; ele apenas evitar expor o aliado para não perder capital político. Já escrevi por aqui e reitero que se trata de uma grave lacuna e um dos principais defeitos do Governo Lula, ao lado da política ambiental, a incapacidade de formar uma esfera pública.
Porém é preciso separar as coisas. Uma coisa é a defesa republicana, outra é o moralismo hipócrita e udenista da direita e da mídia. Todas as condutas reprovadas em Lula nada mais são do que reedição da estratégia do PSDB durante seus governos, inclusive o mensalão (cuja fonte no PSDB já foi identificada, embora parcamente ressaltada). Isso não torna Lula melhor, mas não permite que os algozes vociferem hipocritamente contra a corrupção. Discursos contra Sarney de políticos comprometidos até a unha com corrupção seriam algo bizarro, se não fossem trágicos. A indignação seletiva da mídia -- na realidade, muito mais por cálculo político que por ignorância -- é um vexame.
Mas o que me preocupa não é, na realidade, como esses setores desesperados estão reagindo diante da popularidade astronômica de Lula. O que me preocupa é como republicanos, como Fernando Gabeira, e a extrema esquerda, como o PSOL, reagem aos episódios. Na blogosfera há um debate intenso em torno do chamado "gabeirismo" (que seria algo como um moralismo cínico) (conferir por exemplo aqui e aqui). Na sua cruzada pela ética (que inicialmente me pareceu salutar), Gabeira acaba se aliando aos setores mais podres da política e, com isso, mostrando-se ingênuo ou mal-intencionado. Porque o que provoca a corrupção endêmica e epidêmica no Brasil não é o mau-caráter dos brasileiros, mas a submissão do público ao privado, ou seja, o domínio de oligarquias sobre a esfera pública (das quais Sarney é apenas uma um tanto "arcaica" em relação a outras que souberam se disfarçar melhor).
A posição da extrema esquerda é ainda mais indefensável: ao criticarem moralisticamente a corrupção, dão poder de fogo àqueles que são os seus principais agentes. Aliam-se à direita e, com isso, ao status quo. Justamente eles, os radicais. E o fazem por uma razão: porque não são radicais o suficiente. Se fossem, veriam que a representação brasileira é defeituosa porque as democracias contemporâneas converteram-se em plutocracias moderadas, ou seja, plutocracias em que as oligarquias abrem um pequeno espaço conciliatório para que demandas ocasionais da vida nua penetrem. E nisso Lula não tocou (o Bolsa-Família -- programa que sempre elogio -- é o reflexo perfeito da situação). E, apesar disso, a crítica é sempre superficial, moralista e reprodutora da mesma retórica da direita.
A falta de vontade política na formação de uma esfera pública no Brasil a partir de Lula pode ser atribuída ao cálculo político, mais uma vez. Por uma questão estratégica (ou falta de um "kairós"), Lula optou por ser conciliador o não tocar no status quo (aliás, o ponto nevrálgico do sistema, como bem apontou Alexandre Nodari, seria a questão fundiária), focando em elaborar programas que atinjam a vida nua sem tocar realmente nas estruturas desiguais do país e seus respectivos regimes de poder. Isso poderia ser matéria de crítica da extrema esquerda, e não a vagueza do "neoliberalismo" (com a eterna nostalgia do "Estado grande") ou a corrupção (com seu enfoque moralista). Mas, infelizmente, a extrema esquerda apenas continua dando gás para que os donos do poder voltem para suas confortáveis cadeiras, com os aplausos da grande mídia (que, aliás, é dominada por oligarquias).
...
Marcadores: Politics
quarta-feira, julho 22, 2009
POR QUE ESTOURAM TANTOS ESCÂNDALOS NO GOVERNO YEDA?
Para analisar a situação do RS, é preciso em primeiro lugar sinalar algumas características da nossa política. Primeiro, gaúcho não tolera mudança de partido. Por isso, DEM, PSDB e PPS (a oposição nacional) são tão fracos no Estado. Ao mesmo tempo, partidos sem expressão nacional têm papel importante por aqui. É o caso de PDT, PTB, PP -- todos em plena decadência nacional, mas decisivos por aqui. O PP é ainda a ARENA, congregando a extrema direita, num papel equivalente ao DEM em cenário nacional (ex. Turra, Bernardi). O PMDB, por sua vez, é o centro-direita, equivalente ao PSDB no âmbito nacional. Tem para si um eleitorado democrata-conservador que antes compunha o MDB (ex. Simon, Fogaça, Rigotto, Schirmer). E, do outro lado, o PT, formado por ex-comunistas que, durante a Ditadura Militar, foram jogados para a clandestinidade. Assim se desenha o mapa partidário-ideológico do Estado, bem distinto do cenário nacional. (Há várias outras nuances que não posso abordar.)
Segundo: analisar o panorama político. A realidade política do RS divide o poder em apenas dois blocos: um agrupamento-de-sempre e o PT (ou "A Frente Popular"). Quem realmente governa o Estado é um conglomerado de partidos que agrupa PMDB, PPS, PTB, PDT, PSDB, PP e DEM -- todos eles. A principal estratégia político-eleitoral é o assistencialismo e o fisiologismo (que abrange também trocas com outros poderes). Esse emaranhado forma realmente o núcleo de poder do Estado -- capaz de neutralizar, por exemplo, o Governo Olívio (rejeitando todas as leis propostas ou derrubando vetos) ou agora Yeda. Até bem pouco tempo, existia inclusive a "verba assistencial" (!) na Assembléia para os deputados. No mesmo sentido entra a discussão acerca dos albergues. A formação da legitimidade popular se dá dos municípios para o Estado, sempre partindo do assistencialismo direto, de um lado, e da conciliação, de outro. Por isso, são raros os enfrentamentos com o empresariado (outro núcleo de poder) e com a mídia (de perfil, via de regra, até mais conservador). Via de regra, forma-se uma gigantesca aliança -- por vezes abalada (ex., em aumentos de impostos) -- mas sólida o suficiente para enfrentar qualquer resistência.
O que Yeda fez foi romper com o pacto político da direita conciliatória. Não como Olívio, por óbvio, que foi para a extrema esquerda. Mas em um sentido diferente.
Primeiro, pela sua personalidade extremamente autoritária, Yeda foi aos poucos se incapacitando para o diálogo. Pessoa que visível difícil trato e impregnada de estrelismo, acabou se indispondo pessoalmente com grande parte dos aliados. (Yeda chegou a ensaiar um acordo com o núcleo de poder, mas fracassou.)
Segundo, porque Yeda cometeu um erro político-estratégico: acreditou que o setor do empresariado, representado ainda precariamente pelo DEM (a direita empresarial ainda perde para a direita rural do PP no RS -- a derrota de Britto é a prova), seria capaz de sustentá-la no Governo. O golpe pessoal - e Yeda não hesita em o tratar como tal -- de Paulo Feijó desarticulou, ao mesmo tempo, toda estratégia política da Governadora. Mantendo uma inesperada coerência, Feijó rompeu com Yeda e quebrou suas pernas.
Eugenio Raúl Zaffaroni nos ensina, há muito tempo, que, quando o sistema penal foge do flanco seletivo em relação à sua clientela tradicional e cai sobre os poderosos, estamos diante do fenômeno da "falta de cobertura". É exatamente isso que está ocorrendo no RS. É óbvio que a corrupção não aumentou drasticamente, o que está ocorrendo é uma dupla falta de cobertura de Yeda. De um lado, pela presença do PT no Governo Federal, que não tem, por óbvio, nenhuma boa vontade em esconder ou evitar investigações contra o Governo do Estado. De outro, a Governadora desafiou -- e perdeu -- várias vezes para esse verdadeiro núcleo de poder que governa o RS há muito tempo. Ao usar o autoritarismo e adotar até algumas medidas elogiáveis (se desfez de uma pilha significativa de CCs), Yeda desestrututou o pacto fisiológico que estava em vigor no RS, fazendo cair sua cobertura pelos "conciliadores" da direita.
Não é coincidência que é justamente nesse momento que a Zero Hora volte a falar dos "radicalismos" e da necessidade de "conciliação". Com esse movimento "pacificador", a ZH avoca para si a glória do consenso e faz retomar o poder o grupo que tradicionalmente governa o RS, apenas trocando a cabeça de chapa. Ao mesmo tempo, isola a esquerda enquanto "radical" e defenestra a Governadora, cuja atuação política é deplorável. A cautela do movimento se deve a um temor em relação ao avanço da esquerda caso os ataques à Governadora passem certo limite. Por isso, a estratégia é oscilante, ora noticiando escândalos, ora os suavizando. Ao mesmo tempo, nossa mídia local planeja, sem dúvida alguma, a ascensão de uma "terceira via", provavelmente nas figuras de José Fogaça ou Germano Rigotto.
Que lê somepills sabia que isso iria acontecer. Basta consultar os arquivos, digitando "Yeda", e ver que desde o início minha análise sempre foi essa.
Marcadores: Politics
terça-feira, julho 21, 2009
Uma lata, duas, três; dois cigarros, quatro, cinco. O tempo vai passando. Conversa ainda e sempre em grau zero: como sair disso? Impossível. E nem desejável. A intimidade é algo que se conquista, não se adquire imediatamente. Sabiam disso? É provável. Algo coisa passa entre eles; nada que possa ser tido como algo mais que uma simpatia, talvez uma cumplicidade estivesse por ali, nascendo, irrompendo, saindo do casulo. Nada que pudesse ser tido como grande afeto. Apenas uma brincadeira, uma certa correspondência, a capacidade de sentir que o outro está ali, e não em outro lugar. Pura coincidência, risadas, papo furado, cigarros, cerveja. Nada além disso. Estavam ali apenas esperando. O que mesmo? Ah, sim. Eles.
Estranhamente, a coisa fluiu. Quando eles voltaram, não sentiu um alívio do suposto desconforto de estar ali conversando em grau zero. Na realidade, sentiu um desprazer, certa insatisfação com as circunstâncias. Gostaria de perguntar já naquele momento exato: “não tens uma cópia exata de ti mesma para mim?”, mas ainda não tinha intimidade suficiente. E, no entanto, algo estranho já se dava por ali.
Ela também gostou dele. Não do mesmo jeito, talvez. Gostou do papo, da companhia, da inteligência. Sentiu que ele tinha algo diferente, era um pouco mais interessante que a média. Só que profundidade não é tudo; estava com o outro e era bom. Não tinha vontade de nada. Nada mais que uma boa conversa, vontade de conversar de novo, poder falar sobre alguma coisa mais específica.
Mais tarde, conversaram de novo. Dessa vez, foi sobre alguma coisa. Rock, mulheres, política, alguma coisa do gênero. O assunto era delicioso, fluía delícia. Opiniões convergentes; divergentes do geral. Afinal, tem coisa mais tediosa que o comum? Não dá para agüentar esses monótonos.
E, dali em diante, já estavam amigos.
Ela apenas desviou o olhar. É possível que tenha sentido um mal-estar. Possível, mas apenas possível. Pode também ter simplesmente permanecido na sua ingenuidade de navalha, contribuindo para o processo inevitável de dilaceração que jamais, jamais cicatriza. Daquele dia em diante, teria que carregar consigo não apenas uma cicatriz – cicatrizes são marcas inofensivas que registram a passagem do tempo na carne –; carregaria, isso sim, uma ferida aberta que poderia alternar sangramentos virulentos com outros mais sutis, mas jamais seria fechada. Feridas não são cicatrizes, não são meras rasguras esteticamente desagradáveis; são golpes que permanentemente provocam a dor. A ferida é a experiência da dor que não se deixa extinguir.
Como? Em tão inocente momento? Seria ele apenas mais um ingênuo? Não existe essa tal de ferida. Tudo não passa de poesia. Na vida, é inofensivo. A sabedoria popular talvez ensine que o tempo a tudo leva, que as coisas simplesmente passam, que a vida segue. Pode ser. Mas quem se apaixonou sabe que jamais cicatriza. As coisas são para vida inteira. “Quando se esquece um amor?” “Nunca” – é a única resposta verdadeira. A verdade é que podemos não viver escravos da dúvida, mas certamente em algum lugar ela irá para sempre se esconder – retornar, golpear, recordar.
Certamente éramos mais jovens. Mas não são por acaso as coisas mais antigas aquelas que nos são mais importantes? Maldição da memória, que nos trucida por uma dilaceração visceral, embora intermitente. A paixão é um veneno que se estabelece e, uma vez lá, inevitavelmente corrói. Inevitavelmente.
Marcadores: Estorinhas
segunda-feira, julho 20, 2009
sábado, julho 18, 2009
Gilles Deleuze e Félix Guattari escreveram seus "Mil Platôs" com o subtítulo "Capitalismo e Esquizofrenia". Acho interessante a associação entre nosso sistema econômico pretensamente racional e o comprometimento psíquico. Porque, de fato, é evidente, a olho nu, que o mundo que vivemos é insustentável. É evidente que caminhamos para o colapso. O trânsito é só o maior sintoma.
O Governo Federal estimula a indústria automobilística retirando impostos, fazendo com que mais pessoas comprem carros. Diminui os juros para facilitar o crédito. E aí? Temos ruas para todos esses carros andarem? Temos atmosfera para aguentar a emissão de gás carbônico? Temos paciência para aguentar quilômetros de engarrafamentos? Temos hospitais para acolher todas as vítimas de acidentes? Se o princípio dessa fase do capitalismo é o consumo, e não mais a produção, parece que caminhamos lentamente para o colapso do sistema. E isso não é problema de um governo, mas de uma racionalidade que esse governo compactua (já sinalei várias vezes por aqui que a política ambiental do governo, por exemplo, é ridícula).
Em uma passagem pouco notada pelos seus leitores, Ricardo Timm de Souza já mostrava como essa razão totalitária era insustentável, trazendo o único fato bruto da escassez de água que se avizinha no futuro (ler em "Totalidade e Desagregação"). Como podemos continuar caminhando com um modelo político-econômico que, a longo prazo, não nos conduz para outro lugar senão para a nossa destruição? As receitas dos economistas são receitas totalmente irracionais, apesar das suas belas estatísticas e termos técnicos. Como frear isso? Agamben, num parágrafo recentemente lido por mim e Juriká no nosso grupo de estudos, já anotava que a religião capitalista, por não prever esperança ou redenção, mas a culpa, vê como único caminho desesperado a destruição do mundo.
Não sei se um dia o homem será capaz de criar um sistema econômico racional. O capitalismo não foi criado por uma mente, como certa vez anotou o irritante conservador Ferreira Gullar, mas simplesmente surgiu dos fatos. Essa seria sua diferença em relação ao socialismo. Porém eu creio que -- além das belas idéias -- os fatos começam a caminhar no sentido da desagregração dessa totalidade. O processo de abstração cada vez maior do capital vai levar à sua destruição (faz anos que tenho essa intuição). De tão virtual, poderá ser eliminado com um clique. A destruição da propriedade poderá ser realizada sem traumas porque essa propriedade terá se desconectado do mundo em um nível que nenhum suporte físico mais a lastreará. E nós vivemos - não custa lembrar - no mundo real, no mundo bruto, é esse que sustenta o virtual. A própria internet, de outro lado, já é um pouco realização de um novo modo de trocas, gratuito e comum, como ocorre em quantidade cada vez maior com músicas, filmes, livros e assim por diante. Na internet nós experimentamos o dom e o comum, para desespero da indústria dos direitos autorais. A demonização da pirataria é uma estratégia fadada ao fracasso. Em pouco tempos, os piratas serão agentes de uma revolução surpreendente nas formas de troca e mesmo de sociabilidade. O estigma pirata se transformará em emblema. E outras formas de comunicação, não sujeitas ao controle do capital sobre a mídia, se alastrarão em tendência vertiginosa, sem qualquer possibilidade de que a informação possa ser controlada, como hoje precariamente é. Nesse momento, haverá uma luta decisiva em torno do estado de exceção na internet, pois o controle irá reivindicar uma série de restrições e retormar o funcionamento centralizado do sistema. Esse será o instante da revolução. Nós seremos os vírus.
sexta-feira, julho 17, 2009
Por incrível que pareça, são poucos os treinadores no Brasil que sabem fazer o seu trabalho: organizar uma equipe. Quantos nomes péssimos não saltam de um clube a outro enganando: Geninho, Nelsinho, Joel Santana, Jair Picerni, Vadão e tantos outros não conseguem sequer ter uma espinha dorsal nas suas equipes. Por isso técnicos médios como Celso Roth, Cuca, Caio Jr e Leão conseguem ter algum destaque no cenário nacional, apesar de terem claros defeitos.
O Grêmio de Roth era organizado, mas tinha um defeito crônico: não tocava a bola. A bola fugia em segundos dos pés gremistas. Era ou lançamento longo, ou cruzamento já da intermediária. Os atacantes minguavam e os meios tinham que partir para a jogada individual, não raro cruzando todo campo com a bola. Embora organizado defensivamente, o Grêmio não conseguia atacar com consistência. Não existia tabela, aproximação, não se conseguia nunca "cozinhar" o adversário.
O trabalho de Autuori trataria de mudar isso. E já está mudando. Começam a ficar visíveis as aproximações, tabelas, ocupações de espaço -- enfim, o Grêmio começa a jogar futebol. Resultado: não só os meias subiram de produção, como também empurraram para cima os laterais (Fábio Santos) e os atacantes começaram a desencantar. Estamos evoluindo.
Marcadores: Football
quinta-feira, julho 16, 2009
quarta-feira, julho 15, 2009
"- Fabiano, você é um homem, exclamou em voz alta.
Conteve-se, notou que os meninos estavam perto, com certeza iam admirar-se ouvindo-o falar só. E, pensando bem, ele não era homem: era apenas um cabra ocupado em guardar coisas dos outros. Vermelho, queimado, tinha os olhos azuis, a barba e os cabelos ruivos; mas como vivia em terra alheia, cuidava de animais alheios, descobria-se, encolhia-se na presença dos brancos e julgava-se cabra.
Olhou em torno, com receio de que, fora os meninos, alguém tivesse percebido a frase imprudente. Corrigiu-a, murmurando:
- Você é um bicho, Fabiano."
Sim, estou pensando em aproveitar isso, sim.
Marcadores: Libros
terça-feira, julho 14, 2009
- Graciliano Ramos, "Vidas Secas";
- Ruben Fonseca, "A Grande Arte";
- Paul Auster, "A Trilogia de Nova York";
- Primo Levi, "É isto um homem?"
- J. Saer, "As Nuvens";
- Franz Kafka, "Na colônia penal/O veredito";
- René Girard, "A violência e o sagrado";
- Clifford Geertz, "Nova luz sobre a antropologia";
- Marcel Mauss, "Ensaio sobre a dádiva".
Marcadores: Libros
segunda-feira, julho 13, 2009
Marcadores: Politics
sábado, julho 11, 2009
Marcadores: Rocks
sexta-feira, julho 10, 2009
Marcadores: Eros
quinta-feira, julho 09, 2009
quarta-feira, julho 08, 2009
1. O cosmo é único, resultado de uma estrutura matemática que a física teórica vislumbra em raros momentos. Por trás da enorme diversidade das coisas, em particular da matéria e das suas propriedades, existem leis bem determinadas e eternas que ditam desde a existência do Universo ao valor da carga e da massa do elétron.
Se algum dia obtivermos essa teoria unificada, a teoria de tudo, teremos chegado ao ápice da racionalidade, decifrando o código secreto da natureza.
(A "mente de Deus" como Hawking e outros afirmam.) Segundo essa visão, a vida e a mente são acidentais, já que a física e a química têm pouco ou nada a dizer sobre a emergência da vida.
Pois não é exatamente esse o sonho da "mente de Deus" de Hawking? Encontrar o universo "nu", mapeá-lo para assim controlá-lo, detendo o "pensamento absoluto"? Encontrar a "objetividade última", o último ponto em que o pensamento se desconecta de si mesmo e passa a ser apenas um espelho final do mundo?
Marcadores: Φιλοσοφία
terça-feira, julho 07, 2009
-- TPM, Manifestações criativas de impulsos homicidas, por A. Behegaray;
-- Homo Criminalis, por Salo de Carvalho;
-- Distropia, por Fabricio Pontin, Marcos Fanton e outros;
-- Céu da Boca, um universo escrito com batom, por Majoriebier;
-- Brasília, eu vi, por Leandro Fortes;
-- Professor Hariovaldo Almeida Prado, por Hariovaldo;
-- RS Urgente (novo endereço), por Marco Weissheimer;
-- Ferréz, por Ferréz;
-- O Reduto, por Felipe;
-- Luis Nassif, por Luis Nassif;
-- Casa Warat, por Luis Alberto Warat;
-- Alexandre Morais da Rosa, por Alexandre Moraes da Rosa;
-- Criminologia e etc., por Aline Pecharki;
-- Tudo vira hipótese, por Cristiane Russomano Freire.
Marcadores: Novidades na Casa
domingo, julho 05, 2009
Marcadores: Eros
sexta-feira, julho 03, 2009
quinta-feira, julho 02, 2009
Amortecedor.
Marcadores: poétique
Sonic Youth, "Sacred Trickster" (vale a pena assistir o clipe)
Silversun Pickups, "Panic Switch"
Grizzly Bear, "Two weeks"
Marcadores: Rocks