Mox in the Sky with Diamonds

terça-feira, julho 21, 2009

O que não vai.

Conversa inocente. Papo pra lá, papo pra cá. Despretensão. Falar sobre o nada: conversa em grau zero. Como se estivéssemos zapeando, de um lado pro outro. De CDs virgens ao mau tempo. Apenas para passar o tempo, foram condenados a estar juntos por um tempo. O destino empurrou-os. Ela acende um cigarro; ele acende outro. Tudo certo. Uma cerveja? Por que não? Afinal, estavam ali para não fazer nada mesmo. Ele só estava ali porque era preguiçoso, não foi com os outros que vão lá fazer exercícios. Vamos? Vamos.
Uma lata, duas, três; dois cigarros, quatro, cinco. O tempo vai passando. Conversa ainda e sempre em grau zero: como sair disso? Impossível. E nem desejável. A intimidade é algo que se conquista, não se adquire imediatamente. Sabiam disso? É provável. Algo coisa passa entre eles; nada que possa ser tido como algo mais que uma simpatia, talvez uma cumplicidade estivesse por ali, nascendo, irrompendo, saindo do casulo. Nada que pudesse ser tido como grande afeto. Apenas uma brincadeira, uma certa correspondência, a capacidade de sentir que o outro está ali, e não em outro lugar. Pura coincidência, risadas, papo furado, cigarros, cerveja. Nada além disso. Estavam ali apenas esperando. O que mesmo? Ah, sim. Eles.
Estranhamente, a coisa fluiu. Quando eles voltaram, não sentiu um alívio do suposto desconforto de estar ali conversando em grau zero. Na realidade, sentiu um desprazer, certa insatisfação com as circunstâncias. Gostaria de perguntar já naquele momento exato: “não tens uma cópia exata de ti mesma para mim?”, mas ainda não tinha intimidade suficiente. E, no entanto, algo estranho já se dava por ali.
Ela também gostou dele. Não do mesmo jeito, talvez. Gostou do papo, da companhia, da inteligência. Sentiu que ele tinha algo diferente, era um pouco mais interessante que a média. Só que profundidade não é tudo; estava com o outro e era bom. Não tinha vontade de nada. Nada mais que uma boa conversa, vontade de conversar de novo, poder falar sobre alguma coisa mais específica.
Mais tarde, conversaram de novo. Dessa vez, foi sobre alguma coisa. Rock, mulheres, política, alguma coisa do gênero. O assunto era delicioso, fluía delícia. Opiniões convergentes; divergentes do geral. Afinal, tem coisa mais tediosa que o comum? Não dá para agüentar esses monótonos.
E, dali em diante, já estavam amigos.

Sentiu imediatamente a violência de uma sensação que não o abandonaria jamais. Daquele dia em diante, todos os dias seriam de incerteza. Pois o trágico é que, certamente, as coisas não se encaminhariam na única direção em que a possível e perene dúvida poderia se extinguir. Ao contrário: elas caminhavam perfeitamente em sentido oposto. Perdeu-se. Perdeu-se em si mesmo naquele momento. Sentiu-se guiado por forças que o atravessavam e não pertenciam ao seu domínio. Tudo cruel demais e para o resto da vida.
Ela apenas desviou o olhar. É possível que tenha sentido um mal-estar. Possível, mas apenas possível. Pode também ter simplesmente permanecido na sua ingenuidade de navalha, contribuindo para o processo inevitável de dilaceração que jamais, jamais cicatriza. Daquele dia em diante, teria que carregar consigo não apenas uma cicatriz – cicatrizes são marcas inofensivas que registram a passagem do tempo na carne –; carregaria, isso sim, uma ferida aberta que poderia alternar sangramentos virulentos com outros mais sutis, mas jamais seria fechada. Feridas não são cicatrizes, não são meras rasguras esteticamente desagradáveis; são golpes que permanentemente provocam a dor. A ferida é a experiência da dor que não se deixa extinguir.
Como? Em tão inocente momento? Seria ele apenas mais um ingênuo? Não existe essa tal de ferida. Tudo não passa de poesia. Na vida, é inofensivo. A sabedoria popular talvez ensine que o tempo a tudo leva, que as coisas simplesmente passam, que a vida segue. Pode ser. Mas quem se apaixonou sabe que jamais cicatriza. As coisas são para vida inteira. “Quando se esquece um amor?” “Nunca” – é a única resposta verdadeira. A verdade é que podemos não viver escravos da dúvida, mas certamente em algum lugar ela irá para sempre se esconder – retornar, golpear, recordar.
Certamente éramos mais jovens. Mas não são por acaso as coisas mais antigas aquelas que nos são mais importantes? Maldição da memória, que nos trucida por uma dilaceração visceral, embora intermitente. A paixão é um veneno que se estabelece e, uma vez lá, inevitavelmente corrói. Inevitavelmente.

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