O FRACASSO DO PT
Ontem mesmo escrevia sobre injustiças da mídia em relação ao Governo Lula. Mas a absolvição de Renan Calheiros me obriga a escrever em tom crítico hoje.
Se o Governo do PT no comando da Presidência tem logrado um êxito inesperado na economia [combinando estabilidade e crescimento] e obtém bons resultados na área social [para o que, afinal, foi eleito], existe um local onde o que vemos é um fracasso retumbante dos petistas.
A formação de uma "esfera pública" no Brasil, que muitos nutriam como sonho acreditando na pureza do PT [como eu, até o mensalão], ficou para trás. O PT, definitivamente, fracassou nesse aspecto. Aliás, nem sei se um dia quis a formação dessa esfera.
Uma esfera pública pressuporia, no mínimo, a formação de grupos políticos republicanos, voltados para o interesse público, e com profundo debate democrático. Experiências na democracia participativa -- como fizera o PT em Porto Alegre -- me faziam acreditar nesse sonho. O PT poderia sinalizar novos tempos na política brasileira, com isolamento de velhas forças oligárquicas e "limpeza" geral das forças políticas corruptas.
No entanto, venceu o lado protocomunista do PT. A burocracia partidária, que era alvo dos discursos fascistas de alguns anti-petistas, acabou de fato se tornando a força preponderante em um partido que reunía possibilidades múltiplas -- entre elas, a de unir minorias e criar alternativas não-marxistas de esquerda -- e, com isso, o projeto de formação de uma esfera pública democrática e republicana acabou ficando em segundo plano. Preferiu-se a coligação com oligarquias que estavam prontas a ser demolidas e partidos fisiológicos.
Se isso estava claro no mensalão -- quando ficou claro que não havia limites éticos para a manutenção do projeto político petista no Governo [à semelhança do que, anos antes, havia feito o PSDB na emenda da reeleição] -- a absolvição de Renan Calheiros deixa mais uma vez claro que a higidez republicana dos petistas acabou sendo delegada a segundo plano em prol dos interesses políticos.
Se o PSDB, aparentemente uma vertente mais "intelectual" da política brasileira, já havia frustrado esse sonho, o PT -- o último dos refúgios da esquerda -- representa definitivamente o enterro do sistema político brasileiro na lama do corporativismo, da corrupção e da ausência de republicanismo.
Definitivamente, podemos ter boas políticas no Brasil [e nisso, ratificando o que escrevi no post abaixo, acredito que o PT tenha as melhores], mas ainda não temos uma esfera pública, e sim um amontoado de grupos formados por oligarquias e burocracias partidárias interessadas em se perpetuar no poder.
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A CONFUSÃO ENTRE O JURÍDICO E O POLÍTICO
Já falei por aqui sobre a responsabilidade política: o povo é o único dono do poder na democracia, como diz a Constituição. Portanto, todo aquele que está no centro da política está em posição precária. É apenas um representante, ou seja, deve estar ocupando seu cargo enquanto o eleitorado lhe der legitimidade. Não existe "direito adquirido" ou "presunção de inocência" no mandato político, que não é a mesma coisa, por exemplo, que a assunção de um cargo público [por exemplo, no caso daquele Promotor de Justiça].
A responsabilidade jurídica é de outro nível. Para ela, devem existir todas as garantias constitucionais, especialmente o direito à defesa, a presunção de inocência, ou, em síntese, o devido processo legal. Para que Renan Calheiros seja condenado, é necessário que a acusação disponha de provas substanciais e convença o Magistrado, em confronto com a defesa de Renan, que ele é efetivamente culpado.
Na questão política, no entanto, a legitimidade de Renan já se esgotou há muito. Se ele porventura for inocente, poderá ser recompensado com novo mandato futuramente, como ocorreu com Ibsen Pinheiro, por exemplo, além de poder obter ressarcimento pelos danos morais sofridos.
O que não é possível é um cadáver político dirigir o Senado, sem qualquer dose de legitimidade. A cadeira de Presidente do Senado parecer ter sido "adquirida", como se, ao terminar a eleição, Renan tivesse o direito de exercer o poder -- que é unicamente do povo -- transferido para si, inclusive contra o povo.
Os políticos utilizam -- com muita astúcia -- essa indistinção. E a imprensa, como não sabe manejar com os conceitos, troca um pelo outro.
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Trilha sonora do post: Blonde Redhead, "Heroin".