NOSSO CONSERVADORISMO NAS RELAÇÕES
COMENTO muito pouco por aqui sobre relações. Os papos preferidos do somepills - pelo menos nos últimos dois ou três anos - têm sido mesmo política, futebol, filosofia, criminologia, música, cinema, livros. Talvez porque eu me sinta bastante inseguro com respeito ao tema. Provavelmente porque acredito saber bem pouco. Mas, de vez em quando, dou uma pitada.
Fico impressionado como nós somos ainda conservadores em termos de relações. Dos meus conhecidos -- amigos e amigas -- não conheço unzinho/umazinha que aceite formas não-clássicas de relação. Todos seguem o mesmo estilo: namoro, casamento, monogamia, ciúmes, projetos de filhos e casa comum. Interessante, pois a maioria dos amigos e amigas, embora não exatamente "exóticos", são pessoas não-convencionais (dá para imaginar a minha incapacidade de relacionamento com gente de fala de "cidadão de bem", por exemplo). Por que raios todos nós seguimos o mesmo modelo?
É engraçado. Provavelmente propor algo do gênero pode custar bem caro. O outro ou a outra pode se ofender. "Propões isso porque achas que não sou boa o suficiente?". "Tu quer dar para outros magrões?". Não creio que isso tenha a ver com machismo meu. Porque, na realidade nua e crua, essa da qual nós hipocritamente não conseguimos falar, minhas amigas também tiveram probleminhas bem significativos com as instituições tradicionais. Não ponho nem um centímetro a mais de mão no fogo pelas mulheres em relação a temas como infidelidade, egoísmo, ciúmes ou mentiras. A forma é normalmente diversa. Mas elas também fazem tudo isso. Ontem eu andava de carro com minha irmã e uma amiga e ela falava no telefone: "ah, amiga, estás louquinha para pular a cerquinha... cerquinha, cerquinha!". É igualzinho.
Lá vou eu com uma afirmativa forte: todas as pessoas que conheço já se envolveram com outras pessoas enquanto estavam namorando. Os mais insuspeitos; as mais fiéis. Isso significa que têm mau caráter? Não creio. A maioria fraquejou. Nem todos ou todas, claro. Alguns foram bastante fdps. Mas a maioria absoluta sucumbiu ao desejo, não resistiu. Continou amando o namorado ou a namorada, se relacionando bem, mas não resistiu ao desejo. Mas toda vez que eu pergunto para eles e elas por que não conseguimos pensar em outro tipo de relação, ou quando afirmo que todo mundo trai, a resposta é a mesma: nem vem querer mexer nisso. "Não tem como". "Impossível". "Só funciona assim". "Se descobrir, paciência, acaba. Se não descobrir, deixa assim". "Essas coisas têm que ficar escondidas".
Entendo o medo. Entendo porque compartilho. Sou bem conservador também. Não admito infidelidade, por exemplo. Mas por que raios -- alguém me explique, please -- se 99,99% dos meus amigos e amigas traíram, e não fizeram de sacanagem, nós não chegamos à conclusão de que as regras são um pouquinho irracionais? Não sei explicar. Não consigo admitir a possibilidade de a minha namorada com outro. Mas isso é uma irracionalidade minha? Meus amigos já ficam bravos comigo só porque toco no assunto. Apanhei verbalmente de mais de cinco magrões porque afirmei que digo para minha namorada que todo mundo trai. Eles são radicalmente contra dizer essa verdade. Mas eu disse: todo mundo. Logo, ela também pode me trair (espero que não). Fato. "Ah, mas tu estás afirmando algo que ela não tinha pensado". HAHAHA! Vai ser ingênuo assim lá na Arábia Saudita, amiguinho. Um dos principais defeitos do homem é seguir aquele ditado que diz que "amigo de mulher é cabelereiro". Quem pensa isso só pode ser burro. Homem que não tem amigas não entende nada de mulher; não entendendo, é um homem de merda para elas. (Não apenas meus amigos; tenho certeza que a minha namorada também detesta que eu escreva ou fale sobre essas coisas.)
Uma pergunta que tenho feito e a ausência de resposta é sintomática: é possível uma ética - por exemplo, a ética da alteridade - na relação? Tenho sinceras dúvidas. A leitura de Bauman do "amor líquido", por exemplo, não é uma coisa meio ingênua, conservadora? Será que Sade não sabia mais sobre isso que Bauman sabe? (Vou deixar isso para outro post.)
Não é estranho que entre meus amigos não-convencionais não tenha nenhunzinho que não queira ter filhos? Ou que queira morar em casas separadas? Ou que aceite a infidelidade sob certas condições? Ou que... não importa: o que importa é a ausência de fórmulas novas. vivemos na ditadura de uma fórmula de relação. E isso me irrita. Pois todas as ditaduras e totalidades me irritam. Toda sacralização da instituição é vexatória. E eu digo: nada é menos profanado hoje em dia que a relação.
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