ALTER EGO, "ANTES DO CÉU"
O ROCK BRASILEIRO não é das preferências da casa. Pouca coisa se salva no imbróglio de irrelevância, pastiche e pouca ousadia na terra brasilis. Salvo um Los Hermanos aqui, um Mutantes lá, as bandas brasileiras oscilam entre um pop insosso e um rock humorístico, incapazes de enfrentar suas inspirações do Norte.
Porém esse definitivamente não é o caso da Alter Ego. Comodismo, pieguice, anacronismo, bunda-molice e bom-mocismo-encomendado-para-o-Faustão são tudo que não se encontra por aqui. Nenhum espaço para esse tipo de concessões: apenas o bom veneno contagiante do velho rock'n'roll. Nada além daquilo que contamina epidemicamente as gerações de jovens desde os anos 50: energia, atitude, vontade de viver intensamente e sem limites a aventura que é a vida. Nenhum medo. Nenhuma mentira. Nenhuma restrição. Apenas tudo como deve ser: vivido até o último suspiro, gritado, cantado, dançado, festejado -- como se saltássemos sobre as fagulhas das chamas do inferno numa festa que vai até o fim da eternidade. Dia de comemorar a hecatombe da vida.
É esse ar de intensidade, sangue borbulhante e energia vital que se sente ao longo de toda obra. As guitarras atravessam a audição como relâmpagos cruzando o céu, rasgando as canções até se transformarem em tempestades povoando todo espaço do horizonte. Da paz celestial até a tempestade que destrói tudo, e disso de volta ao arco-íris da psicodelia que faz relaxar, rir, alucina a existência amarga do dia-a-dia. Ouvir Alter Ego é voltar ao sonho da vida sem hesitação; sem medo, sem receio, mergulhado no abismo do incerto para encontrar lá o que realmente importa -- alheio ao nosso mundo de burocracia, hipocrisia e cinismo. O sonho, de novo, e todo o risco que ele comporta. Boemia, corredores sujos, cerveja, cigarro, barro de banheiro, ressaca, sexo casual, alucinações, viagens, promessas, brigas, esperança, desejo, vinganças -- toda essa vida genuinamente contracultural na risada de quem ainda ousa se divertir.
A melodia é a matéria-prima onde a sonoridade trabalha. Riffs, linhas gordas de baixo, gritos e refrões grudentos vão povoando as canções uma-a-uma, caprichosamente reunidas em um petardo do início ao fim. Dos rockões clássicos como "Muié Lôca", "O Vingador", "Chega" e "Sexo Droga de rock'n'roll" até aventuras mais psicodélicas como "Depois da Tempestade", "Nem tudo vai morrer", "Quando" e "Acomodado", passando por baladas como "Noites Claras" e "Meu lugar" -- a inspiração está no rock'n'roll tradicional: Rolling Stones, Oasis, The Verve, Led Zeppelin, Jet, Kings of Leon. Da energia ao repouso, do repouso à alucinação, da alucinação até mais loucura. "Muié Lôca" e "O Vingador" -- de um blues rock a la Stones até a beira do hard rock -- são poderosas doses de red bull direto no cérebro; "Sexo droga de rock'n'roll" é a própria pulsação da transgressão, brincando com os limites da santíssima trindade que ilumina (ou escurece) a vida dos que compartilham da paixão pela religião de Jimmy Hendrix, Johnny Rotten e Lennon. "Acomodado" é a passagem para o etéreo; "Depois da tempestade", viagem a um mundo distante. "Meu lugar" é espécie de celebração da volta à ingenuidade que convém à vida; "Nem tudo vai morrer", bem, essa eu acho a melhor do álbum, pela inteligência e surpresa que pode gerar aos que prestam atenção na genialidade psicodélica que contém. Enquanto os violões se encontram, vamos embarcando em outra dimensão. "Nada escapa" tem dos melhores versos dos últimos tempos, e que bem explica de onde vêm as coisas: "nada escapa aos olhos de quem enxerga na madrugada".
A Alter Ego não precisa esperar mais nada, já está pronta para tudo. Não apenas porque faz músicas boas, nem porque o disco soa como um oásis no paupérrimo panorama nacional, nem mesmo porque bebe em fontes sacras do rock e não deixa nada a dever. Não precisa esperar porque sabe viver -- e é essa vida pulsante, intensa, rebelde e indomável que se sente ao longo de "Antes do Céu".
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