ESPERANDO UMA ESFERA PÚBLICA
VOZES INDIGNADAS contra José Sarney. Afinal, ele assumiu ontem no Congresso Nacional, não é? Os colunistas da Folha -- que antigamente eu passava os olhos -- soam tão entediantes que sequer abro o respectivo link (leio a versão virtual do jornal - e hoje não mais que uns 5 colunistas - nenhum jornalista - me interessam). É tanto moralismo bobo, hipócrita e seletivo que a leitura se torna simplesmente insuportável. Afinal, Sarney sempre esteve aí. Sequer é a primeira vez que preside o Senado. Por que, então, agora, e não antes?
O mesmo que escrevi sobre Yeda cabe aqui: quando um poderoso cai nas malhas do sistema punitivo, é porque perdeu a cobertura. O movimento político midiático é plenamente visível: trata-se de cortar um dos elos de Lula com o PMDB, atirando contra a futura candidatura Dilma Roussef. Qualquer um que ache que é bom-mocismo e republicanismo que faz com que a grande mídia ataque Sarney é um pobre ingênuo. Os problemas não começaram ontem, nem Sarney se tornou um oligarca poderoso a partir de 2009. Em compensação, a campanha de Dilma começa amanhã, e os sinais de estratégia estão começando a aparecer (não por acaso surgem agora os "revisionismos" da Ditadura: "ditabranda", ficha criminal falsa, etc). É justamente nesse momento que cai, parcialmente, a cobertura de Sarney.
Então Lula está certo em poupá-lo? É claro que não. Lula está sendo, mais do que nunca, maquiavélico. Aliás, desde o início do segundo mandato. Em troca do aliado poderoso que é o PMDB, Lula cede na moralidade. Puro cálculo político. As declarações de Lula visivelmente não são sinceras; ele apenas evitar expor o aliado para não perder capital político. Já escrevi por aqui e reitero que se trata de uma grave lacuna e um dos principais defeitos do Governo Lula, ao lado da política ambiental, a incapacidade de formar uma esfera pública.
Porém é preciso separar as coisas. Uma coisa é a defesa republicana, outra é o moralismo hipócrita e udenista da direita e da mídia. Todas as condutas reprovadas em Lula nada mais são do que reedição da estratégia do PSDB durante seus governos, inclusive o mensalão (cuja fonte no PSDB já foi identificada, embora parcamente ressaltada). Isso não torna Lula melhor, mas não permite que os algozes vociferem hipocritamente contra a corrupção. Discursos contra Sarney de políticos comprometidos até a unha com corrupção seriam algo bizarro, se não fossem trágicos. A indignação seletiva da mídia -- na realidade, muito mais por cálculo político que por ignorância -- é um vexame.
Mas o que me preocupa não é, na realidade, como esses setores desesperados estão reagindo diante da popularidade astronômica de Lula. O que me preocupa é como republicanos, como Fernando Gabeira, e a extrema esquerda, como o PSOL, reagem aos episódios. Na blogosfera há um debate intenso em torno do chamado "gabeirismo" (que seria algo como um moralismo cínico) (conferir por exemplo aqui e aqui). Na sua cruzada pela ética (que inicialmente me pareceu salutar), Gabeira acaba se aliando aos setores mais podres da política e, com isso, mostrando-se ingênuo ou mal-intencionado. Porque o que provoca a corrupção endêmica e epidêmica no Brasil não é o mau-caráter dos brasileiros, mas a submissão do público ao privado, ou seja, o domínio de oligarquias sobre a esfera pública (das quais Sarney é apenas uma um tanto "arcaica" em relação a outras que souberam se disfarçar melhor).
A posição da extrema esquerda é ainda mais indefensável: ao criticarem moralisticamente a corrupção, dão poder de fogo àqueles que são os seus principais agentes. Aliam-se à direita e, com isso, ao status quo. Justamente eles, os radicais. E o fazem por uma razão: porque não são radicais o suficiente. Se fossem, veriam que a representação brasileira é defeituosa porque as democracias contemporâneas converteram-se em plutocracias moderadas, ou seja, plutocracias em que as oligarquias abrem um pequeno espaço conciliatório para que demandas ocasionais da vida nua penetrem. E nisso Lula não tocou (o Bolsa-Família -- programa que sempre elogio -- é o reflexo perfeito da situação). E, apesar disso, a crítica é sempre superficial, moralista e reprodutora da mesma retórica da direita.
A falta de vontade política na formação de uma esfera pública no Brasil a partir de Lula pode ser atribuída ao cálculo político, mais uma vez. Por uma questão estratégica (ou falta de um "kairós"), Lula optou por ser conciliador o não tocar no status quo (aliás, o ponto nevrálgico do sistema, como bem apontou Alexandre Nodari, seria a questão fundiária), focando em elaborar programas que atinjam a vida nua sem tocar realmente nas estruturas desiguais do país e seus respectivos regimes de poder. Isso poderia ser matéria de crítica da extrema esquerda, e não a vagueza do "neoliberalismo" (com a eterna nostalgia do "Estado grande") ou a corrupção (com seu enfoque moralista). Mas, infelizmente, a extrema esquerda apenas continua dando gás para que os donos do poder voltem para suas confortáveis cadeiras, com os aplausos da grande mídia (que, aliás, é dominada por oligarquias).
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O risco é que a tal "esfera pública" -- conceito não por acaso habermasiano -- não seja nada além de uma piada. Foucault talvez esteja rindo no seu caixão essa hora. É possível que a espera pelo esfera pública seja da mesma natureza daquela peça de Beckett.
O mesmo que escrevi sobre Yeda cabe aqui: quando um poderoso cai nas malhas do sistema punitivo, é porque perdeu a cobertura. O movimento político midiático é plenamente visível: trata-se de cortar um dos elos de Lula com o PMDB, atirando contra a futura candidatura Dilma Roussef. Qualquer um que ache que é bom-mocismo e republicanismo que faz com que a grande mídia ataque Sarney é um pobre ingênuo. Os problemas não começaram ontem, nem Sarney se tornou um oligarca poderoso a partir de 2009. Em compensação, a campanha de Dilma começa amanhã, e os sinais de estratégia estão começando a aparecer (não por acaso surgem agora os "revisionismos" da Ditadura: "ditabranda", ficha criminal falsa, etc). É justamente nesse momento que cai, parcialmente, a cobertura de Sarney.
Então Lula está certo em poupá-lo? É claro que não. Lula está sendo, mais do que nunca, maquiavélico. Aliás, desde o início do segundo mandato. Em troca do aliado poderoso que é o PMDB, Lula cede na moralidade. Puro cálculo político. As declarações de Lula visivelmente não são sinceras; ele apenas evitar expor o aliado para não perder capital político. Já escrevi por aqui e reitero que se trata de uma grave lacuna e um dos principais defeitos do Governo Lula, ao lado da política ambiental, a incapacidade de formar uma esfera pública.
Porém é preciso separar as coisas. Uma coisa é a defesa republicana, outra é o moralismo hipócrita e udenista da direita e da mídia. Todas as condutas reprovadas em Lula nada mais são do que reedição da estratégia do PSDB durante seus governos, inclusive o mensalão (cuja fonte no PSDB já foi identificada, embora parcamente ressaltada). Isso não torna Lula melhor, mas não permite que os algozes vociferem hipocritamente contra a corrupção. Discursos contra Sarney de políticos comprometidos até a unha com corrupção seriam algo bizarro, se não fossem trágicos. A indignação seletiva da mídia -- na realidade, muito mais por cálculo político que por ignorância -- é um vexame.
Mas o que me preocupa não é, na realidade, como esses setores desesperados estão reagindo diante da popularidade astronômica de Lula. O que me preocupa é como republicanos, como Fernando Gabeira, e a extrema esquerda, como o PSOL, reagem aos episódios. Na blogosfera há um debate intenso em torno do chamado "gabeirismo" (que seria algo como um moralismo cínico) (conferir por exemplo aqui e aqui). Na sua cruzada pela ética (que inicialmente me pareceu salutar), Gabeira acaba se aliando aos setores mais podres da política e, com isso, mostrando-se ingênuo ou mal-intencionado. Porque o que provoca a corrupção endêmica e epidêmica no Brasil não é o mau-caráter dos brasileiros, mas a submissão do público ao privado, ou seja, o domínio de oligarquias sobre a esfera pública (das quais Sarney é apenas uma um tanto "arcaica" em relação a outras que souberam se disfarçar melhor).
A posição da extrema esquerda é ainda mais indefensável: ao criticarem moralisticamente a corrupção, dão poder de fogo àqueles que são os seus principais agentes. Aliam-se à direita e, com isso, ao status quo. Justamente eles, os radicais. E o fazem por uma razão: porque não são radicais o suficiente. Se fossem, veriam que a representação brasileira é defeituosa porque as democracias contemporâneas converteram-se em plutocracias moderadas, ou seja, plutocracias em que as oligarquias abrem um pequeno espaço conciliatório para que demandas ocasionais da vida nua penetrem. E nisso Lula não tocou (o Bolsa-Família -- programa que sempre elogio -- é o reflexo perfeito da situação). E, apesar disso, a crítica é sempre superficial, moralista e reprodutora da mesma retórica da direita.
A falta de vontade política na formação de uma esfera pública no Brasil a partir de Lula pode ser atribuída ao cálculo político, mais uma vez. Por uma questão estratégica (ou falta de um "kairós"), Lula optou por ser conciliador o não tocar no status quo (aliás, o ponto nevrálgico do sistema, como bem apontou Alexandre Nodari, seria a questão fundiária), focando em elaborar programas que atinjam a vida nua sem tocar realmente nas estruturas desiguais do país e seus respectivos regimes de poder. Isso poderia ser matéria de crítica da extrema esquerda, e não a vagueza do "neoliberalismo" (com a eterna nostalgia do "Estado grande") ou a corrupção (com seu enfoque moralista). Mas, infelizmente, a extrema esquerda apenas continua dando gás para que os donos do poder voltem para suas confortáveis cadeiras, com os aplausos da grande mídia (que, aliás, é dominada por oligarquias).
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