Mox in the Sky with Diamonds

sexta-feira, novembro 16, 2007

HIPOCRISIA NO PARLAMENTO GAÚCHO

O RIO GRANDE DO SUL passa por um processo semelhante ao que passou a Argentina há alguns anos. Acreditando-se superiores aos seus vizinhos latinos, os argentinos não viram a crise bater à sua porta e a esnobaram até que ela explodisse na sua cara. Os gaúchos, como os argentinos, também se acham superiores aos demais brasileiros e se negam a ver a decadência franca do Estado.
Jamais imaginei que assumiria posição a favor do Governo Yeda -- um governo de perfil ultra-conservador [talvez apenas o PP os batesse no quesito] -- mas é fato evidente que o RS precisa de um aumento de carga tributária. O déficit das contas públicas é absolutamente insuportável. Educação, segurança e saúde, os três dos quatro serviços mais essenciais do Estado, sofrem um processo de sucateamento absurdo, pois o que os sustenta -- policiais, professores, médicos, enfermeiros -- não recebem aumento salarial razoável há muito tempo.
Enquanto isso, a quarto serviço essencial, que eu não mencionei, a Justiça, recebe um tratamento totalmente privilegiado. Não que os servidores da justiça e juízes não mereçam o que recebem: é que, na distribuição dos recursos do bolo tributário, a diferença já é insuportável. Nada justifica que um oficial de justiça receba três, quatro vezes que um professor do ensino médio ou um policial militar. Simplesmente, não faz sentido.
O que existe, no entanto, é uma intensa blindagem corporativa que protege esses setores. Blindagem corporativa que abrange também Legislativo [incluído o Tribunal de Contas] e Ministério Público. Evidentemente [infelizmente tenho que esclarecer isso, pois sempre existe gente burra que não sabe ler] não estou tratando integrantes desses setores como corruptos ou algo do gênero. Seria incrível fazer isso, já que inclusive meus pais estão vinculados ao Poder Judiciário. Estou apenas enunciando fatos políticos que estão postos aí.
Essa blindagem corporativa é uma das razões do déficit monumental que tem o RS hoje em dia e que nenhum dos partidos conseguiu resolver no Governo. Não conseguiu porque não conseguiu derrubar a blindagem: o Parlamento é impermeável a esses problemas. A Assembléia simplesmente não quer resolver o problema.
Sucessivas leis imorais que resultaram em privilégios absurdos [p.ex., as "incorporações"] e decisões judiciais extremamente benevolentes que resultaram em benefícios previdenciários ridículos [caso das filhas solteiras, p.ex.] foram se somando ao ponto de tornarem-se dívida impagável do Estado. Atenção, não é preciso ser burro pra ser de esquerda: defender esse tipo de situação é confundir um discurso que defende a dignidade do servidor público com uma compactuação com o corporativismo e a imoralidade.
Ora, é óbvio que, ao lado de uma "moralização" da Administração Estadual, não há outra forma de resolver o problema senão por meio de um aumento de imposto. O dinheiro não cai do céu.
É legítimo que o empresariado não queira pagar a conta, embora os índices de sonegação não tornem os empresários os "santos" que posam para as fotografias. Sonegador também faz discurso no RS. E mais: os empresários sempre se queixam, mesmo que estejam pagando imposto justo para um Estado com índices de pobreza que o RS tem.
Cabe, entretanto, ao Parlamento a responsabilidade. São os políticos que têm que enfrentar o problema. Eles deveriam ter a coragem de encarar o ônus político do aumento de imposto, devido a uma sucessão de políticas que levaram o "Welfare State" gaúcho apenas aos bolsos do serviço público.
O que se tem, no entanto, é uma Assembléia que há muito se tornou um emaranhado fisiologista que só quer se manter no poder. Ressalvo apenas o parcela da oposição -- como PP e o vice-governador, que realmente acreditam que o liberalismo de mercado resolveria o problema -- e o PT, que não tem obrigação de votar com o Governo, como o DEM também não tem em âmbito federal, embora eu esperasse uma atitude mais elevada do PT, que participou do problema e poderia ter uma atitude mais responsável. Em todo caso, Yeda tinha a maioria do Parlamento a seu favor e prometera, nas eleições, não elevar impostos. É inviável depositar o ônus político na oposição.
A culpa é da base do Governo, que é composta -- como ficou claro -- por fisiologistas que não têm comprometimento com a coisa pública. Os problemas da educação, da saúde e da segurança dependem de servidores bem remunerados, como são os dos outros poderes, e isso só se resolve aumentando impostos, para combater o déficit e, aos poucos, ir reequilibrando as contas. Infelizmente, não há outra forma. Tanto não há que desde Collares se tenta isso. Mas, para a Assembléia, o problema não é dela, o problema é o próximo mandato e não a responsabilidade com a coisa pública.
É uma vergonha. A política gaúcha é uma vergonha. E nós, como os argentinos, vamos nos dar de cara logo com isso. Que os outros Estados riam de nós -- eles têm direito.