POR QUE ESTOURAM TANTOS ESCÂNDALOS NO GOVERNO YEDA?
APENAS UM INGÊNUO acreditaria que a razão pela qual explodem dia após dia os escândalos de corrupção no Governo Yeda porque, efetivamente, há mais corrupção. Pode até ser que haja mais corrupção. Mas essa não é a razão pela qual explodem tais escândalos. A incapacidade de ler corretamente a realidade política do RS se deve ao maniqueísmo de alguns e denuncismo de outros. Já temos uma blogosfera relativamente consolidada no RS, além da mídia tradicional, mas a maioria dos analistas não consegue escapar de ficar na posição de esquerda-denunciante, de um lado, ou de denuncio-todo-mundo, de outro. E, ainda em outro flanco, a mídia tradicional, que visivelmente protege o Governo, apesar de a Governadora reclamar (por ela, a cobertura deveria ser totalmente esquizofrênica, e não parcialmente).
Para analisar a situação do RS, é preciso em primeiro lugar sinalar algumas características da nossa política. Primeiro, gaúcho não tolera mudança de partido. Por isso, DEM, PSDB e PPS (a oposição nacional) são tão fracos no Estado. Ao mesmo tempo, partidos sem expressão nacional têm papel importante por aqui. É o caso de PDT, PTB, PP -- todos em plena decadência nacional, mas decisivos por aqui. O PP é ainda a ARENA, congregando a extrema direita, num papel equivalente ao DEM em cenário nacional (ex. Turra, Bernardi). O PMDB, por sua vez, é o centro-direita, equivalente ao PSDB no âmbito nacional. Tem para si um eleitorado democrata-conservador que antes compunha o MDB (ex. Simon, Fogaça, Rigotto, Schirmer). E, do outro lado, o PT, formado por ex-comunistas que, durante a Ditadura Militar, foram jogados para a clandestinidade. Assim se desenha o mapa partidário-ideológico do Estado, bem distinto do cenário nacional. (Há várias outras nuances que não posso abordar.)
Segundo: analisar o panorama político. A realidade política do RS divide o poder em apenas dois blocos: um agrupamento-de-sempre e o PT (ou "A Frente Popular"). Quem realmente governa o Estado é um conglomerado de partidos que agrupa PMDB, PPS, PTB, PDT, PSDB, PP e DEM -- todos eles. A principal estratégia político-eleitoral é o assistencialismo e o fisiologismo (que abrange também trocas com outros poderes). Esse emaranhado forma realmente o núcleo de poder do Estado -- capaz de neutralizar, por exemplo, o Governo Olívio (rejeitando todas as leis propostas ou derrubando vetos) ou agora Yeda. Até bem pouco tempo, existia inclusive a "verba assistencial" (!) na Assembléia para os deputados. No mesmo sentido entra a discussão acerca dos albergues. A formação da legitimidade popular se dá dos municípios para o Estado, sempre partindo do assistencialismo direto, de um lado, e da conciliação, de outro. Por isso, são raros os enfrentamentos com o empresariado (outro núcleo de poder) e com a mídia (de perfil, via de regra, até mais conservador). Via de regra, forma-se uma gigantesca aliança -- por vezes abalada (ex., em aumentos de impostos) -- mas sólida o suficiente para enfrentar qualquer resistência.
O que Yeda fez foi romper com o pacto político da direita conciliatória. Não como Olívio, por óbvio, que foi para a extrema esquerda. Mas em um sentido diferente.
Primeiro, pela sua personalidade extremamente autoritária, Yeda foi aos poucos se incapacitando para o diálogo. Pessoa que visível difícil trato e impregnada de estrelismo, acabou se indispondo pessoalmente com grande parte dos aliados. (Yeda chegou a ensaiar um acordo com o núcleo de poder, mas fracassou.)
Segundo, porque Yeda cometeu um erro político-estratégico: acreditou que o setor do empresariado, representado ainda precariamente pelo DEM (a direita empresarial ainda perde para a direita rural do PP no RS -- a derrota de Britto é a prova), seria capaz de sustentá-la no Governo. O golpe pessoal - e Yeda não hesita em o tratar como tal -- de Paulo Feijó desarticulou, ao mesmo tempo, toda estratégia política da Governadora. Mantendo uma inesperada coerência, Feijó rompeu com Yeda e quebrou suas pernas.
Eugenio Raúl Zaffaroni nos ensina, há muito tempo, que, quando o sistema penal foge do flanco seletivo em relação à sua clientela tradicional e cai sobre os poderosos, estamos diante do fenômeno da "falta de cobertura". É exatamente isso que está ocorrendo no RS. É óbvio que a corrupção não aumentou drasticamente, o que está ocorrendo é uma dupla falta de cobertura de Yeda. De um lado, pela presença do PT no Governo Federal, que não tem, por óbvio, nenhuma boa vontade em esconder ou evitar investigações contra o Governo do Estado. De outro, a Governadora desafiou -- e perdeu -- várias vezes para esse verdadeiro núcleo de poder que governa o RS há muito tempo. Ao usar o autoritarismo e adotar até algumas medidas elogiáveis (se desfez de uma pilha significativa de CCs), Yeda desestrututou o pacto fisiológico que estava em vigor no RS, fazendo cair sua cobertura pelos "conciliadores" da direita.
Não é coincidência que é justamente nesse momento que a Zero Hora volte a falar dos "radicalismos" e da necessidade de "conciliação". Com esse movimento "pacificador", a ZH avoca para si a glória do consenso e faz retomar o poder o grupo que tradicionalmente governa o RS, apenas trocando a cabeça de chapa. Ao mesmo tempo, isola a esquerda enquanto "radical" e defenestra a Governadora, cuja atuação política é deplorável. A cautela do movimento se deve a um temor em relação ao avanço da esquerda caso os ataques à Governadora passem certo limite. Por isso, a estratégia é oscilante, ora noticiando escândalos, ora os suavizando. Ao mesmo tempo, nossa mídia local planeja, sem dúvida alguma, a ascensão de uma "terceira via", provavelmente nas figuras de José Fogaça ou Germano Rigotto.
Que lê somepills sabia que isso iria acontecer. Basta consultar os arquivos, digitando "Yeda", e ver que desde o início minha análise sempre foi essa.
Para analisar a situação do RS, é preciso em primeiro lugar sinalar algumas características da nossa política. Primeiro, gaúcho não tolera mudança de partido. Por isso, DEM, PSDB e PPS (a oposição nacional) são tão fracos no Estado. Ao mesmo tempo, partidos sem expressão nacional têm papel importante por aqui. É o caso de PDT, PTB, PP -- todos em plena decadência nacional, mas decisivos por aqui. O PP é ainda a ARENA, congregando a extrema direita, num papel equivalente ao DEM em cenário nacional (ex. Turra, Bernardi). O PMDB, por sua vez, é o centro-direita, equivalente ao PSDB no âmbito nacional. Tem para si um eleitorado democrata-conservador que antes compunha o MDB (ex. Simon, Fogaça, Rigotto, Schirmer). E, do outro lado, o PT, formado por ex-comunistas que, durante a Ditadura Militar, foram jogados para a clandestinidade. Assim se desenha o mapa partidário-ideológico do Estado, bem distinto do cenário nacional. (Há várias outras nuances que não posso abordar.)
Segundo: analisar o panorama político. A realidade política do RS divide o poder em apenas dois blocos: um agrupamento-de-sempre e o PT (ou "A Frente Popular"). Quem realmente governa o Estado é um conglomerado de partidos que agrupa PMDB, PPS, PTB, PDT, PSDB, PP e DEM -- todos eles. A principal estratégia político-eleitoral é o assistencialismo e o fisiologismo (que abrange também trocas com outros poderes). Esse emaranhado forma realmente o núcleo de poder do Estado -- capaz de neutralizar, por exemplo, o Governo Olívio (rejeitando todas as leis propostas ou derrubando vetos) ou agora Yeda. Até bem pouco tempo, existia inclusive a "verba assistencial" (!) na Assembléia para os deputados. No mesmo sentido entra a discussão acerca dos albergues. A formação da legitimidade popular se dá dos municípios para o Estado, sempre partindo do assistencialismo direto, de um lado, e da conciliação, de outro. Por isso, são raros os enfrentamentos com o empresariado (outro núcleo de poder) e com a mídia (de perfil, via de regra, até mais conservador). Via de regra, forma-se uma gigantesca aliança -- por vezes abalada (ex., em aumentos de impostos) -- mas sólida o suficiente para enfrentar qualquer resistência.
O que Yeda fez foi romper com o pacto político da direita conciliatória. Não como Olívio, por óbvio, que foi para a extrema esquerda. Mas em um sentido diferente.
Primeiro, pela sua personalidade extremamente autoritária, Yeda foi aos poucos se incapacitando para o diálogo. Pessoa que visível difícil trato e impregnada de estrelismo, acabou se indispondo pessoalmente com grande parte dos aliados. (Yeda chegou a ensaiar um acordo com o núcleo de poder, mas fracassou.)
Segundo, porque Yeda cometeu um erro político-estratégico: acreditou que o setor do empresariado, representado ainda precariamente pelo DEM (a direita empresarial ainda perde para a direita rural do PP no RS -- a derrota de Britto é a prova), seria capaz de sustentá-la no Governo. O golpe pessoal - e Yeda não hesita em o tratar como tal -- de Paulo Feijó desarticulou, ao mesmo tempo, toda estratégia política da Governadora. Mantendo uma inesperada coerência, Feijó rompeu com Yeda e quebrou suas pernas.
Eugenio Raúl Zaffaroni nos ensina, há muito tempo, que, quando o sistema penal foge do flanco seletivo em relação à sua clientela tradicional e cai sobre os poderosos, estamos diante do fenômeno da "falta de cobertura". É exatamente isso que está ocorrendo no RS. É óbvio que a corrupção não aumentou drasticamente, o que está ocorrendo é uma dupla falta de cobertura de Yeda. De um lado, pela presença do PT no Governo Federal, que não tem, por óbvio, nenhuma boa vontade em esconder ou evitar investigações contra o Governo do Estado. De outro, a Governadora desafiou -- e perdeu -- várias vezes para esse verdadeiro núcleo de poder que governa o RS há muito tempo. Ao usar o autoritarismo e adotar até algumas medidas elogiáveis (se desfez de uma pilha significativa de CCs), Yeda desestrututou o pacto fisiológico que estava em vigor no RS, fazendo cair sua cobertura pelos "conciliadores" da direita.
Não é coincidência que é justamente nesse momento que a Zero Hora volte a falar dos "radicalismos" e da necessidade de "conciliação". Com esse movimento "pacificador", a ZH avoca para si a glória do consenso e faz retomar o poder o grupo que tradicionalmente governa o RS, apenas trocando a cabeça de chapa. Ao mesmo tempo, isola a esquerda enquanto "radical" e defenestra a Governadora, cuja atuação política é deplorável. A cautela do movimento se deve a um temor em relação ao avanço da esquerda caso os ataques à Governadora passem certo limite. Por isso, a estratégia é oscilante, ora noticiando escândalos, ora os suavizando. Ao mesmo tempo, nossa mídia local planeja, sem dúvida alguma, a ascensão de uma "terceira via", provavelmente nas figuras de José Fogaça ou Germano Rigotto.
Que lê somepills sabia que isso iria acontecer. Basta consultar os arquivos, digitando "Yeda", e ver que desde o início minha análise sempre foi essa.
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