POR QUE A EDUCAÇÃO NÃO FUNCIONA?ESTÁ EM VOGA A DISCUSSÃO sobre a "educação". Até nosso jornaleco neocon anda publicando artigos sobre o assunto. Todos se lamentam pelo "desrespeito à autoridade do professor", pela "ausência de limites" e pelas notas baixas dos alunos. Dito de outra forma: por que a educação não funciona?
A primeira observação, emergencial e inarredável, é o fato de que o professor ganha muito mal no Brasil. O professor de ensino médio, então, é simplesmente humilhado. Ganhando cerca de mil reais, é impossível adquirir livros, ir ao cinema, vestir-se adequadamente, cuidar do seu físico. Supondo que o professor resolva estudar Heidegger: "Ser e Tempo" custa mais de R$ 100,00, ou seja, 1/10 do seu salário por apenas um livro. Se quiser comprar "Os conceitos fundamentais da metafísica - Mundo - Finitude - Solidão", tem que pagar mais R$ 50,00. E como esse professor vai poder ir ao cinema para comentar com alunos exemplos que os interessem? Na realidade, estamos formando professores sem cultura. E não por preguiça, mas por insuficiência de recursos. Um professor, para agüentar o "aluno-problema", tem que estar de bem consigo mesmo, auto-estima boa. Como alguém que é humilhado todos os meses pelo seu salário pode estar assim?
Nada é mais hipócrita que o um jornal que vive defendendo "enxugamento da máquina pública" ou fazendo editoriais contra o "Estado gastador" querer entender o porquê de a educação não funcionar. Quem se dispõe a ganhar tão pouco como ganham os professores podendo ganhar dez vezes mais em outra profissão? Sem aumento salarial da categoria dos professores, não existe como a coisa melhorar. O professor precisa ter dinheiro para livros, cinema, música, teatro, cafezinho, academia, alimentação boa, roupas bonitas. Sem isso, ele é desmoralizado pela sociedade e, por vezes, pelos alunos.
Segundo ponto: a ética da educação é anacrônica. Não vivemos mais no mundo da "ordem e disciplina". A palmatória e o castigo -- que muitos leitores gaúchos adorariam que fossem retomados -- não valem mais. E morreram mingüando, por insuficiência própria. É um impulso moderno não aceitar a "autoridade" do professor. O professor se impõe pelo argumento, não pela autoridade. Se ele não sabe mostrar para o aluno que ele não sabe a matéria, é melhor desistir do magistério. Mas, antes, é preciso que melhoremos as condições, para ver quem não tem condições e quem simplesmente não tem recursos. Por isso esse discurso de gestão é burro e tenta colocar a culpa pela falha no ensino no que não é a raiz do problema. O problema é professor humilhado, não o professor ineficiente. Discurso tecnocrático para governantes cínicos, como José Serra e Yeda Crusius.
O ensino precisa de outra ética. Não mais a "ética da autoridade e da disciplina", tal como colocam nossos conservadores burros gaúchos (e mais que em qualquer outro Estado do país). Mas uma ética da alteridade. Comecemos por ouvir os alunos, esses que ficam de fora da "ordem do discurso" acerca das escolas. O que eles querem? O que eles pensam? Será que se iniciarmos o diálogo não teremos resultados melhores? Quanta arbitrariedade e violência não está acobertada sob o rótulo de autoridade? E se, por vezes, são violentos, por que não iniciar um diálogo e, com isso, suspender essa violência (que é protopalavra)? Esses que estão na escola e são violentos são normalmente aqueles que estão na franja mais marginal da sociedade, passam por uma série de dificuldades. Dá para recortar e dizer só que eles são malvados? Ou botar um policial em cada sala de aula para prendê-los? O professor precisa ensinar a respeitar a alteridade, não a autoridade. Inclusive a alteridade própria do professor.
Enquanto a matéria continuar reproduzir o discurso de violência da autoridade e disciplina, estamos fadados ao fracasso. O professor vai continuar perdendo -- sempre -- para o rock'n'roll e o hip hop. O professor será o "careta". Enquanto ele não entender como se articula o "mundo" adolescente, ele não conseguirá falar com o adolescente. E continuaremos com o fracasso da educação.
(Volto outra hora para continuar.)
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