Mox in the Sky with Diamonds

sexta-feira, novembro 30, 2007

SER LATINO-AMERICANO É UM DESAFIO







Eu não gostaria de ser venezuelano. Nem boliviano. Nem equatoriano. Porque, de um lado, eu teria pessoas vivendo em condições degradantes, sendo espoliadas pelas elites há 500 anos, sendo roubadas, ignoradas, escravizadas, tratadas como lixo, com plena indiferença. De outro, ditadorzinhos meio perdidos, apoiando-se em modelos caudilhos, falando bobagem e pregando doutrinas com cheiro de mofo.
Eu não gostaria de ter que decidir entre apoiar um líder patético, como Chavez, que tenta se perpetuar no poder, ou estar em uma manifestação ao lado de plutocratas que espoliam a população há alguns séculos e só estão interessados em manter suas riquezas. É optar entre estar ao lado de um ou de outro canalha.
As elites latino-americanas cheiram a podre, talvez esse seja nosso maior problema. Se instalaram para roubar, jamais se preocuparam com a população pobre e agora pagam o preço, que conseguiram evitar durante alguns anos com ditaduras sangrentas.
Nós, do Direito, temos idolatria às formas liberais do Estado. Eu mesmo tenho -- é fato. Mas não podemos também deixar de visualizar a situação de absoluto desespero de certas pessoas que vivem no limiar entre a vida e a morte. Para essas pessoas, não importa se o Governo tem três poderes, se há alternância no poder, ou coisa do gênero -- interessa comer, ter saúde, um lugar digno no mundo. Esses são zoé, não chegaram ao ponto de ser bíos. São os que Dussel [e isso é a única coisa que gosto de Dussel] não conseguem chegar ao diálogo: emitem uma "proto-palavra".
Ser latino-americano é, por isso, ter que olhar para o Norte e observar Estados organizados, discussões entre Habermas e Rawls, e perceber que não atingimos ainda, por um lado, estruturas sociais sólidas a ponto de começarmos esse tipo de discussão. Podemos aprender muita coisa com esses filósofos -- com Rawls, por exemplo, como pagar o funcionalismo público; com Habermas, como tentar uma emancipação sem assistencialismo -- mas ainda falta muito.
Vejam o caso dos ônibus que Hugo Chavez freta para "seus" manifestantes. Um liberal vê isso como o ato mais escroto que pode existir. Eu talvez gritasse "no a los autobuses", como fazem estudantes na Venezuela. Mas será que esses homini saceres -- essas "vidas nuas" -- teriam outra forma de comparecem à praça pública e gritar por alguém que os tirou da indiferença absoluta?
O caminho mais fácil, sem dúvida alguma, é o niilismo político. É simplesmente ignorar a realidade latino-americana, tachando todos os políticos de idiotas, as elites de podres e o povo de irrecuperável ou oprimido. Confortável, não?
Eu, no entanto, simplesmente me recuso a me tornar cínico. Os cínicos são combustível da direita. O conservadorismo se alimenta dos desencantados. Não existe neutralidade; quem está na vida, no tempo, na existência está em permanente decisão, como queriam pensadores como Rosenzweig, Levinas e Sartre. Não posso constatar essa realidade e permanecer de braços cruzados. Omitir já é fazer alguma coisa.
Por isso, apesar de infinitas restrições, acredito que o modelo brasileiro é o melhor que vem sendo seguido na América Latina. Embora não chancele em absoluto o Governo Federal do ponto de vista ético, quando se mostra exatamente igual aos que lhe antecederam, o que é uma lástima, uma vergonha, um fato desesperador, do ponto de vista político acredito que Lula fornece o melhor modelo; aliás, o menos pior. É difícil admitir isso [já foi fácil], mas tenho que me posicionar de alguma forma. Ficar esperando Habermas ou Rawls na América Latina não vai me levar a lugar algum. Nós não temos a sociedade minimamente organizada da qual eles partem.
Que um governante de esquerda devesse ir "muito mais longe" que Lula, me parece óbvio. Em todo caso, meu "ir mais longe" é provavelmente muito diferente do que o de 95% dos esquerdistas de base marxista. Talvez, da próxima vez, escreva sobre isso.



Trilha sonora do post: Low, "Violent Past".

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quarta-feira, novembro 28, 2007

FISICALISMO SIM

Vejam o seguinte artigo publicado na Folha de São Paulo:



O seqüestro do espírito
MILTON R. MEDRAN MOREIRA

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Quem disse que o espírito é propriedade da religião? Antes desse apossamento, a filosofia cuidara dele com melhor competência
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A QUESTÃO do aborto é tormentosa porque mexe com uma profunda angústia humana: não temos ainda um conceito definitivo de vida.
É verdade, não faz muito tempo, realizamos grande façanha, mapeando os genes humanos. Deciframo-nos biologicamente, mas ainda não fomos capazes de decifrar o enigma da vida.
Seu conceito reclama um enfoque multidisciplinar e, se uma síntese um dia for possível, necessariamente será fruto de amplo acordo entre a ciência e a filosofia. Um feito bem mais importante do que o festejado mapeamento do genoma humano.
Podemos dizer que todas as nossas inquietações em torno da vida e da morte derivam desse vácuo, do fosso de ainda não nos havermos decifrado.
Dois mil e quinhentos anos pós-Sócrates, não fomos capazes de atender sua conclamação de conhecermos a nós mesmos.
O início e o fim do que convencionamos chamar vida, para efeitos biológicos e jurídicos, nem sempre têm fechado com aquilo a que nossas experiências e perquirições filosóficas nos têm conduzido. Legitimamente, permitimo-nos ajuntar outros fatores ao conceito de vida que extrapolam o campo da biologia e não são levados em conta pelo direito positivo.
Faz bem em desconhecê-los o direito. Não lhe restou outro caminho. A modernidade colocou-nos num terrível dilema. Tendo ela sucedido a um longo período em que a filosofia se tornara serva da teologia, o homem moderno precisou optar entre o conhecimento científico, provisório e mutável e os dogmas impingidos como definitivos e imutáveis. A vida, assim, se dicotomizou no sagrado e no profano. Nesse partilhamento, as questões do espírito passaram ao domínio da religião, e as da matéria, em que aparentemente se situa a vida, foram confiadas à gestão da sociedade politicamente organizada.
Estavam demarcados os dois campos em que se movimenta a modernidade: a visão religiosa e a secular. Mas quem disse que o espírito é propriedade da religião? Muito antes desse apossamento, a filosofia cuidara dele com melhor competência.
Há na história do pensamento uma rica tradição filosófica, iniciada com Sócrates e Platão e que fluiu, na modernidade, com o pensamento de filósofos idealistas. Nela, cuida-se da realidade humana justamente a partir do espírito e se sintetiza nele a mais íntima e ampla identidade humana. Aí estão Kant, Schopenhauer, Leibniz, Espinosa e tantos outros. Na literatura, fizeram-lhes coro Shakespeare, Victor Hugo e muitos mais.
Por que desprezar essa contribuição? Por que a falta de coragem de enfrentar o materialismo científico pós-moderno, permitindo-nos indagar sobre o homem a partir daquilo que lhe é mais real, vivo e concreto: o espírito? Comodamente, tachamos tudo o que a ele se refere como coisas da religião, pertencentes aos imperscrutáveis domínios da fé. No século 19, atento a essa tendência, um pedagogo francês propôs a realização dessa síntese no que denominou espiritismo. No Brasil, a proposta encontrou excelente ressonância, mas não deixaria de sucumbir à avassaladora dicotomização a que se submeteu toda a realidade humana.
Como tinha de escolher um lado, assumiu a condição de religião. Perdeu com isso. Sempre que temas tão importantes, como o do aborto, vêm à baila, é levado de roldão a associar-se às atitudes mais retrógradas e fundamentalistas na suposição de que essa é a melhor companhia para seus postulados filosóficos em defesa da vida.
Não é. O espírito, como realidade fundamental, sugere atitudes de humanismo que não se compatibilizam com os dogmas religiosos. Leva, por exemplo, a admitir que, no processo de gestação da vida biológica, podem se contrapor direitos naturais de diferentes sujeitos, como a gestante e o nascituro. E que não é justo sacralizar os de um em detrimento dos do outro.
Como o faz a fé.
Não só entre os espíritas, mas disseminadas pela sociedade toda, pessoas orientam suas posições diante da vida a partir da realidade fundamental do espírito como entidade preexistente à vida física. Defendem que essa condição, diversamente do dogma religioso da criação da alma no momento da concepção, conduz a atitudes mais tolerantes e humanistas. Vislumbram no fenômeno da vida um processo dinâmico, teleológico, que, em qualquer circunstância e malgrado acidentes de percurso, conduzirá a um estágio de felicidade e plenitude a que todo indivíduo tem direito.
Mas os que assim pensam restaram condenados ao silêncio. Não são chamados a opinar sobre as grandes questões da vida. Porque o espírito foi seqüestrado pelo formidável conluio pós-moderno materialismo/religião.
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MILTON R.MEDRAN MOREIRA, 66, procurador de Justiça do Rio Grande do Sul aposentado e jornalista, é presidente da Confederação Espírita Pan-Americana. É autor de "Direito e Justiça, um Olhar Espírita".

É incrível que, apesar de todo avanço das neurociências, continuemos acreditando em "espírito" em sentido literal [melhor seria dizer, para evitar confusões: alma]. Fico pensando o que passa na cabeça dos espíritas e religiosos em geral quando a pessoa perde um pedaço do cérebro e, com isso, parte das lembranças e parte das capacidades humanas, como sentir emoção ou fazer operações lógicas. Parte do "espírito" já "subiu"? Não consigo entender.
A correlação entre "espírito" e "corpo", ou seja, o dualismo, é algo que já encontrou tratamento adequado em filósofos como Merleau-Ponty e, mais próximo dos nossos dias, temos o fisicalismo da filosofia da mente de Donald Davidson, conhecida como "monismo anômalo", que elimina a possibilidade de pensarmos a mente fora do corpo, algo que Rorty chama de fisicalismo não-redutivista.
Não existe "fantasma na máquina", pessoal!

Trilha sonora do post: Dinosaur Jr., "This is all I came to do".

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terça-feira, novembro 27, 2007

KAFKA VISITING BRAZIL

Alguns certamente vão achar excessiva minha tese sobre o estado de exceção e a vida nua no Brasil. Mas vejam essa reportagem. Percebam que a polícia -- que está se incumbindo, de antemão, em inocentar a Delegada que prendeu L. -- continua exclusivamente preocupada com o fato de L. ser, ou não, menor de idade. Ora, a questão é absolutamente irrelevante. Uma mulher, independente da idade, não pode ser colocada em uma cela com 30 homens. Com 15, 20, 25 ou 50 anos. Não importa.
Quando eu falo de vida nua, basta ver que L. passou pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário e, no entanto, mesmo assim continuou presa. Presa em uma prisão de homens. Contra todas as regras jurídicas. Regras expressas. Detalhe: L. cometeu furto.
Percebam que o Estado "está providenciando" solução para o problema das mulheres presas com homens. É incrível. Que cidadã é essa? Nada, vida nua exposta ao poder em um regime de exceção. A única solução digna de um Estado de Direito é liberar imediatamente toda e qualquer mulher presa com homens, se não houve cela feminina. Mas, no Brasil, algumas vidas valem menos que outras.


Delegado diz que menina presa com homens no PA mentiu a idade

Dois delegados envolvidos na prisão de uma adolescente de 15 anos em uma cela com homens em Abaetetuba (PA) prestaram depoimento nesta segunda-feira. Eles disseram desconhecer a real idade da menina e afirmaram que ela já havia sido presa outras vezes, como maior de idade. Segundo a delegada Liane Martins, responsável pelo inquérito administrativo que vai apurar a responsabilidade dos policiais, o delegado Celso Viana disse que foi a própria menina quem apresentou a informação sobre a data de nascimento. A delegada não soube informar o motivo pelo qual a garota mentiria sobre a idade."Isso é difícil a gente saber. E vai ser mais difícil ainda porque já que ela foi colocada nesse Programa de [Proteção à] Testemunha nós dificilmente vamos ouvi-la novamente. Então isso dificulta as investigações, mas não podemos fazer nada, temos que apurar com os dados que a gente tem", disse. Viana disse que ao ser detida, a menina estava sem documentos. Segundo ele, a jovem foi encaminhada para coleta de digitais, mas o Instituto de Identificação da Polícia Civil em Belém não enviou nenhuma resposta sobre o exame. O superintendente da Polícia Civil na região, Fernando Cunha, disse ter informado a Justiça sobre a prisão e afirmou que manteve o flagrante porque também não sabia que ela era menor de idade, já que ela havia sido presa outras vezes como maior, informou a delegada. "O fato é que já havia processo na Justiça contra ela, ela tinha sido ouvida por juízes e promotores e ninguém suscitou que ela era menor de idade". "Ela já tinha dois processos na Justiça, já tinha participado de audiências, o Ministério Público já tinha visitado a carceragem e visto que tinha uma mulher junto com os homens. Ela diz que avisou para o promotor que era menor de idade, mas ainda vai ser investigado porque o promotor não desconfiou que ela era menor", afirmou a delegada. A jovem foi presa por furto em 21 de outubro, e o caso foi denunciado às autoridades pelo Conselho Tutelar da cidade no dia 14 de novembro. Aos conselheiros tutelares, ela disse ter sofrido abuso sexual dos cerca de 20 presos da cela, que teve que fazer sexo com eles em troca de comida e que foi agredida --apresentava hematomas e marcas de queimadura de cigarro pelo corpo. A secretária-adjunta da Subsecretaria dos Direitos da Criança e do Adolescente, Márcia Ustra Soares, afirmou na semana passada que denúncias de que outras mulheres também sofrem com irregularidades nas cadeias da região serão apuradas.

Continua aqui.

YEDA DEVE ROMPER COM A BASE
Essa notícia não deixa dúvidas que o RS, diferentemente da maioria dos regimes "presidencialistas", é governado por outras forças há muito tempo. O Governo precisa "se articular" para evitar que aumentos salariais sejam aprovados.
Ninguém discorda que juízes e promotores devem ganhar bem e que o pedido de subsídio é legítimo. O problema é que servidores do executivo estão recebendo o 13ª salário por empréstimo bancário e não tem perspectiva de aumento nos próximos 3 anos. Convido os senhores juízes e promotores a refletirem sobre algo que deveriam ter aprendido na faculdade: chama-se justiça.
Yeda deve romper com a base aliada se esse aumento for aprovado. Cada vez que penso que estou a favor de uma pessoa que desprezo [politicamente], isso me causa náuseas. Mas é a realidade. Yeda deve de vez polarizar o Estado e trazer a sociedade civil para insurgência contra os privilégios existentes no Estado. É hora de sair do consenso e partir para o confronto. Acredito que se ela realmente assumir essa posição e pugnar pela revisão das folhas de pagamento poderá contar com apoio da mídia, de setores sociais e até do PT, comprando briga contra a elite do setor público do RS.
Vejam o texto:


Uma ameaça no horizonte

A mesma Assembléia Legislativa que negou o aumento de receita pretendido pela governadora Yeda Crusius com o pacote que aumentava o ICMS está para aprovar uma elevação das despesas de pessoal. Se o Palácio Piratini não conseguir recompor sua base na Assembléia, é iminente a aprovação dos quatro projetos que instituem a remuneração por subsídio para o Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria e a Procuradoria-Geral do Estado. Mesmo que o partido do governo, o PSDB, não dê acordo para colocar os projetos em votação, o plenário pode aprovar requerimento pedindo prioridade às propostas. A mobilização do Judiciário e do Ministério Público na Assembléia assustou o governo, que prevê aumento de R$ 293 milhões nos gastos com pessoal pelo efeito cascata da implantação do subsídio. Além dos quatro projetos que estão prontos para ir a votação, outras categorias vão pressionar para ter isonomia. Entre elas, os servidores da Fazenda, os delegados e os oficiais da Brigada Militar.

Mais aqui

YEDA LENINISTA

Mais engraçada que a esquerda comunista só a direita anti-comunista. Aqui Yeda virou "leninista". Tem coisa bizarra nesse mundo...
Pra não deixar a Governadora, que mentiu vergonhosamente nas eleições, sem crítica, vale apena ler esse post do ótimo blog "A Nova Corja". A propósito, o blog é o campeão de coletar fotos horríveis da Governadora...
CHAVEZ
Ia escrever alguma coisa aqui, mas fica a leitura desse excelente texto, do também excelete blog O Biscoito Fino e a Massa, sobre a polêmica, pois diz tudo que eu queria dizer. Favor deixar seus comentários aqui também.


Trilha sonora do post: Pavement, "Filmore Jive".

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segunda-feira, novembro 26, 2007

QUEM QUER ESTUDAR O CRIME TEM QUE ESTUDAR CRIMINOLOGIA


Vejam a notícia abaixo. Beleza. Nenhum problema.
Eu só gostaria de saber se eles também vão mapear o cérebro de quem comete sonegação fiscal, violência intra-familiar, evasão de divisas, corrupção no serviço público ou "gateia" a net do vizinho. Também vai ser engraçado explicarem a diferença entre homicídios no Brasil, na Espanha e na Suécia por problemas cerebrais.
É o problema de todas as perspectivas etiológicas: recusam enxergar a seletividade do controle penal e continuam procurando o "gene" do crime. Biólogos, ultrapassem a década de 70!



Estudo vai mapear cérebro de homicidas
Foto Jefferson Bernardes/Preview. com
M.C.Z., 18, com cinco passagens pela Fase, no seu alojamento
Projeto de universidades gaúchas examinará mais de 50 menores infratores para investigar base biológica da violência
Grupo vai analisar aspectos genético, psicológico, social e cerebral de adolescentes; secretário da Saúde do RS é um dos mentores do projeto
RAFAEL GARCIAENVIADO ESPECIAL A PORTO ALEGRE

"Eu estava sozinho na rua. Não tinha recurso. Ninguém queria me dar serviço. O que queriam me dar não dava dinheiro. Comecei a traficar, roubar, matar." A história de D.S., de 17 anos, interno da Fase (Fundação de Atendimento Socio-Educativo, antiga Febem gaúcha) parece ser comum entre as dos mais de 50 adolescentes homicidas que vão ter seus cérebros mapeados por um aparelho de ressonância magnética num estudo em Porto Alegre, no ano que vem.
Cientistas da PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul) e da UFRGS (Universidade Federal do RS) querem saber se o que determina o comportamento de um menor infrator é sua história de vida e se há algo físico no cérebro levando-o à agressividade.
"Algo que sempre foi negligenciado foi o entendimento da violência como aspecto de saúde pública", diz Jaderson da Costa, neurocientista da PUC-RS que coordenará os trabalhos de mapeamento cerebral. A idéia é entender quais pontos são mais relevantes dentro da realidade brasileira na hora de determinar como se produz uma mente criminosa.
Para isso serão avaliados também aspectos genéticos, neurológicos, psicológicos e sociais de cada pesquisado. Serão examinados dois grupos: um de internos da Fase e outro de meninos sem passado de crime, para efeito de comparação. O projeto vai olhar para questões sociais, mas o foco é mesmo o fundo biológico da questão.
"Estamos nos baseando em trabalhos que já existem mostrando que há um período crítico no início da vida e que se uma criança é maltratada entre o 8º e o 18º mês ela adquire comportamento alterado na idade adulta", diz um dos mentores do projeto, o secretário de Estado da Saúde do Rio Grande do Sul, Osmar Terra, aluno de mestrado de Costa. "Decidi no ano passado retomar a neurociência como uma opção de vida; minha opção não é fazer política até morrer", diz.
Cabeça de agressor
Para os cientistas, um ambiente de desenvolvimento inadequado pode mesmo "fabricar" um psicopata: pessoa que despreza regras de convívio social e é desprovida de sentimentos de empatia e afeto.
O papel do mapeamento cerebral por ressonância magnética na pesquisa é tentar entender a manifestação física de problemas como esse. O trabalho que inspira Costa nessa área é um artigo do grupo do neurocientista português António Damasio publicado em 1999. O estudo mostra que meninos que sofreram lesões no córtex pré-frontal -região do cérebro próxima à testa- tinham sérios problemas de sociabilidade após crescer.
"A aquisição de convenções sociais complexas e de regras morais se estabelece precocemente" , diz Costa. "Essas lesões podem resultar mais tarde numa síndrome parecida com a psicopatia." O cientista quer saber se, independentemente de lesões, meninos cronicamente violentos tenham atividade reduzida em alguma região do córtex pré-frontal, área cerebral ligada a tarefas mentais que envolvem juízo moral. "Não queremos que isso sirva como roupa sob medida para explicar todos os casos, mas pode explicar boa parte", diz.
Traumas e psicopatia
Na avaliação psicológica que complementará o estudo, três questionários serão aplicados. Um deles avalia se houve traumas na infância dos pesquisados, outro avalia o histórico de vida familiar e escolar. "Um terceiro tenta identificar se há ou não um traço de psicopatia ou comportamento violento extremo", explica Ângela Maria Freitas, psicóloga da PUC-RS que integra o projeto. O DNA dos meninos também será analisado.O projeto de Costa e Terra ainda está sendo analisado por um comitê de ética da PUC-RS, e os cientistas se dizem confiantes de que a aprovação sairá para início dos trabalhos em março de 2008. O custo da empreitada, avaliado por Terra em cerca de R$ 120 mil, será coberto com doações da siderúrgica Gerdau para a pesquisa, afirma o secretário da Saúde.
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PS: Mais uma coisa: vejam como os cientistas continuam presos no determinismo e, por conseqüência, no esquema sujeito-objeto. Heidegger, Norbert Elias, alguém nos ajude!
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Trilha sonora do post: Sonic Youth, "Sugar Kane".

domingo, novembro 25, 2007

O "ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO" NO BRASIL

Acredito que todos já devem saber do caso. Mas vai um relato pormenorizado publicado na FSP de domingo:
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"Todos sabiam que menina estava no meio dos homens"
Moradores dizem que jovem aproveitava proximidade da cela com a rua para pedir ajuda
Segundo tia de um dos presos que foi transferido após caso ser descoberto, população tinha medo de denunciar a situação
LAURA CAPRIGLIONE ENVIADA ESPECIAL A BELÉM (PA)
MARLENE BERGAMO REPÓRTER-FOTOGRÁFICA

Da rua em frente à delegacia de polícia de Abaetetuba, 130 km de Belém, tem-se visão ampla da carceragem, um galpão de 80 metros quadrados, três banheiros minúsculos e uma cela de segurança, separados da cidade livre apenas por um portão de grades enferrujadas.
Foi lá que, durante pelo menos 20 dias, uma menina de 15 anos, L., acusada de tentativa de furto, permaneceu encarcerada com mais de 30 homens, submetida a abusos sexuais, violência e estupros seguidos, que só tiveram fim no dia 15.
"Era um show isso daqui. Todo mundo sabia que a menina estava lá no meio daqueles homens todos, mas ninguém falava nada", disse uma mulher na delegacia, sexta-feira à noite.
"Antes de comer, os presos se serviam dela", lembra inflamada outra mulher, falando alto bem em frente à sala do delegado de plantão. Refere-se ao fato de os presos obrigarem a menina a praticar sexo como condição para lhe darem alimento."
Ela gritava e pedia comida para quem passava, chamava a atenção para si, e, como ela era conhecida por aqui, não dava para ignorar", afirma outra.
Nos bastidores do governo federal, em Brasília, existe a convicção de que o caso configura-se em uma das mais graves violações dos direitos humanos, uma ofensa ao Estatuto da Criança e do Adolescente, além de ferir os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres.
O mais constrangedor, porém, é que todo esse horror foi patrocinado por instituição do Estado (a Polícia Civil) comandada pela petista Ana Júlia Carepa, governadora do Pará.L. não poderia estar no sistema penitenciário, menos ainda sob acusação de tentativa de furto e, pior, presa entre homens. "Só se pode internar um adolescente por violência, grave ameaça ou prática reiterada de delito grave, o que não era o caso", diz a advogada Márcia Ustra Soares, 42, da subsecretaria de promoção dos direitos da Criança e do Adolescente da Presidência da República.
Os presos até que tentaram camuflar a presença daquele corpo estranho no meio de tantos homens. "Minha filha tinha cabelos lindos e encaracolados que iam até o meio das costas", diz a mãe biológica. "Cortaram o cabelo dela com um terçado [facão], para disfarçar que se tratava de uma menina. Cortaram é modo de dizer, escalpelaram a minha filha."
Mas não funcionou.L. continuou vestindo as roupas que usava ao ser presa -sainha curta e blusinha que deixava evidentes os seios adolescentes. Seu corpo mirrado, com menos de 1,40 m, tampouco permitia que ela fosse enfiada nas roupas de seus companheiros de cela.
A carceragem onde a menina ficou trancada agora está quase vazia -os homens presos que conviveram com ela foram todos removidos para penitenciárias próximas. Apenas um jovem de 19 anos, Landrisson André Santos Mauegi, acusado de tentativa de furto de uma bicicleta, estava detido no local na sexta-feira (ele foi parar lá depois da libertação de L.). A mãe de Landrisson, Maria Santos, 75, vai ao local todos os dias para levar sanduíches, cigarros e conforto ao seu caçula. Nem precisa passar pelo carcereiro. Basta esticar o braço.Se era tão flagrante a identidade feminina e quase infantil de L., por que ninguém denunciou antes? "Medo de morrer. Aqui todo mundo tem medo", diz a tia de um dos presos transferidos.
"Se a delegada põe uma menina na cela com os homens, e a juíza mantém ela lá, quem sou eu pra denunciar. Aliás, denunciar para quem?"A delegada a que se refere a mulher é Flávia Verônica Pereira, responsável pela prisão em flagrante de L. A juíza é Clarice Maria de Andrade.
No dia 14, finalmente, o Conselho Tutelar de Abaetetuba recebeu uma denúncia. Anônima. A delegada foi afastada de suas funções no dia 20 e a juíza está sendo investigada pela Corregedoria de Justiça. A Folha tentou sem sucesso contatar ambas por telefone na sexta.

quarta-feira, novembro 21, 2007

INTERROMPEMOS A PROGRAMAÇÃO


LADIES AND GENTLEMEN, I present you THE NATIONAL.


"Apartment Story", a melhor do magistral "Boxer".

terça-feira, novembro 20, 2007

MENOS MAL

Se o Grêmio parece ter desperdiçado a chance de classificar novamente para a Libertadores, ante a fraqueza do grupo, aparentemente o pior, que eu vinha cogitando, está afastado.
Mano Menezes é mesmo um cara sensacional. O problema da sua renovação era mesmo a presença de uma equipe reforçada na próxima temporada. É impressionante. Em pouco tempo, Mano será reconhecido como o maior treinador do país. É, disparado, muito melhor que Muricy. O único que realmente tem tarimba para competir com ele é Luxemburgo, pelo histórico, e Felipão. O restante não tem a mesma precisão na leitura do jogo nem o mesmo gênio tático. A atenção de Mano aos detalhes técnicos -- por exemplo, recentemente declarou que a baixa avaliação de Bustos se deve a ausência de jogadores que cavem faltas perto da área, como Blas Perez - e táticos não é normal. O cara é MUITO inteligente.
É difícil, estando nesse patamar, não ser arrogante com os burros da imprensa. O que tem de chutador nas jornais e rádios do RS é algo...
Quanto aos reforços gremistas, espero uma reformulação completa do meio pra frente, podendo se manter alguns bons jogadores, como Diego, Tcheco, Eduardo Costa. Alguns que já foram ótimos, caso do Sandro, estão no final do ciclo, visivelmente velhos ou desgastados demais. É dar um time pro Mano que ele é campeão da Copa do Brasil.
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"TORCIDA" -- OS PAULISTAS SÃO RIDÍCULOS
Qualquer pessoa que lê esse blog sabe que a última coisa que sou é bairrista. Critico e acho ridícula uma série de "conceitos" gaúchos, um monte de bobajada empilhada que cega o pessoal das verdades mais óbvias. Isso, no entanto, não me impede de criticar outros lugares.
Nada é mais ridículo do que o hábito paulista de vaiar a seleção. De vaiar os clubes. Enfim, de vaiar. Isso é patético. Não dá para a imprensa ficar dizendo -- e achando bonito -- que torcida vaiará a seleção. Quer vaiar, não vá ao jogo. Detesto esse espírito de porco secador que é, na verdade, a indignação bem parecida com o cara do "Cansei", tipo, "eu só me fodo, ninguém faz nada, todo mundo é incompetente, buuuuuu".
Torcida que vaia não é torcida. Isso, além de outras coisas, nós deveríamos aprender com os hermanos.
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E A EQUIPE
Como montar a Seleção? O pessoal que não vê futebol critica o Ronaldinho por estar jogando muito atrás e o Kaká muito na frente -- e o Robinho na ponta. Ora, é exatamente assim que eles vêm jogando nos clubes. Ronaldinho recua pra que Henry caia na esquerda, basta ver alguns gols nessa temporada do Barça para ver que ele está vindo de trás. Kaká é um segundo atacante no Milan desde a temporada passada. E Robinho, que não jogou absolutamente nada, vem pela esquerda no Madrid.
No entanto, não vem funcionando. O Brasil é constrangedoramente sem meio-campo. Talvez aquilo que pareça mais obceno -- que eu mesmo havia rejeitado -- comece a se impor: pensar em sacar Robinho do time e colocar mais um meio-campista, alguém como um Juninho Pernambucano para fazer a bola circular. Elano ou Diego seriam os jogadores do grupo para a função. Talvez até o Lucas caia bem por ali, podendo-se colocar outro volante que jogue mais que o Mineiro, já que a marcação se reforça.
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NOVIDADES
Alguns comentários no próximo post. Kings of Leon, Caribou, PJ Harvey, Apparat e Dinosaur Jr. Agora, só um aperitivo:



Kings of Leon, "Fans"


Caribou, "Melody Day"

domingo, novembro 18, 2007

PARA RELAXAR, 5 CALCINHAS MUSICAIS




Para começar, a rainha do pop-cabaré, Alison Goldfrapp, cantando seu electro "Oh Lah Lah".


Cat corta-pulsos Power, cantando a magnífica "Werewolf".


A geóloga nerd de Colorado, Laura Veirs, diamante do folk americano, cantando "Magnetized".


Um pouco de rock com Kim Deal, tocando "Divine Hammer" com as Breeders.


E, claro, não poderia faltar a melhor de todas: Beth Gibbons, cantando a música mais portisheadiana do seu álbum solo, "Funny time of year", em versão apocalíptica.

BÔNUS:


A bad girl britânica, que tocou terror até nos desbocados do Oasis, Amy Winehouse, destilando seu soul de raiz com "Back to Black".

sexta-feira, novembro 16, 2007

HIPOCRISIA NO PARLAMENTO GAÚCHO

O RIO GRANDE DO SUL passa por um processo semelhante ao que passou a Argentina há alguns anos. Acreditando-se superiores aos seus vizinhos latinos, os argentinos não viram a crise bater à sua porta e a esnobaram até que ela explodisse na sua cara. Os gaúchos, como os argentinos, também se acham superiores aos demais brasileiros e se negam a ver a decadência franca do Estado.
Jamais imaginei que assumiria posição a favor do Governo Yeda -- um governo de perfil ultra-conservador [talvez apenas o PP os batesse no quesito] -- mas é fato evidente que o RS precisa de um aumento de carga tributária. O déficit das contas públicas é absolutamente insuportável. Educação, segurança e saúde, os três dos quatro serviços mais essenciais do Estado, sofrem um processo de sucateamento absurdo, pois o que os sustenta -- policiais, professores, médicos, enfermeiros -- não recebem aumento salarial razoável há muito tempo.
Enquanto isso, a quarto serviço essencial, que eu não mencionei, a Justiça, recebe um tratamento totalmente privilegiado. Não que os servidores da justiça e juízes não mereçam o que recebem: é que, na distribuição dos recursos do bolo tributário, a diferença já é insuportável. Nada justifica que um oficial de justiça receba três, quatro vezes que um professor do ensino médio ou um policial militar. Simplesmente, não faz sentido.
O que existe, no entanto, é uma intensa blindagem corporativa que protege esses setores. Blindagem corporativa que abrange também Legislativo [incluído o Tribunal de Contas] e Ministério Público. Evidentemente [infelizmente tenho que esclarecer isso, pois sempre existe gente burra que não sabe ler] não estou tratando integrantes desses setores como corruptos ou algo do gênero. Seria incrível fazer isso, já que inclusive meus pais estão vinculados ao Poder Judiciário. Estou apenas enunciando fatos políticos que estão postos aí.
Essa blindagem corporativa é uma das razões do déficit monumental que tem o RS hoje em dia e que nenhum dos partidos conseguiu resolver no Governo. Não conseguiu porque não conseguiu derrubar a blindagem: o Parlamento é impermeável a esses problemas. A Assembléia simplesmente não quer resolver o problema.
Sucessivas leis imorais que resultaram em privilégios absurdos [p.ex., as "incorporações"] e decisões judiciais extremamente benevolentes que resultaram em benefícios previdenciários ridículos [caso das filhas solteiras, p.ex.] foram se somando ao ponto de tornarem-se dívida impagável do Estado. Atenção, não é preciso ser burro pra ser de esquerda: defender esse tipo de situação é confundir um discurso que defende a dignidade do servidor público com uma compactuação com o corporativismo e a imoralidade.
Ora, é óbvio que, ao lado de uma "moralização" da Administração Estadual, não há outra forma de resolver o problema senão por meio de um aumento de imposto. O dinheiro não cai do céu.
É legítimo que o empresariado não queira pagar a conta, embora os índices de sonegação não tornem os empresários os "santos" que posam para as fotografias. Sonegador também faz discurso no RS. E mais: os empresários sempre se queixam, mesmo que estejam pagando imposto justo para um Estado com índices de pobreza que o RS tem.
Cabe, entretanto, ao Parlamento a responsabilidade. São os políticos que têm que enfrentar o problema. Eles deveriam ter a coragem de encarar o ônus político do aumento de imposto, devido a uma sucessão de políticas que levaram o "Welfare State" gaúcho apenas aos bolsos do serviço público.
O que se tem, no entanto, é uma Assembléia que há muito se tornou um emaranhado fisiologista que só quer se manter no poder. Ressalvo apenas o parcela da oposição -- como PP e o vice-governador, que realmente acreditam que o liberalismo de mercado resolveria o problema -- e o PT, que não tem obrigação de votar com o Governo, como o DEM também não tem em âmbito federal, embora eu esperasse uma atitude mais elevada do PT, que participou do problema e poderia ter uma atitude mais responsável. Em todo caso, Yeda tinha a maioria do Parlamento a seu favor e prometera, nas eleições, não elevar impostos. É inviável depositar o ônus político na oposição.
A culpa é da base do Governo, que é composta -- como ficou claro -- por fisiologistas que não têm comprometimento com a coisa pública. Os problemas da educação, da saúde e da segurança dependem de servidores bem remunerados, como são os dos outros poderes, e isso só se resolve aumentando impostos, para combater o déficit e, aos poucos, ir reequilibrando as contas. Infelizmente, não há outra forma. Tanto não há que desde Collares se tenta isso. Mas, para a Assembléia, o problema não é dela, o problema é o próximo mandato e não a responsabilidade com a coisa pública.
É uma vergonha. A política gaúcha é uma vergonha. E nós, como os argentinos, vamos nos dar de cara logo com isso. Que os outros Estados riam de nós -- eles têm direito.

sábado, novembro 10, 2007

NO BRASIL, TUDO ESTÁ DE CABEÇA PARA BAIXO

Costumamos afirmar, com base na constatação do sociólogo francês radicado nos EUA Loïq Wacquant, que, a partir da década de 80, houve um recuo do Estado Social [Welfare State] em direção a um Estado Penal. Ou seja, que a política de integração e inclusão dos pobres foi substituída por uma política dura de encarceiramento massivo. Wacquant está falando das transições ocorridas nos países do Primeiro Mundo: do Estado Liberal ao Estado Social, deste ao Estado Penal.
Vou desenvolver isso melhor por aqui depois, mas posso adiantar que, no Brasil, nada disso se aplica.
É a referência ao filósofo Giorgio Agamben que nos importa. O Brasil não viveu nenhum dos três estágios: o que há é uma estrutura da cidadania distribuída a uma parcela da população e um grande estado de exceção, no qual a lei é suspensa e não existe cidadania.
Diante dessa confusão, que decorre da importação de modelos de análise que estão distantes da realidade brasileira, tudo que se quer é algo que explique o que está acontece.
Tropa de Elite é uma tentação ao fascismo. Quando, depois da exibição de filme, uma sucessão de assassinatos e torturas é aplaudida pela platéia, algo está errado. Quando, depois de vermos o Ônibus 174, o major do BOPE declara que não se arrepende de ter matado o jovem, cuja trajetória de vida acompanhamos, algo soa estranho. Ou, ao contrário, quando um traficante é aplaudido por ter assassinado um PM, tudo parece estar fora do lugar.
Alguma coisa está profundamente errada no RS e no Brasil. Está tudo de cabeça para baixo. Constatar isso - Sr. Cidadão de Bem -- é o primeiro passo para que possamos crescer.
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Quem quiser obter a minha explicação sobre o diagnóstico dessa conturbada situação está convidado a comparecer na PUCRS, quarta-feira à noite (14/11/2007), onde estarei participando de um seminário. Minha palestra tratará das relações entre o Direito Penal do Inimigo e dois pensadores que, se houver tempo, tentarei articular: Giorgio Agamben e Emmanuel Levinas.

quarta-feira, novembro 07, 2007

O JOGADOR QUE FALTA AO MADRID

O time do Real Madrid começa a reencontrar a consistência que lhe vem faltando desde a saída de Makelele, especialmente após a terrível derrota na Copa do Rei para o Real Zaragoza, que transformou o time dos "galácticos" em um fiasco permanente. Reformulado o plantel, com jogadores jovens e bons defensores, Bernd Schüster parece estar dando consistência ao time, apostando naquilo que sempre foi sua característica [exigida pela "aflición"]: a posse de bola. O Madrid é um time de posse de bola, precisa dela o tempo todo, agredindo o adversário.
O problema do Madrid é que o seu jogador central, nesse caso, tornou-se Guti. Guti, como já disse aqui várias vezes, é um ótimo jogador: tem bom passe, distribui bem o jogo e dá excelentes assistências. Mas está longe de ser um armador de primeira linha. Não está no nível de jogadores como Lampard, Ballack, Gerrard e outros. Sem falar do antigo dono da posição no próprio Madrid, Zizou. Guti não é a "naba" que os brasileiros costumam apostar, mas também não é um jogador que possa ser central na equipe. Marcado, não faz nada. Assim, o meio-campo do Madrid continua confuso. Inicialmente, achei que o Paulo Calçade implica demais com o Sneijder, que tinha surpreendido positivamente no início do ano. Porém o holandês, de fato, vem tendo pífios desempenhos.
O jogador que falta ao Madrid está disponível no mercado internacional, e provavelmente nem custa muito caro: Riquelme. Ele é a engrenagem que falta no meio madrilenho para que a posse de bola conquista se converta em jogada vertical em direção ao gol. É o articulador completo, o típico camisa 10 que falta ao Madrid. Com Diarra na primeira função, Gago na segunda e Riquelme articulando, Robinho, Raúl e Nistelrooy vão crescer muito mais. Riquelme é o Deco que falta ao Madrid. Só não enxergam os espanhóis nacionalistas que querem ver em Guti o craque que ele não é. Como opção de jogo, Guti é ótimo. E só.
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SIGUR RÓS, again
Ok, ainda não é o veridicto final. Mas, aparentemente, o Sigur Rós transformou-se em tudo aquilo que eu mais temia: uma banda chata pra caralho.
Os belíssimos cortes de navalha por guitarras reverberando em intensidade máxima nas ambiências etéreas que eram construídas ao longo das canções parecem ter sido deixados a segundo plano, e uma necessidade de maior concisão parece ter tornado o complexo som da banda meio infame, dando ênfase aquilo que é mais modorrento: o vocal. "Salka", a faixa que abre o álbum, é tudo que eu não gosto em Sigur Rós. Não tem climatização, guitarras, viagens. "Hljomálind", reconheço, dá um salto de qualidade. Mas o álbum não me passa emoção nem empolgação suficiente.
Aparentemente, o objetivo do Sigur Rós foi dar tchau ao pós-rock. Nesse caso, vão ter que comer ainda muito feijão para se transformarem em uma banda "pop". Quando o primeiro disco termina, com as inéditas, dá vontade de voltar a ouvir "All of a sudden I miss everyone", o belo álbum desse ano da banda de Austin Explosions in the sky. Me deixem com meu pós-rock, por favor.
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RAVEONETTES, não definitivo
O The Raveonettes foi um dos meus hypes que não colou. Eu realmente gosto dessa dupla dinamarquesa que faz um mix entre rock dos anos 50/60 e Jesus and Mary Chain. Acho muito bom o álbum "Chain Gang of Love" (2003), cheio daquelas paredes de guitarras que escondem suculentas melodias por baixo, e "Pretty in Black" (2005), essa sim definitivamente escancarado no negócio rock'n'roll, cigarros, velocidade, jeans apertado, Elvis. Algumas canções memoráveis como "Red Tan" e "Love in a trashcan" são boas afú.
O novo álbum, "Lust Lust Lust" não me impressionou na primeira audição. Pareceu um pouco o retorno da influência dos irmãos Reid, com as paredes de Psychocandy, mas um pouco mais do mesmo demais. Vamos aguardar, no entanto. Falta uma audição atenta. O FATO é que "Aly, walk with me" é absolutamente deliciosa, uma das músicas do ano no seu riff tradicional e baixo pegado. Do meio pra frente, é uma parede gigantesca que invade a música.
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Trilha sonora do post: The Raveonettes, "Lust".

segunda-feira, novembro 05, 2007




O DÍPTICO DE CLINT EASTWOOD

Clint Eastwood já atingiu o status de um dos melhores diretores da atualidade, com seus recentes e ótimos "Sobre Meninos e Lobos" (2003) e "Menina de Ouro" (2004). Longe da pieguice típica de pelo menos 70% do que vem de Hollywood, seus filmes costumam ter um conteúdo humano autêntico, algo fora da produção massiva, um certo transpirar de realidade.
"Cartas de Iwo Jima" (Letters from Iwo Jima) e "Conquista da Honra" (Flags of our fathers), ambas produções de 2006, formam um díptico que aborda o conflito EUA/Japão durante a II Guerra Mundial, abordando, sob as duas lentes distintas, a batalha de Ilha de Iwo Jima.
Cartas de Iwo Jima é detalhista, respeitoso, perfeitamente adequado ao que imagino tenha sido o cenário nipônico naquela ocasião. O conflito intercultural de certos "assimilados", encantados com a cultura ocidental que mais tarde irá integrar a cultura japonesa, a delicadeza das descrições -- evitando o reducionismo --, o impacto da visão dos milhares de navios norte-americanos que traziam a certeza da morte, assim como, em um cenário de guerra total, o vislumbre do Rosto do Outro*, aquém de todos estereótipos, que desperta a relação humana e mostra a brutalidade estúpida da guerra -- tudo isso é tratado com maestria pela direção lenta, cautelosa e paciente de Clint Eastwood, que não deixa escapar nada. Assim como Sergio Leone, que o dirigiu tantas vezes, Clint não acelera o que não deve ser acelerado, deixa transcorrer calmamente a película exibindo as veias e vísceras do conflito.
A Conquista da Honra não tem o mesmo brilho de seu co-irmão japonês [é, até agora, a película mais fraca de Clint]. Enquanto Cartas expõe a nu a preparação para batalha, A Conquista não se prende em demasia na Guerra propriamente dita, passando mais pelo drama psicológico de "heróis" de guerra que não conseguem se ver como "heróis". O desenvolvimento lento -- e propositalmente cansativo -- parece querer passar ao espectador a sensação de tédio, repetição e artificialidade da turnê que os soldados são obrigados a percorrer em busca de recursos para a Guerra.
Ambos filmes, no entanto, formam um díptico cujo tema principal é de que a guerra não é algo belo, o vencedor não é um herói e o perdedor não é um inimigo. A todo momento, os retratos desenhados cuidadosamente por Clint parecem sinalizam uma imagem que transborda dessas classificações, formando um todo humano de angústia e drama. O evento guerra e seus protagonistas são, por isso, constantemente empurrados contra a banalização.

* Aliás, depois lendo que o roteiro co-escrito por Paul Haggis, vejo como essa temática do encontro humano que transcende os esterótipos está arraigada nesse roteirista, algo de que havia falado no seu Crash (2005).


EU AVISEI

Há poucos posts abaixo, avisei que havia acendido a luz vermelha em relação ao Tricolor. As derrotas perante Atlético-PR e Figueirense tornaram a classificação à Libertadores praticamente impossível. O que deve fazer o Grêmio?
Antes de tudo, não incorrer no mesmo erro dessa Temporada. É preciso planejar, de antemão, quem será o time. Contratar pelo menos dois meias e dois atacantes é, desde já, imperativo. Conversar com os descontentes na Europa -- é olhar os Brasileirões de 2004, 2005 e 2006 e ver quem foram os destaques -- e já iniciar a negociação. Contratar mais um zagueiro -- com Teco, William e Léo estamos bem servidos. Os laterais vamos ter que refletir: Bustos não vem dando boa resposta, mas Patrício não é solução; e talvez apostar nos garotos Bruno Telles e Anderson Pico na temporada que vem seja uma boa. Volantes estamos bem servidos: Eduardo Costa, Sandro, Gavilán e Labarthe. Temos ainda Tcheco e Diego [que acho que não fica] para as funções. Os reforços devem vir do meio pra frente.
E também um goleiro. Saja é um grande cara, de ótimo caráter, excelente para o grupo, mas deixa a desejar. Falha muitas vezes, embora não tome muitos frangos, parece ter os braços curtos. Não dá.
É investir para a Copa do Brasil do ano que vem que nos coloca, desde o primeiro semestre, direto na Libertadores 2009.

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SIGUR RÓS
Primeira impressão [primeira mesmo] de "Hvarf/Heim" (2007): não ata a botina de "Takk" (2004).
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Trilha sonora do post: Sigur Rós, "Heysátan" (live).

quinta-feira, novembro 01, 2007

REPORTAGEM E DEPOIS COMENTÁRIO

FOLHA DE SÃO PAULO, 01/11

Madri condena terroristas a 43 mil anos
Sete foram absolvidos no julgamento de muçulmanos que explodiram trens suburbanos em 11 de março de 2004, matando 191
Um dos absolvidos era visto como cérebro da operação, mas juízes derrubaram uma prova baseada em tradução ruim de conversa em árabe
DA REDAÇÃO

A Justiça espanhola condenou ontem três terroristas islâmicos a 42.924 anos de prisão pelo atentado de 11 de março de 2004, em que a explosão de trens de subúrbio em Madri matou 191 pessoas e deixou 1.800 feridas. Sete réus foram absolvidos, e 18 outros condenados a penas menores, de no máximo 23 anos.As sentenças superlativas têm um valor apenas simbólico, já que a legislação penal espanhola limita a 40 anos o período em que um sentenciado pode permanecer na prisão.O tribunal também decidiu que os feridos receberão indenizações de 30 mil (R$ 76.500) a 1,5 milhão (R$ 3,8 milhões), dependendo da gravidade das lesões.Um dois absolvidos foi Rabei Osman Sayed Ahmed, também designado como "Mohamed, o Egípcio" e apontado pela mídia como coordenador do atentado. Ele já cumpre na Itália pena de oito anos por filiação a grupo terrorista islâmico.A prova contra Rabei Osman era um telefonema em que ele, da Itália, conversava em árabe com dois outros suspeitos. A primeira tradução da conversa indicava que transmitia ordens precisas. Mas duas traduções posteriores, aceitas pelos juízes, demonstravam que no fundo não era bem assim.O suposto terrorista acompanhou o julgamento por teleconferência, de Milão. Chorou ao saber que fora absolvido."Cérebro" desconhecidoUm dos magistrados que participou da instrução disse à Associated Press ser impossível saber quem foi o verdadeiro "cérebro" da operação, e que esse terrorista provavelmente estava entre os sete homens que se explodiram em suicídio coletivo, num apartamento cercado pela polícia, três semanas depois dos atentados.Os três réus que receberam as penas mais pesadas são os marroquinos Jamal Zougam e Othman Gnaoui e o espanhol Emilio Suarez Trashorras. O primeiro havia sido acusado de colocar ao menos uma das bombas, o segundo, de ser um dos coordenadores da operação, e o espanhol, de ter providenciado os explosivos deixados em 13 mochilas e detonados por telefones celulares.Quatro outros indiciados no processo, Youssef Belhadj, Hassan el Haski, Abdulmajid Bouchar e Rafa Zouhier, foram considerados inocentes de homicídio e culpados por crimes menores. Um deles, Bouchar, teria sido visto num dos trens atingidos pouco antes das explosões, mas nenhuma testemunha confirmou sua presença, e não havia impressões digitais ou provas concretas.O fato de os promotores não terem conseguido a condenação de todos os réus criou entre familiares das vítimas e círculos da oposição conservadora a impressão de impunidade.Protesto dos parentes"As sentenças foram frouxas e não me agrada a idéia de ver assassinos em liberdade", disse Pilar Manjon, cujo filho de 20 anos está na lista dos mortos. "Não sou juíza nem advogada, mas tudo isso é vergonhoso e ultrajante", afirmou Isabel Presa, que também perdeu um filho. "Há bem poucos condenados por um crime tão horroroso", disse Eutequi Gutiérrez, parente de outro morto.No campo político, o premiê socialista, José Luis Rodríguez Zapatero, saiu fortalecido, na medida em que o Judiciário assegurou não existir vínculo entre os terroristas islâmicos e o ETA, grupo separatista basco. A versão do envolvimento do grupo, mesmo em auxílio logístico, era defendida pelo PP, o principal partido de oposição -que na época do ataque estava no governo. Nos últimos três anos, o PP criticou as tentativas de negociação do governo com o braço político do ETA.Reação americanaEm Washington, o porta-voz do Departamento de Estado, Sean McCormack, disse que seu governo "mantém relações muito fortes com a Espanha no combate ao terrorismo". "Já houve oportunidades em outros países em que a sentença para atos terroristas não foi aquela que desejávamos."
Com agências internacionais
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Jornais de dentro e de fora da Espanha têm visões divergentes sobre sentenças
JOÃO BATISTA NATALIDA REPORTAGEM LOCAL

Dependendo do ângulo político, foram dois, e não apenas um, os julgamentos dos indiciados pelo atentado de 2004 nos trens de Madri. Um dos ângulos é representado pelo "El País", de centro-esquerda e que apóia o primeiro-ministro, José Luis Rodríguez Zapatero."Nenhuma prova aponta o ETA", dizia a manchete de sua edição eletrônica, em referência ao grupo separatista basco que, antes do atentado islâmico de 2004, exercia o monopólio do terrorismo espanhol.O ataque aos trens ocorreu às vésperas das eleições legislativas em que o PP (Partido Popular), conservador, era favorito. Os terroristas muçulmanos se vingavam da participação espanhola na invasão do Iraque. O então premiê, José Maria Aznar, tentou envolver o ETA, mas conseguiu apenas por algumas horas. A polícia identificou os simpatizantes da Al Qaeda, e os socialistas de Zapatero ganharam a eleição.O outro ângulo do julgamento foi dado pelo "El Mundo", jornal próximo do PP. Sua manchete era de que o atentado de Madri ficou sem um mentor intelectual, uma crítica à decisão de inocentar o suposto cérebro da operação.Mariano Rajoy, atual líder do PP, disse que apoiaria uma reabertura do processo, diante da não-condenação dos idealizadores da carnificina.Fora da Espanha também surgiram leituras diferentes. Em Paris, o "Le Monde", simpático aos socialistas espanhóis, dá a entender que o Judiciário cumpriu seu papel: "Três principais acusados são condenados à pena máxima".Em Londres, o conservador "Times" exprime a lógica da oposição. Dá título para a absolvição do "cérebro", sem levar em conta que a única prova contra ele era frágil.Nos EUA, o "New York Times" destacou em título que sete réus foram absolvidos. Com o terrorismo incorporado à cultura jornalística, isso é mais importante que a existência de 29 réus e os milhares de anos a que três deles foram condenados. A CNN, na internet, vai na mesma direção. Em texto editorializado, assusta-se porque só três foram condenados por homicídio em massa e cita um especialista espanhol para quem havia evidências para condenar muito mais.A mídia americana tem dificuldades para explicar que a Espanha, como os demais 26 países da União Européia, não tem pena de morte.
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COMENTÁRIO
A decisão judicial espanhola abre um espaço para que possamos ver que é possível lidar com o terrorismo dentro do contexto democrático. A forma como a Espanha lidou com o 11/03 deve ser elevada ao patamar de exemplo mundial. Ao contrário dos EUA, que promoveu duas guerras a partir do 11/09 e mantém pelo menos três campos de concentração [Guantánamo e, segundo a Human Rights Watch, um no Iraque e um no Afeganistão], a Espanha, em primeiro lugar, tratou de eleger o candidato que se opunha à política bélica [eleição sensacionalmente virada por Zapatero contra Aznar] e, depois, julgar os culpados dentro das regras e limites do Estado de Direito.
A absolvição de alguns acusados é, ainda, o melhor fato. É sinal de que houve julgamento imparcial, de que tudo funcionou em conformidade com a normalidade institucional. Para mim, que estudo o Direito Penal do Inimigo, é fantástico verificar que a política dos EUA - claramente uma política criminal do Inimigo - não é a única alternativa.
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Trilha sonora do post: Interpol, "Wrecking ball".