REPORTAGEM E DEPOIS COMENTÁRIO
FOLHA DE SÃO PAULO, 01/11
A Justiça espanhola condenou ontem três terroristas islâmicos a 42.924 anos de prisão pelo atentado de 11 de março de 2004, em que a explosão de trens de subúrbio em Madri matou 191 pessoas e deixou 1.800 feridas. Sete réus foram absolvidos, e 18 outros condenados a penas menores, de no máximo 23 anos.As sentenças superlativas têm um valor apenas simbólico, já que a legislação penal espanhola limita a 40 anos o período em que um sentenciado pode permanecer na prisão.O tribunal também decidiu que os feridos receberão indenizações de 30 mil (R$ 76.500) a 1,5 milhão (R$ 3,8 milhões), dependendo da gravidade das lesões.Um dois absolvidos foi Rabei Osman Sayed Ahmed, também designado como "Mohamed, o Egípcio" e apontado pela mídia como coordenador do atentado. Ele já cumpre na Itália pena de oito anos por filiação a grupo terrorista islâmico.A prova contra Rabei Osman era um telefonema em que ele, da Itália, conversava em árabe com dois outros suspeitos. A primeira tradução da conversa indicava que transmitia ordens precisas. Mas duas traduções posteriores, aceitas pelos juízes, demonstravam que no fundo não era bem assim.O suposto terrorista acompanhou o julgamento por teleconferência, de Milão. Chorou ao saber que fora absolvido."Cérebro" desconhecidoUm dos magistrados que participou da instrução disse à Associated Press ser impossível saber quem foi o verdadeiro "cérebro" da operação, e que esse terrorista provavelmente estava entre os sete homens que se explodiram em suicídio coletivo, num apartamento cercado pela polícia, três semanas depois dos atentados.Os três réus que receberam as penas mais pesadas são os marroquinos Jamal Zougam e Othman Gnaoui e o espanhol Emilio Suarez Trashorras. O primeiro havia sido acusado de colocar ao menos uma das bombas, o segundo, de ser um dos coordenadores da operação, e o espanhol, de ter providenciado os explosivos deixados em 13 mochilas e detonados por telefones celulares.Quatro outros indiciados no processo, Youssef Belhadj, Hassan el Haski, Abdulmajid Bouchar e Rafa Zouhier, foram considerados inocentes de homicídio e culpados por crimes menores. Um deles, Bouchar, teria sido visto num dos trens atingidos pouco antes das explosões, mas nenhuma testemunha confirmou sua presença, e não havia impressões digitais ou provas concretas.O fato de os promotores não terem conseguido a condenação de todos os réus criou entre familiares das vítimas e círculos da oposição conservadora a impressão de impunidade.Protesto dos parentes"As sentenças foram frouxas e não me agrada a idéia de ver assassinos em liberdade", disse Pilar Manjon, cujo filho de 20 anos está na lista dos mortos. "Não sou juíza nem advogada, mas tudo isso é vergonhoso e ultrajante", afirmou Isabel Presa, que também perdeu um filho. "Há bem poucos condenados por um crime tão horroroso", disse Eutequi Gutiérrez, parente de outro morto.No campo político, o premiê socialista, José Luis Rodríguez Zapatero, saiu fortalecido, na medida em que o Judiciário assegurou não existir vínculo entre os terroristas islâmicos e o ETA, grupo separatista basco. A versão do envolvimento do grupo, mesmo em auxílio logístico, era defendida pelo PP, o principal partido de oposição -que na época do ataque estava no governo. Nos últimos três anos, o PP criticou as tentativas de negociação do governo com o braço político do ETA.Reação americanaEm Washington, o porta-voz do Departamento de Estado, Sean McCormack, disse que seu governo "mantém relações muito fortes com a Espanha no combate ao terrorismo". "Já houve oportunidades em outros países em que a sentença para atos terroristas não foi aquela que desejávamos."
Com agências internacionais
FOLHA DE SÃO PAULO, 01/11
Madri condena terroristas a 43 mil anos
Sete foram absolvidos no julgamento de muçulmanos que explodiram trens suburbanos em 11 de março de 2004, matando 191
Um dos absolvidos era visto como cérebro da operação, mas juízes derrubaram uma prova baseada em tradução ruim de conversa em árabe
DA REDAÇÃO
Sete foram absolvidos no julgamento de muçulmanos que explodiram trens suburbanos em 11 de março de 2004, matando 191
Um dos absolvidos era visto como cérebro da operação, mas juízes derrubaram uma prova baseada em tradução ruim de conversa em árabe
DA REDAÇÃO
A Justiça espanhola condenou ontem três terroristas islâmicos a 42.924 anos de prisão pelo atentado de 11 de março de 2004, em que a explosão de trens de subúrbio em Madri matou 191 pessoas e deixou 1.800 feridas. Sete réus foram absolvidos, e 18 outros condenados a penas menores, de no máximo 23 anos.As sentenças superlativas têm um valor apenas simbólico, já que a legislação penal espanhola limita a 40 anos o período em que um sentenciado pode permanecer na prisão.O tribunal também decidiu que os feridos receberão indenizações de 30 mil (R$ 76.500) a 1,5 milhão (R$ 3,8 milhões), dependendo da gravidade das lesões.Um dois absolvidos foi Rabei Osman Sayed Ahmed, também designado como "Mohamed, o Egípcio" e apontado pela mídia como coordenador do atentado. Ele já cumpre na Itália pena de oito anos por filiação a grupo terrorista islâmico.A prova contra Rabei Osman era um telefonema em que ele, da Itália, conversava em árabe com dois outros suspeitos. A primeira tradução da conversa indicava que transmitia ordens precisas. Mas duas traduções posteriores, aceitas pelos juízes, demonstravam que no fundo não era bem assim.O suposto terrorista acompanhou o julgamento por teleconferência, de Milão. Chorou ao saber que fora absolvido."Cérebro" desconhecidoUm dos magistrados que participou da instrução disse à Associated Press ser impossível saber quem foi o verdadeiro "cérebro" da operação, e que esse terrorista provavelmente estava entre os sete homens que se explodiram em suicídio coletivo, num apartamento cercado pela polícia, três semanas depois dos atentados.Os três réus que receberam as penas mais pesadas são os marroquinos Jamal Zougam e Othman Gnaoui e o espanhol Emilio Suarez Trashorras. O primeiro havia sido acusado de colocar ao menos uma das bombas, o segundo, de ser um dos coordenadores da operação, e o espanhol, de ter providenciado os explosivos deixados em 13 mochilas e detonados por telefones celulares.Quatro outros indiciados no processo, Youssef Belhadj, Hassan el Haski, Abdulmajid Bouchar e Rafa Zouhier, foram considerados inocentes de homicídio e culpados por crimes menores. Um deles, Bouchar, teria sido visto num dos trens atingidos pouco antes das explosões, mas nenhuma testemunha confirmou sua presença, e não havia impressões digitais ou provas concretas.O fato de os promotores não terem conseguido a condenação de todos os réus criou entre familiares das vítimas e círculos da oposição conservadora a impressão de impunidade.Protesto dos parentes"As sentenças foram frouxas e não me agrada a idéia de ver assassinos em liberdade", disse Pilar Manjon, cujo filho de 20 anos está na lista dos mortos. "Não sou juíza nem advogada, mas tudo isso é vergonhoso e ultrajante", afirmou Isabel Presa, que também perdeu um filho. "Há bem poucos condenados por um crime tão horroroso", disse Eutequi Gutiérrez, parente de outro morto.No campo político, o premiê socialista, José Luis Rodríguez Zapatero, saiu fortalecido, na medida em que o Judiciário assegurou não existir vínculo entre os terroristas islâmicos e o ETA, grupo separatista basco. A versão do envolvimento do grupo, mesmo em auxílio logístico, era defendida pelo PP, o principal partido de oposição -que na época do ataque estava no governo. Nos últimos três anos, o PP criticou as tentativas de negociação do governo com o braço político do ETA.Reação americanaEm Washington, o porta-voz do Departamento de Estado, Sean McCormack, disse que seu governo "mantém relações muito fortes com a Espanha no combate ao terrorismo". "Já houve oportunidades em outros países em que a sentença para atos terroristas não foi aquela que desejávamos."
Com agências internacionais
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Jornais de dentro e de fora da Espanha têm visões divergentes sobre sentenças
JOÃO BATISTA NATALIDA REPORTAGEM LOCAL
Dependendo do ângulo político, foram dois, e não apenas um, os julgamentos dos indiciados pelo atentado de 2004 nos trens de Madri. Um dos ângulos é representado pelo "El País", de centro-esquerda e que apóia o primeiro-ministro, José Luis Rodríguez Zapatero."Nenhuma prova aponta o ETA", dizia a manchete de sua edição eletrônica, em referência ao grupo separatista basco que, antes do atentado islâmico de 2004, exercia o monopólio do terrorismo espanhol.O ataque aos trens ocorreu às vésperas das eleições legislativas em que o PP (Partido Popular), conservador, era favorito. Os terroristas muçulmanos se vingavam da participação espanhola na invasão do Iraque. O então premiê, José Maria Aznar, tentou envolver o ETA, mas conseguiu apenas por algumas horas. A polícia identificou os simpatizantes da Al Qaeda, e os socialistas de Zapatero ganharam a eleição.O outro ângulo do julgamento foi dado pelo "El Mundo", jornal próximo do PP. Sua manchete era de que o atentado de Madri ficou sem um mentor intelectual, uma crítica à decisão de inocentar o suposto cérebro da operação.Mariano Rajoy, atual líder do PP, disse que apoiaria uma reabertura do processo, diante da não-condenação dos idealizadores da carnificina.Fora da Espanha também surgiram leituras diferentes. Em Paris, o "Le Monde", simpático aos socialistas espanhóis, dá a entender que o Judiciário cumpriu seu papel: "Três principais acusados são condenados à pena máxima".Em Londres, o conservador "Times" exprime a lógica da oposição. Dá título para a absolvição do "cérebro", sem levar em conta que a única prova contra ele era frágil.Nos EUA, o "New York Times" destacou em título que sete réus foram absolvidos. Com o terrorismo incorporado à cultura jornalística, isso é mais importante que a existência de 29 réus e os milhares de anos a que três deles foram condenados. A CNN, na internet, vai na mesma direção. Em texto editorializado, assusta-se porque só três foram condenados por homicídio em massa e cita um especialista espanhol para quem havia evidências para condenar muito mais.A mídia americana tem dificuldades para explicar que a Espanha, como os demais 26 países da União Européia, não tem pena de morte.
JOÃO BATISTA NATALIDA REPORTAGEM LOCAL
Dependendo do ângulo político, foram dois, e não apenas um, os julgamentos dos indiciados pelo atentado de 2004 nos trens de Madri. Um dos ângulos é representado pelo "El País", de centro-esquerda e que apóia o primeiro-ministro, José Luis Rodríguez Zapatero."Nenhuma prova aponta o ETA", dizia a manchete de sua edição eletrônica, em referência ao grupo separatista basco que, antes do atentado islâmico de 2004, exercia o monopólio do terrorismo espanhol.O ataque aos trens ocorreu às vésperas das eleições legislativas em que o PP (Partido Popular), conservador, era favorito. Os terroristas muçulmanos se vingavam da participação espanhola na invasão do Iraque. O então premiê, José Maria Aznar, tentou envolver o ETA, mas conseguiu apenas por algumas horas. A polícia identificou os simpatizantes da Al Qaeda, e os socialistas de Zapatero ganharam a eleição.O outro ângulo do julgamento foi dado pelo "El Mundo", jornal próximo do PP. Sua manchete era de que o atentado de Madri ficou sem um mentor intelectual, uma crítica à decisão de inocentar o suposto cérebro da operação.Mariano Rajoy, atual líder do PP, disse que apoiaria uma reabertura do processo, diante da não-condenação dos idealizadores da carnificina.Fora da Espanha também surgiram leituras diferentes. Em Paris, o "Le Monde", simpático aos socialistas espanhóis, dá a entender que o Judiciário cumpriu seu papel: "Três principais acusados são condenados à pena máxima".Em Londres, o conservador "Times" exprime a lógica da oposição. Dá título para a absolvição do "cérebro", sem levar em conta que a única prova contra ele era frágil.Nos EUA, o "New York Times" destacou em título que sete réus foram absolvidos. Com o terrorismo incorporado à cultura jornalística, isso é mais importante que a existência de 29 réus e os milhares de anos a que três deles foram condenados. A CNN, na internet, vai na mesma direção. Em texto editorializado, assusta-se porque só três foram condenados por homicídio em massa e cita um especialista espanhol para quem havia evidências para condenar muito mais.A mídia americana tem dificuldades para explicar que a Espanha, como os demais 26 países da União Européia, não tem pena de morte.
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COMENTÁRIO
A decisão judicial espanhola abre um espaço para que possamos ver que é possível lidar com o terrorismo dentro do contexto democrático. A forma como a Espanha lidou com o 11/03 deve ser elevada ao patamar de exemplo mundial. Ao contrário dos EUA, que promoveu duas guerras a partir do 11/09 e mantém pelo menos três campos de concentração [Guantánamo e, segundo a Human Rights Watch, um no Iraque e um no Afeganistão], a Espanha, em primeiro lugar, tratou de eleger o candidato que se opunha à política bélica [eleição sensacionalmente virada por Zapatero contra Aznar] e, depois, julgar os culpados dentro das regras e limites do Estado de Direito.
A absolvição de alguns acusados é, ainda, o melhor fato. É sinal de que houve julgamento imparcial, de que tudo funcionou em conformidade com a normalidade institucional. Para mim, que estudo o Direito Penal do Inimigo, é fantástico verificar que a política dos EUA - claramente uma política criminal do Inimigo - não é a única alternativa.
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Trilha sonora do post: Interpol, "Wrecking ball".