Mox in the Sky with Diamonds

segunda-feira, outubro 29, 2007


Foto: ZH por Fernando Lemos.

O Tolerância Zero é brasileiro e, agora, gaúcho


Jamais uma iniciativa de segurança pública teve tanto marketing quanto o programa de “Tolerância Zero”, levado a cabo pelo então Prefeito de Nova York e agora potencial candidato republicano à Presidência dos EUA, Rudolf Giuliani. O aspecto mais conhecido do programa é aquele que foi baseado na “Broken windows theory”, elaborada pelo Sr. James Murphy, na qual se prega que locais deteriorados (broken windows) instigam a prática de delitos. Com isso, extrai-se a conseqüência que deu nome ao programa: não se pode tolerar “pequenos” delitos, sob pena da prática disseminadas dos “grandes”.

Poucos sabem que esse programa também foi inspirado pelo livro “The Bell Curve”, um libelo racista que atribui a pobreza ou o fracasso econômico à pouca inteligência das classes baixas (mais ou menos como o cientista James Watson recentemente declarou), tudo financiado pelo rico Manhattan Institute (qualquer semelhança com o “Fim da História”, de Fukuyama, não é mera coincidência – “inteligência” se compra também). Também não se divulga a ausência de qualquer substrato técnico razoável nas obras dos “inspiradores” do Tolerância, facilmente derrubável por qualquer criminólogo, nem que cidades dos EUA que adotaram estratégias como o policiamento comunitário chegaram a reduções semelhantes das taxas de criminalidade, inclusive devido do boom econômico dos EUA na década de 90.

Tampouco se fala que a estratégia de “Tolerância Zero” recaiu em índices aberrantes sobre pobres e negros, sem que tenha sido estendida aos “cidadãos de bem” de classe média brancos que igualmente praticam delitos. A proporção de prisões, apesar de a maioria da população ser branca, era de 7,5 negros para cada branco e os negros constituíam ¾ da população encarcerada pela legislação de drogas. Qualquer criminólogo que tenha passado pela virada do labelling approach sabe que o crime é cometido em todas as classes sociais e raças, mas apenas uma parcela (mais vulnerável) é punida. Basta vermos os índices de consumo de drogas nos EUA para rirmos das estatísticas de prisão em correlação com os crimes cometidos. Significa dizermos: pobres e negros de fato cometem delitos, mas não são os únicos.

O que aconteceu nos EUA foi, como nos mostra Loïq Wacquant, um recuo do “Estado Social” em direção a um “Estado Penal”. Os problemas sociais passaram a ser resolvidos por meios penais, a ponto de hoje, mais de uma década depois, o problema do encarceramento massivo – que bate recordes mundiais e lidera com muita distância -– começar a preocupar pessoas sem vínculos com o problema criminal, como pensadores da filosofia política e da sociologia. A quem pareça óbvia a correlação entre taxa de prisão e crimes cometidos, basta ver que, nos países da Europa, as taxas de delitos são as mesmas dos EUA sem precisar recorrer ao mesmo nível de encarceramento.

Para que não soe tendencioso, destaco que o programa teve aspectos positivos, que qualquer pessoa de bom senso concorda: reforma na Polícia, com expulsão de corruptos, melhora nos vencimentos dos policiais, aproximação da comunidade etc.


Mas o “Tolerância Zero” não foi inventado pelos EUA. Ele existe há tempos no Brasil, pelo menos desde que o Presidente Washington Luís (1926-1930) declarou que “a questão social é um caso de polícia”, frase que poderia ter sido lema do programa norte-americano.

Agora entro propriamente no tema que me interessa.

Não é novidade para ninguém que não seja ingênuo que o Governo Yeda iria aderir a esse ideário. O perfil conservador da Governadora não deixava dúvidas de que, com a sua posse, a política de segurança seria do estilo “Lei e Ordem”. A nomeação de Enio Bacci foi a gota d’água, com todo seu discurso sobre o cidadão de bem e a bandidagem. Depois, ele caiu. Mas está claro que a política é do Governo, não do Secretário.

Uma vez perguntada, na insuspeita ZH, o que pensava sobre eventuais mortes de inocentes, Yeda respondeu: o importante é reduzir a criminalidade. Ora, é preciso ver, em primeiro lugar, que as polícias brasileiras ainda têm treinamento baseado nos métodos da Ditadura Militar, e que uma não-assunção clara do discurso que garante os direitos fundamentais significa, em outros termos, dar um alvará para a arbitrariedade policial. O Governante, no contexto atual, precisa ter um discurso ativo – por circunstâncias político-culturais brasileiras. Omitir o problema do respeito aos direitos fundamentais é, em outros termos, admitir a arbitrariedade – o Estado Policial.

Sem cair no simplismo de considerar criminosos como “vítimas” do sistema ou algo do gênero, é preciso reconhecer que a criminalidade carrega uma equação complexa no Brasil. Não reconhecer nos criminosos “coitados” não significa cair no simplismo inverso, de trata-los como malvados que atacam o “cidadão de (ou do) bem”.

Mas é propriamente o avanço de algumas iniciativas dos últimos dias que tem me chamado atenção. Com o apoio midiático, a Brigada Militar tem provocado violentos conflitos com moradores de rua, camelôs e agora flanelinhas. Não podemos dizer que esses “Outros”, que têm tão pouco em comum conosco, não suscitam efetivamente problemas no espaço público. O problema é que, no Brasil, como eu já disse, a equação é mais complexa.

Não vivemos num contrato social em que todos têm direitos e obrigações. Essa maldita ficção jurídica que deu certo em alguns lugares é tremenda falseadora da realidade no Brasil. No Brasil, há quem não tenha direitos. Mas a elite e a classe média, apesar disso, insistem em cobrar apenas as obrigações. Ora, sem a contrapartida, essa cobrança não é justa. Não temos sistemas públicos eficientes, não promovemos justiça social [se isso soa marxista, leiam John Rawls], não temos cidadania mínima. Como exigir “disciplina pela disciplina”?

Por isso, todos os modelos estrangeiros têm que ser adaptados. A situação do Brasil é mais complexa. Temos ações afirmativas e focos de escravidão. Camelôs e bolsa de valores. O Brasil é muito complexo. O fato é que o Poder Punitivo, com muita violência e apoio da elite e classe média, só cai sobre os vulneráveis. O “criminoso” é o jovem pobre e negro, não o meu vizinho que comete evasão fiscal.

É essa “imagem”, esse estereótipo de criminoso que começa a se aproximar do nosso horizonte. A política de segurança do Governo Yeda tende a fortalecer essa imagem, aproximando a polícia de pessoas quem não necessariamente têm qualquer vínculo com o delito, a não ser o estereótipo. É o camelô que comete sonegação fiscal, não o dono do restaurante que não dá nota fiscal nos buffets e deixa uma calculadora ao lado do caixa. As seguidas reportagens que identificam “antecedentes criminais” são igualmente perigosas, pois os “antecedentes” da polícia não são condenações e, mesmo que fossem, o fato de ter cometido um delito não significa que se vá cometer outros.

Para quem pensa que isso é bobagem, basta lembrar que o nazismo foi construído com base em estereótipos. De um lado, o alemão ariano, puro e superior. De outro, o judeu venenoso, a chaga social. O extermínio de judeus foi, àquela época, uma forma de “higiene social”. Troquem ariano por “cidadão de bem”, judeu por “bandido” (agora em sentido amplo para abranger pobres indesejáveis) e a “higiene” do Reich pela higiene do “espaço público”.

Qualquer semelhança com a nossa realidade NÃO é mera coincidência.

sexta-feira, outubro 26, 2007

ESTADO DOS COWBOYS

OK, agora o Brasil também tem seu Rambo: o Capitão Nascimento. Ele está lá para metralhar os inimigos. Mas não vou falar disso, nem vi o filme [e vou ver quando quiser]. O fato é que é uma injustiça com os gaúchos acharmos que pela primeira vez o Brasil consegue copiar um "machão americano". Os gaúchos são cowboys há muito mais tempo.
Essa reportagem da ZH, que curiosamente não consegue esconder a alta taxa de homicídios no Estado, chama-nos de "gauleses". O gaúcho se orgulha de ter votado contra o desarmamento, de ter sido o Estado que rejeitou com maior veemência "entregar suas armas". Uma macheza só.
Falando nisso, lembrei-me até do Brokeback Mountain. Um filme mediano pra bom, e só, mas que funciona bem para quebrarmos os estereótipos e rir deles um pouco. O cowboy gay serve como espécie de ironia a essa figura cômica que é o machão gaúcho, que empunha sua arma com orgulho e quer "caçar a bandidagem". Tudo isso é muito engraçado, se não fosse trágico. Não poderíamos nutrir uma auto-imagem uma pouco mais descontraída, rir das nossas próprias tradições quando elas soam exageradas e forçadas? Precisamos dançar fandango até o século XXX? Não podemos aproveitar o exemplo norte-americano e desconstruir um pouco nossos rígidos personagens? Não podemos enxergar nesse machismo exacerbado um homossexualismo enrustido? Quem é heterossexual convicto não preciso ter medo de rir. Não precisa ter medo dos travestis desfilando no Parque Farroupilha. Isso tudo é muito engraçado, e só.
Os gaúchos continuam enredados nas suas tradições inventadas, acreditando, mesmo, que aqui é o melhor lugar do mundo. Eu realmente fico estupefato quando converso com um amigo qualquer, que acho inteligente, e ele realmente adere a toda essa coisa engraçada como uma espécie de religião. Precisamos de mitos mais leves, rir dos nossos próprios mitos, satirizá-los, desconstruí-los, para que sejamos menos violentos e assassinos.
O amor pela arma do gaúcho só merece um comentário, também de autoria norte-americana, dirigido aos cowboys de lá: big gun, little penis.
.
THE BREEDERS
Já falei um monte de vezes dessa banda por aqui, mas esses dias quis gravar um coletânea de rock norte-americano para uma amiga e acabei colocando "Cannonball" [que nem é a minha favorita, mas o CD tem que ter certos momentos de acessibilidade]. É bom isso, né? Acho que "Last Splash" é, certamente, um dos discos dos anos 90. É tão bom quanto Pixies.
Imperdíveis: Invisible Man, Cannonball, Do you love me now?, No Aloha, Roi, Divine Hammer, Hag.
.
JAMES WATSON
Um monte de gente já escreveu sobre o Prêmio Nobel de Biologia que declarou serem os negros inferiores intelectualmente aos brancos. Me impressionou a convergência em um aspecto: a questão é fundamentalmente moral, não cognitiva. Belo passo, do ponto de vista de um levinasiano como eu.
Da minha parte, só vou escrever o óbvio: isso só mostra como a razão técnica não se confunde com a razão ética. Mas na escola só aprendemos a primeira. Estranho, não?
.
AGUARDANDO
É isso, meus caros, agora só aguardo a data da banca. Enquanto isso, relendo o velho Foucault.
.
.
Trilha sonora do post: The Breeders, "Hag".

terça-feira, outubro 23, 2007

O BRASIL NÃO É UM PAÍS SÉRIO
Quando lemos um título de notícia como esse [PSDB cede e aceita negociar CPMF após arquivamento de representação contra Azeredo] confirmamos que o PT realmente falhou em ser republicano. A promessa de que com a assunção da esquerda no Governo as negociatas políticas se "moralizariam" foi para o brejo. O Governo é pragmático ao extremo.
Ser republicano significaria, para mim, que tudo é negociável, exceto questões éticas. Tudo aquilo que envolva corrupção cai fora do âmbito partidário e do jogo político de negociação. Isso pertence ao âmbito da res-pública, coisa pública, que transcende os diálogos e transações que são totalmente compatíveis com o universo democrático. O que está em questão é, nesse caso, Estado, e não Governo. Questão de Estado [o "mensalão" do PSDB] não se confunde com questão de Governo [aprovação da CPMF].
Esse fracasso do PT é um grande fracasso para a democracia brasileira. Um GRANDE fracasso. Vemos que, no outro pólo da negociação, está o PSDB, partido que é a principal força de oposição e, no Governo, fez o mesmo. FHC, ao contrário do que seus admiradores dizem, também não foi um "estadista" nesse sentido. Negociou e barganhou onde não se negocia. Não separou a esfera do Estado da do Governo. Agora, com essa transação, parece que está fora de dúvida que o PSDB não pode posar de "republicano".
Também não vamos acreditar no conta da carochinha de que o DEM, ex-PFL, seria "paladino da moralidade". Uma supérflua pesquisa nos escândalos dos últimos 20 anos mostraria facilmente que o DEM tem o maior números de envolvidos, no máximo segundo ou terceiro [perdendo, talvez, para PP ou PMDB]. Figuras como João Alves e Hildebrando Pascoal, que são quase folclore brasileiro, eram do DEM.
O que isso significa? Que não temos partidos republicanos no Brasil. Nenhum é. Triste. Desalentador. Lastimável.
Isso nos joga na seguinte situação: ou aceitamos o niilismo político, anulando o voto, ou simplesmente temos que ignorar a questão ética, que é comum a todos os partidos, e votamos seguindo as políticas públicas. Que lástima!
.
ARSENAL
Quando estava em Londres, os tablóides gratuitos distribuídos no metrô elogiavam muito o "novo" time que o Arsenal estava formando na Copa da Inglaterra, composto pela equipe B que foi até o final e perdeu para os titulares do Chelsea.
Ao que parece, os tablóides estavam certos. Arsene Wenger é, sem dúvida, o maior revelador de talentos da atualidade na Europa. Sua especialidade é descobrir jóias como Henry, Vieira e hoje Fabregas, Van Persie, Adebayor, Hleb e Walcott. Com a saída de Thierry e a má temporada passada, achava que o Arsenal ia descer a ladeira. Ledo engano. A goleada de 7 a 0 contra o Slavia Praga hoje revela que o conjunto da equipe melhorou e, aparentemente, Wenger está formando mais um grande time.
.
.
Trilha sonora do post: Built to spill, "Carry the zero".

segunda-feira, outubro 22, 2007

ACENDEU A LUZ

A derrota para o Flamengo deve colocar os gremistas em situação de cautela. Além da aproximação do time da Gávea da zona da Libertadores, com todos os favorecimentos que já podemos esperar daqui para diante, a disputa com Palmeiras, Santos e Cruzeiro fica mais acirrada.
As razões da derrota do Grêmio são as mesmas que venho falando há tempos aqui, mesmo quando o time estava na melhor fase: a equipe é fraca. O que permitiu ao Grêmio subir tanto na tabela é a fraqueza dos demais clubes. Mesmo Palmeiras, Santos e Cruzeiro não têm grandes equipes. O nível do campeonato brasileiro está muito baixo, tendo como destaques alguns -- Jorge Wagner, Diego Tardelli, Aloísio -- claramente medianos, sem capacidade para brilhar em campeonatos mais competitivos.
A política de contratações do Grêmio ao longo do ano foi ridícula. Infelizmente, a ausência de Renato Moreira parece ter prejudicado muito a equipe.
Um time que não tem um atacante confiável precisa matar um leão por jogo para chegar à Libertadores. A equipe do Grêmio estaria, em um Brasileirão competitivo, para o nível de Sul-Americana. Jonas, Tuta, Marcel, Ramón, Everton -- nenhum deles é atacante para a estatura do Grêmio. No máximo, dois deles poderiam ser a dupla de ataque RESERVA. Além disso, a Direção também falhou em não contratar pelo menos um meia de ligação agressivo, capaz de chegar contundentemente ao ataque. Tcheco e Diego Souza, os melhores jogadores do tricolor, não são dessa função. O time fica com um buraco entre meio e ataque; cada jogo é um parto para fazer gols.
Só há uma explicação para a campanha do Grêmio: MANO MENEZES. O treinador do Grêmio, sinceramente, é um gênio na leitura do jogo -- jamais discordei da sua leitura, ainda que por vezes das suas decisões. Ele visivelmente sabe os pontos fracos da equipe. Mas o que fazer, se a Direção não lhe deu melhores recursos?
É aí que entra meu medo. A promessa de Mano é seguir se nos classificarmos à Libertadores. Paulo Pelaipe é fanfarrão, nós sabemos, e suas afirmações de que estaria 99% com chances de renovação pode ser puro blefe. Se o Grêmio não se classificar à Libertadores, Mano, conhecendo a política de contratações, pode querer dar algum salto mais alto, buscando uma equipe mais forte -- onde fatalmente será campeão.
Esse é meu medo.
.
Trilha sonora do post: Yo la tengo, "A worrying thing".

quarta-feira, outubro 17, 2007


Image Hosted by ImageShack.us vs Image Hosted by ImageShack.us


DUELO DE GIGANTES

Acreditem: para algumas pessoas, LER é realmente uma coisa legal. E, mais ainda: PENSAR é uma coisa divertida. Nem todo mundo gosta de assistir novela. Nem todo mundo MENTE quando afirma que realmente não gosta de televisão.
Minha emoção ao ler "Três Tempos sobre a História da Loucura", uma coletânea organizada pela Relume-Dumará contendo uma conferência de Jacques Derrida sobre o famoso livro de Foucault, e a resposta do próprio, logo em seguida, finalizando com um artigo publicado por Derrida vinte anos depois, foi equivalente a assistir uma partida entre Real Madrid e Barcelona: clássico em campo.
Derrida inicialmente faz uma crítica a Foucault: segundo ele, para que Foucault fizesse o que queria, "dar voz à loucura, ela mesma", só mesmo fazendo silêncio ou se retirando. Toda vez que uma palavra é emitida já estamos no logos, e portanto já se está na estrutura que aprisiona a loucura. Depois, Derrida critica a transição de epistemes que Foucault procura ver em Descartes. Foucault diz que, na primeira meditação, Descartes [buscando certezas indubitáveis] afirma: mas eu não poderia negar isso [que estou aqui, diante do fogo], a menos que fosse um louco. Nesse momento, a loucura é excluída do Cogito, exclusão absoluta da loucura -- é deixada de lado e jamais recuperada. Derrida vê, ao contrário, que a loucura é constitutiva do Cogito: a dúvida hiperbólica de Descartes pressupõe que MESMO QUE fosse louco, ainda assim: penso, logo existo. A hipérbole seria mesmo a idéia do sonho, mais radical que a loucura. Por isso, a dúvida hiperbólica cartesiana não teria excluído a loucura, comprometendo todo o desenvolvimento posterior da obra de Foucault, que fala da loucura na "época clássica".
A resposta de Foucault não foi, inicialmente, das mais cordiais. Criticou Derrida por tomar três páginas como a totalidade da sua obra. Mas o cerne da crítica foi: Derrida considera que a filosofia funda tudo, e por encontrar um furo filosófico na sua teoria acredita tê-la derrubado por inteiro. Após, mantém sua interpretação de Descartes, afirmando que tudo se passa em séries e a loucura é, sim, excluída.
Ao contrário da maioria dos críticos do texto de Foucault, a maioria ao lado de Derrida, acredito que ambos filósofos tinham razão em parte. O que muda é o que interessa a eles.
A Derrida interessa mostrar os pontos de indecidibilidade das teorias filosóficas, com a impossibilidade de fechamento. Por isso, ele quer ver em Descartes um ponto - a dúvida hiperbólica - um momento em que é indecidível se sou louco ou não. Trata-se de algo que escapa do "logocentrismo". Isso é típico da "desconstrução" -- mostrar, com os próprios conceitos dos "logocentristas", como esse fechamento (clôture) não se opera. Nada menos estruturalista, e é exatamente o estruturalismo de Foucault que Derrida está a criticar.
Mas a crítica de Foucault também é muito séria. Foucault endereça a Derrida a mesma crítica que posteriormente Rorty fará: a idéia dos filósofos que o "logocentrismo" é que nos governa, que são os sistemas filosóficos que definem a realidade, enfim, uma certa espécie de narcisismo filosófico. A Foucault interessavam sobretudo os acontecimentos: como tal, a filosofia não tinha qualquer preponderância.
Na discussão propriamente filosófica, os argumentos de Derrida me parecem mais poderosos. Sua interpretação de Descartes, mais sólida. Mas, fora desse terreno, me parece que Foucault tem razão. Ou seja, ambos estavam certos, o que mudava era o que buscavam. Foucault queria uma arqueologia do silenciamento da loucura; Derrida, uma fuga de todo fechamento filosófico. Por isso, para Derrida era tão importante enfatizar que falar da loucura, "ela própria", não podia ser feito da forma estruturalista: era o problema da alteridade, como mais tarde ficará claro, que o preocupava. O problema do clôture é um problema de alteridade. No caso da loucura, com maior razão. Foucault, por outro lado, estava preocupado com o problema do poder, da produção de corpos dóceis, da normalização.
Gênios em conflito, maravilha!


ESTAMIRA

Estamira (Brasil, 2004, Dir. Marcos Prado) é um belo documentário que se está nas trincheiras da discussão Derrida/Foucault.
Como ouvir a loucura, senão lhe dando voz?
Estamira, a personagem, tem momentos de explosão geniais, como as metáforas sobre o cuidado com as quais justifica sua condição, vivendo no lixo, e por vezes irrompe insuportavelmente aos nossos olhos na sua alteridade incontrolável. Impressiona que, mesmo provavelmente esquizofrênica, constrói um mundo repleto de sentido e coerência -- uma verdadeira ontologia.
Há momentos quase intoleráveis, que rompem com a ordem do nosso universo traumaticamente, e belas lições que podemos aprender, interpretando fenomenologicamente suas afirmações.
Catadora do lixo no RJ, Estamira fascina àqueles que estão abertos ao Totalmente Outro, que não pede licença nem fala nosso idioma. O filme de Marcos Nobre, por isso, se para alguns pode esbarrar em limites éticos, é, ao contrário, extremamente ético, reto -- deixa o Outro falar por si só.



Trilha sonora do post: Metric, "Love is a place".

segunda-feira, outubro 15, 2007



RADIOHEAD, IN RAINBOWS (2007) (VEREDITO)
Publicado em www.plugitin.com.br.


“In Rainbows” veio rodeado de imensa expectativa até seu lançamento, em 10 de outubro. Não apenas por se tratar do novo álbum do Radiohead — algo que, em si mesmo, já desperta os holofotes — mas pelo fato de banda ter resolvido lançá-lo de forma independente, liberando o download de arquivos mp3 pelo preço que o internauta quisesse pagar.
Independentemente do resultado do álbum, que abordarei logo em seguida, minha pergunta é: por que razão, apesar de estarmos todos contra a indústria musical [creio que a maioria dos leitores desse site baixa mp3, pois a maioria dos álbuns que eu, pelo menos, resenho, são importados e custam uma fortuna] e todo lobby poderosíssimo que alimenta a satanização do download como “pirataria”, tendemos a interpretar a primeira e mais importante reação contra a indústria como algo marqueteiro? Por que a iniciativa do Radiohead é tida como marketing, e não uma ação política direta? Será que o Radiohead não simplesmente AGIU, em vez de ficar cinicamente ao lado do sistema?
Me deixa preocupado quando tudo aquilo que artistas fazem como gestos políticos é interpretado como marketing. É proibido ser engajado? É proibido tentar ajudar às pessoas? Será que Thom Yorke, apesar de indignado com a situação do meio ambiente [como, acreditem, outras pessoas estão], não pode protestar? Deve ele ficar quieto cantando “Creep”, como Noel Gallagher sugeriu? A que ponto de estupidez chegamos, a ponto de o certo se tornar errado e o errado certo? É IMPOSSÍVEL existir uma ação autêntica, tudo é marketing e falsidade?
Mas vamos ao disco, que é o que importa.
“In Rainbows”, no plano geral, é um apanhado da totalidade da obra do Radiohead [mais precisamente: da obra pós-The Bends]. O Radiohead parece ter aberto mão de um conceito integral de álbum, como parecia girar seu eixo desde Ok Computer (1997) — em Kid A (2000) e Amnesiac (2001) temos o inumano, o mundo robótico; Hail to the thief é um disco político (2003) — e criar variações, texturas das suas múltiplas mundanças ao longo da carreira. Está mais ou menos como um “Abbey Road” (1969), variado e múltiplo, para os Beatles.
O disco começa com “15 steps”, um loop sonoro e os beats que animaram The Eraser (2006), trabalho solo de Thom Yorke. Parece “The Clock”, mas dentro de alguns segundos entram guitarra e baixo, e temos uma canção embalada que faz lembrar Amnesiac, pela sua textura e batida. Com um ritmo todo quebrado, lembra também “Idioteque”, do Kid A [que é a “Eletioneering” do Kid A, está mais para Amnesiac, assim como “Eletioneering” está mais para The Bends que Ok Computer]. Os beats, apesar disso, soam perfeitamente assimiláveis, e guitarra e baixo são doces ao longo de todo tema, que termina com gritos de crianças em uníssono.
E então estamos em “Bodysnachers”. Se “15 steps” é leve, “Bodysnachers” começa com um riff stoner rock, bem ao estilo Queens of the Stone Age, e a voz de Yorke entra desordenada, fora do prumo, livre e quase desesperada. O som é rock’n'roll puro, embaladão, mais ainda que “2+2=5″, a canção que deixou as viúvas de The Bends (1995) cheias de lágrimas nos olhos, depois de 03 anos de experimentação eletrônica [entre 2000 e 2003]. É o mais perto de The Bends que o Radiohead quer chegar, depois dos caminhos percorridos. Quase rock de pista. Quantas guitarras no final se cruzam? O finalzinho é pra quem sente saudades dos solos de Johnny Greenwood desde “Just”. Uma fúria só; puta rock lo-fi.
Mas vejam só: de The Bends, pulamos em “Nude” para Kid A. Aqui sim, Kid A. Ambiência estranha, robótica, sinistra, como aquele planeta escuro e gélido que está no encarte do álbum. Suave, doce, lembra um pouco “How to disappear completely”, a melhor música do Radiohead para eles próprios, ou “Motion picture (soundtrack)”, do mesmo álbum. Aquelas climatizações, aquele vocal sereno, mas em tonalidades mais leves que no angustiante Kid A. No final, coros tristes como aqueles presentes no Hail to the Thief vêm acrescentar mais melancolia, mais uma prova do agregado de perspectivas que vai se somando na carreira da banda. Um sintetizador, ao final, nos derruba.
E então entra uma bateriazinha. “Weird fisches/Arpeggi” é, novamente, The Bends no seu início. Guitarras comportadas se cruzam com um baixo discreto, e a voz de Thom entra levemente, suavemente, sem estardalhaço preenchendo os espaços vagos. Aos poucos, camadas e mais camadas começam a ser acrescentadas, começam a aparecer vozes ao fundo e, subitamente, somos interrompidos, como que por aquela barra do nome, justamente quando Yorke repete “Weird fisches”, para entrarmos em uma ambiência de terror, uivos, barulhinhos, algo entre Kid A e Hail to the thief, como em “Where I end and you begins”. A música cresce como uma “There There”.
Depois da velocidade, a calmaria, com um violino que deixa entrar, sutilmente como um elefante, um sintetizador animalesco. A batida é próxima ao trip hop, “All I need” é simplesmente genial. É sofrida, perfeita [you’re all I need/ you’re all I need -… just want to share your life]. Sininhos, ruídos de ruas movimentadas e o caralho estão por baixo dessa batida espetacular, que faz lembrar grandes momentos do Massive Attack e do próprio Radiohead, repleta de pratos ao final em uma explosão catártica que faz Thom Yorke gritar esmagado pelo instrumental.

E agora sim, a calmaria prometida. “Faust arp” é paz serena, é “Fake Plastic Trees”, “High and dry”, só que não com violões britpops baseados em lá, e sim belos violinos perfeitamente encaixados em violões dedilhados e na voz que vai guiando a melodia suave e sem atropelos.
“Reckoner” entra, a seguir, com bateria eletrônica e uma guitarra suave. Parece uma percussão, ritmo frenético. Yorke entra perfeitamente, no seu melhor momento em falsete. No início, lembra Hail to the thief e Com Lag (2004), especialmente as versões remixadas. Mas é bem, muito mais, melódica. A parte vocal e dos intrumentos convencionais é quase pop. É um tema que no início passa meio despercebido, mas aos poucos vai ganhando força a ponto de talvez ser a melhor do álbum. Os corais de “We suck young blood” estão lá, os caras viraram vampiros. Percebam: vampiros, não mais robôs. O Radiohead aqui usa todos os recursos eletrônicos em um arranjo totalmente orgânico, pop, belíssimo, recheado de laptops e violinos — o clássico e o moderno convivendo em perfeita harmonia. Parece que, nesse momento, fica claro que foi preciso primeiro radicalizar para encontrar o ponto de harmonia exata.
“House of Cards” é igualmente bela. A voz de Yorke começa vindo do ALÉM, celestial como seriam vozes de anjos, reverberando com um eco que dá um toque de “dream pop” para a canção. Gemidos meio doentios, “I don’t wanna be your friend, I just wanna be your lover”. Lembra do Ok Computer, um álbum clássico, talvez o único, em que não consta uma só vez a palavra LOVE? É o Radiohead pousando na Terra novamente, realimentado com sua viagem por outros planetas gélidos. Falando em reverberar, a banda abusa do reverb nas guitarras aqui, lembrando até a divindade de alguns sons do Slowdive. Um atmosfera onírica e agradabilíssima. Faz até o ótimo Blonde Redhead soar ingênuo e pobre.
Faixa 9, temos “Jigsaw falling into place”, um rockão novamente, espécie de misto entre The Bends e Hail to the thief. Os vocais vampirescos de HTTT estão lá, mas menos hostis e exóticos, mais acessíveis e permeáveis, dá pra bater o pé e talvez até dançar com essa. As guitarras estão comportadas, levam tranqüilamente a melodia até entrarem sintetizadores discretos ao final. Imagine um The Bends com um banho de Hail to the thief.
Ao final, “Videotape” não é “Motion picture (soundtrack)” nem “The Tourist”. Um piano carregado e angustiante, denso e repetitivo, acompanha a voz de Thom, terminando com loop que abriu o álbum agora o fecha. Uma espécie de canção de ninar claustrofóbica, algo em comum com um Mercury Rev da vida, mas que não consegue não ter a assinatura totalmente pessoal do Radiohead.
“In Rainbows”, embora não inove em um sentido de criar novas sonoridades totalmente diferentes — como Ok Computer ou Kid A — tem um grande poder de síntese, que dá origem a algo novo: um amálgama dos melhores momentos do Radiohead, sonoridades antigas cobertas com novos caminhos descobertos, combinações dos imensos caminhos percorridos durante a carreira da banda. É um disco, embora não conceitual, muito mais focado que Hail to the thief, aderindo a texturas mais suaves. Indica uma banda que sabe que é e faz jus ao título de melhor em atividade. Na penúria da música britânica atual, nos coloca a sonhar.
.
DURMAM COM OS ANJOS.
.
Nota: 10.

sábado, outubro 13, 2007

PRIMEIRAS IMPRESSÕES SOBRE "IN RAINBOWS", FAIXA-A-FAIXA






15 Steps: Um loop ao estilo The Eraser, Thom entra cantando meio zonzo, e finalmente a guitarra se apresenta, e quando entra o baixo aí sim a coisa engrossa. O ritmo é todo quebrado e lembra Kid A (2000) ["Idioteque"] e Amnesiac (2001), só que mais rock.

Bodysnatchers: é ROCK'N'ROLL como 2+2=5, mas o que me chamou atenção nessa música, com um poderoso riff de guitarra que vai, aos poucos, ganhando camadas sobre camadas, num peso que até lembra Queens of the Stone Age, é como lembra The Bends (1995), o longíquo registro que alguns fãs continuam achando o melhor trabalho do Radiohead. O vocal do Thom é meio descontínuo, piradão, e ainda entram barulhinhos iguais àqueles de Kid A (2000), sobrespostos por uma fúria de guitarras. Resultado: um puta rock lo-fi.

Nude: LINDA. Linda mesmo. A música lembra os climas de Ok Computer (1997) e Kid A, Yorke cantando maravilhosamente, corais tristes como aqueles do Hail to the Thief (2003) invadem nossos ouvidos, a música brinca com as caixas de som, sintetizadores se erguem em uma melodia doce e melancólica ao extremo, guiada por um baixo competente.

Weird Fisches/Arpeggi: Guitarras, melodia comportada, a voz de Yorke entra calma, é tudo suave e calmo, até fácil de ouvir de primeira, coisa estranha para o Radiohead. Novamente guitarras se sobrepõem a guitarras, ganhando densidade e mais barulho, num ritmo praticamente compulsivo. Na metade, ela se quebra e vocais sinistros -- bem Kid A -- entram desvairados, em clima de filme de terror, com barulhinhos arranhados e um sintetizador matador por trás, que faz crescer a música um montão.

All I need: Simplesmente TROGLODITA. Bem eletrônica, tem uma batida próxima ao trip hop, Thom canta bem pra caralho [ok, vou parar de escrever isso], sofrido pra caralho [you're all I need, you are ALL I need]. Sininhos, ruídos, tudo vai se acrescentando por baixo. Quando eu ouço isso, fico pensando como o Radiohead pode ser tão bom. A música lembra o trabalho solo do Thom, só que seria a melhor música do álbum. E o Amnesiac. Ah, no final, uma bateria arrasadora invade e enche de pratos e angústia o som, crescendo que é um absurdo. A melhor do álbum, até agora.

Faust arp: olha aí, violões. E violinos. Sussurros comportados. Mais uma para os fãs de The Bends? Pra quem tem saudade do Radiohead de "Fake Plastic" ou "High and dry". Bem comportada.

Reckoner: Guitarra e bateria eletrônica, só uma caixa com a guitarra. O negócio parece compulsivo, no início, quase que uma percussão. Lembra o Hail to the thief e o Com Lag, especialmente os remixes das canções. Só que a parte vocal e mais melódica é mais limpa, perfeita, clara, quase pop. Se quebra ao meio e entram aqueles vocais sinistros, tipo "We suck young blood", os caras estão virando vampiros. Linda, linda. Até agora, nenhuma música ruim, nem perto disso. Que beleza de experimental, que delícia de violino. Thom canta que é uma maravilha [ôpa, foi mal].

House of cards: uma guitarra ligeiramente bluesada abre caminho para uma VOZ DE ALÉM. O vocal de Yorke vem de sei lá onde, em gemidos doentios. Depois, começa a cantar. "I don't wanna be your friend/I just wanna be your lover". Não consigo lembrar de nada específico que me remeta, talvez um pouco de Kid A/Amnesiac, mas é bem mais melódico e quase POP. Um pop de um mundo de pessoas legais. Brinca com o experimentalismo o tempo todo. Mais um acerto no alvo. Uma guitarra estrindente no fundo, cheia de efeitos, chega quase a ser shoegaze. Nossa, quase lembra o Slowdive.

Jigsaw falling into place: Vocais sinistros, estilo Hail to the thief. Batidas constantes, rodeadas desses vocais, negócio quase de bater o pé, como o Radiohead fazer algo tão esquisito soar tão acessível? Batera manda bem novamente, numa virada empolgante. Mais uma super rock'n'roll, embora do jeito esquisitão que eles são agora. Quase The Bends de novo, quase "Electioneering", mas depois de um banho de Hail to the thief.

Videotape: um piano quer fechar. Andaram comparando com "Motion Picture (soundtrack)", até agora nada a ver. O vocal é quase lo-fi, o piano é angustiante, o clima é SICK. O ritmo parece o de uma respiração ofegante. No finalzinho, um laptop fica fazendo loop pra enlouquecer mais o ouvinte. Parece até aquela de interlúdio do "Deserter's songs", do Mercury Rev.


Resultado? DISCO DO ANO, folgado. Talvez um dos melhores da década. Melhor que "Hail to the thief" e "Amnesiac", no mesmo nível de "The Bends", até agora.

domingo, outubro 07, 2007

FIDELIDADE PARTIDÁRIA SIM, MAS... POR DECISÃO DO SUPREMO?

Uma das características de um pensador político não-conservador é admitir a possibilidade de que a democracia liberal sofra alguns ajustes dependendo da criatividade do povo que a cria. Não existe modelo fixo: temos, por exemplos, as democracias dos EUA ou da Espanha funcionando com arranjos institucionais distintos. O importante é a manutenção do cerne: o Estado de Direito, ou seja, a idéia de que não podemos ser casuístas ou personalistas -- as regras valem para todos, inclusive aos governantes [por isso começa a saltar aos olhos que o regime de Chavez começa a não ser mais democrático, embora seja possível um caudilho fazer um governo dentro da democracia].
A decisão do Supremo que institui a fidelidade partidária é problemática. Não há dúvidas que é praticamente pacífico na sociedade e para os próprios políticos que a fidelidade partidária é necessária. É uma forma, ainda que um pouco transversa, de 1) fortalecermos os partidos, obrigando-os a ter um programa, e 2) tentar amenizar o problema da fisiologia, fazendo com que os políticos que troquem de partido percam o mandato.
A decisão do Supremo acertou, contra burrice em geral da imprensa, em mais um aspecto: ao contrário dos jornalistas burros que acham ser "mão leve" garantir ampla defesa aos políticos e fazer decisão irretroativa, a decisão do STF acerta por uma razão simples, resolve um duplo problema: 1) se aderirmos à idéia de que o deputado troca de partido ou é expulso por causa da mudança programática, sua decisão é justa, e por isso não deveria perder o mandato; 2) mas isso poderia ser usado por fisiologistas que, votando com Governo, cavariam a própria expulsão, aproveitando-se da regra automática. Com um processo, é possível ouvir e decidir cada caso concreto [o que sem dúvida será complicado em relação a pelos menos 75% dos partidos, que sequer sabemos o que pensam]. A regra geral intimida as mudanças.
Mas vejam o problema: não há NENHUM dispositivo constitucional que preveja a fidelidade partidária [por isso totalmente correta a irretroatividade]. Também não é "óbvio" que o mandato pertença ao partido. Os brasileiros têm muito mais a cultura de votar no candidato, aliás. É tipicamente um problema POLÍTICO, que cabe ao parlamento, enquanto instância de decisão política, resolver.
Isso chama atenção para um aspecto particular do Brasil, que vem ocorrendo nos últimos anos, desde a mudança do perfil do STF pelo Presidente Lula: o Supremo, de certa forma e a partir de decisões do TSE, vem tomando as rédeas de "moralização" da política brasileira. É um papel atípico, que nada tem relação com sua função primordial, a de garantir a Constituição brasileira [isso existe?].
Os liberais-conservadores, até com certa razão, estão de cabelo em pé. Reclamam que o STF está "juridicizando" os conflitos políticos, avançando o sinal. E, de fato, como eu dizia, aparentemente o STF vem avançando o sinal mesmo.
Mas isso é ruim? Não necessariamente. Nos EUA, a Suprema Corte fez isso várias vezes. O caso mais claro é o do aborto, em que, apesar de insistentes leis estaduais criminalizadoras, todas são declaradas inconstitucionais, baseado numa interpretação elástica e bem forte da Constituição norte-americana. Exerceu um papel pró-ativo na defesa dos direitos civis [abstraída toda discussão, recheada de excelentes argumentos dos dois lados].
Vamos ficar, então, de vigília. Subversões excessivas da ordem constitucional podem balançar os pilares do Estado de Direito, coisa que é demasiado preocupante. Mas talvez, dentro do contexto brasileiro, o STF esteja cumprindo um papel novo, próprio da nossa democracia liberal.
.
OS LIMITES DA MODERNIDADE
Hoje em dia nada é mais espinafrado que a suposta "pós-modernidade". Nem mesmo alguns que usavam o conceito, como o genial sociólogo Zygmunt Bauman, o utilizam. A história desse conceito pode ser resumida da seguinte forma: criado por Jean-François Lyotard na década de 70, sinalizava o fim das "metanarrativas", ou seja, das teorias que davam explicação para tudo. Lyotard, um ex-marxista antes ligado à Escola de Frankfurt, deu-se conta de que marxismo, freudismo, liberalismo e outras "grandes teorias" eram insuficientes para dar conta da complexidade do real. Lyotard acaba atacando a própria ciência, tentando provar, com base nas próprias descobertas científicas, que elas mesmas provam existir um limiar de "indecibilidade", um resto que foge às teorias, que nem mesmo a ciência dá conta.
Os norte-americanos das Universidades ligados aos movimentos de direitos civis, então, aliando isso às idéias de "mitologia branca" de Jacques Derrida e as teses sobre o poder de Michel Foucault, acabaram vulgarizando o termo pós-modernidade, reduzindo tudo à cretinice de que "tudo é relativo" e que qualquer teoria é afirmação do poder, seja ele machista, rico, branco ou imperialista.
Foi essa utilização imprudente das cuidadosas teses de Derrida, Lyotard e Foucault que "queimaram o filme" da chamada pós-modernidade, banalizando-as a ponto de torná-las fragéis como vidraças, facilmente "quebradas" por físicos, biólogos e filósofos analíticos, todos em um bloco conservador que defendia os valores "modernos" do Iluminismo.
Hoje, depois de algum tempo, dá para tentarmos conversar novamente. Inúmeros filósofos, como Simon Critchley, Richard Bernstein e Richard Rorty, por exemplo, tem tentado recuperar as obras dos franceses sem a deturpação que estudantes fracos acabaram popularizando. Foucault, Lyotard e Derrida têm muito a nos dizer, desde que nós sejamos prudentes com suas afirmações. Temos que os ler com parcimônia, tentando entender o que eles desejam provar, sem querer destruir tudo que veio antes.
Já escrevi por aqui sobre Derrida e Foucault, tentando mostrar que ambos não são meros relativistas, que negam que exista a "verdade", mas apenas acentuam, baseados na "faticidade" que Heidegger descobriu, que nosso mundo é muito mais rico que os sentidos que nos dá a "objetividade" própria da ciência e da filosofia, e que essa "objetividade" é, como tal, forma de poder, pois "amortece" outras verdades tão verdadeiras quanto elas [basta pensar, por exemplo, na arte, na ética, na política]. O "regime de verdade" de Foucault não tem nada a ver com relativismo, é uma forma de mostrar como uma verdade [no nosso caso, a técnica] sobrepuja outras. Derrida, por sua vez, adorava avacalhar as teorias dos filósofos, mostrando como seu suposto "fechamento" nunca fechava, exatamente por saber que os conceitos não podem se sobrepor à realidade, como Hegel queria.
Mas eu escrevia sobre os "limites" da Modernidade. Onde quero chegar com isso?
Via de regra, estamos ao lado do Iluminismo. Ele nos deu um monte de coisas que precisamos: ciência [e com isso remédios, Internet, etc.], garantias [não posso ser processado só porque a Yeda quer, p.ex.], etc. A pós-modernidade é o que expõe os "limites" da "Modernidade", entendida enquanto tempo das "Luzes" que começa lá em Descartes, ainda que com seu auge nos séculos XVII, XVIII e XIX.
O caso do véu muçulmano na França, como já escrevia desde que lei surgiu, é um dos sintomas do limite. Os franceses proibiram o véu muçulmano porque proíbem todos os símbolos religiosos nas escolas. Para eles, é enquanto "cidadão" que o francês deve freqüentar a escola pública laica.
O caso do véu expõe que a "secularização", suposta retirada da religião do mundo do Estado, transforma-se em "laicização". Isso é ruim? Em princípio, não é. Mas, voltando a Derrida, temos a crença, nos franceses, na "mitologia branca". A idéia de que as Luzes só trazem a neutralidade e a verdade faz com que eles não percebam que a "laicização" também é uma espécie de mitologia, similar às religiões, que organiza um "ethos" a que o indivíduo percente. Quando eles retiram o direito das islâmicas irem de véu à escola, estão impondo um "ethos", violentando sua identidade. A idéia liberal de tolerância, que John Rawls soube tão bem teorizar e criar uma espécie de proposta para que todos convivamos bem, acaba dando lugar a um "projeto de mundo" totalitário que esmaga a identidade do "muçulmano" para substituí-lo pelo "cidadão". É quando o Iluminismo deixa de ser um projeto de "impor o mínimo para que possamos conviver sem violência" para ser, ele próprio, um "modo de vida".
Os filósofos pós-modernos denunciaram exatamente essa violência típica da Modernidade, a violência da "homogeneidade". Chegaria um momento em que a "tolerância" deixaria de ser um modo de vida mínimo em comum para se tornar um projeto de pureza do cidadão, pois tolerância é a "tolerância" do mais forte. Um projeto até certo ponto interessante: ateu, livre, igualitário. Mas, por outro, violento com todo aquele que não adere, pois acredita-se "branco", ou seja, transparente.
É nessa tensão que os filósofos, antropólogos, juristas, sociólogos e todos os estudiosos da humanidade deveriam escrever, hoje em dia. Uma tensão entre um projeto de tolerância, de instituições justas, etc., e o respeito pela diferença, a negativa a que o liberalismo se torne, ele mesmo, uma metanarrativa. Eu tento isso, acreditando que uma parte do problema foi diagnosticado pelo filósofo Emmanuel Levinas, quando disse que o Mesmo sempre quer absorver o Outro. Mas isso já é assunto para outro post.
.
NÃO PERCA
Não perca a chance de conferior dois álbuns sobre os quais já escrevi aqui: o do Spoon, "Ga Ga Ga Ga Ga", deliciosa amostra de indie pop da melhor qualidade; e o The Clientele, o álbum mais beatle que escutei depois dos próprios.
.
.
Trilha sonora do post: Spoon, "Don't you Evah".

sábado, outubro 06, 2007

DESTRINCHANDO O CIDADÃO DE BEM(S)

Vou ter que copiar o Fabrício e colar isso aqui.

Perdeu Preibói!

.
Nosso amigo Luciano Huck teve seu Rolex roubado nessa semana. Como todo cidadão indignado que se preza, ele mandou uma carta-desabafo para o seu jornal predileto. O problema dessas cartas indignadas de jornal são 2:
1 - alguém só se presta a escrever uma quando toma no cu, e
2- elas nunca recebem uma resposta,
Então resolvi escrever uma por minha conta. Segue os trechos da carta do Luciano comentados pontualmente.
.
Pago todos os impostos. E, como resultado, depois do cafezinho, em vez de balas de caramelo, quase recebo balas de chumbo na testa.
.
Por que todo “cidadão indignado”, principalmente se for rico, começa o seu discurso sempre com o clichê: “pago todos os impostos”. Porra, isso faz dele um cidadão especial? É um ticket que dá direito a reclamar com mais razão? “Pago meus impostos” não é argumento para absolutamente nada, então já começou errando... Ah, e sem comentários sobre as balas de caramelo depois de um cafezinho. Quem diabos come caramelo depois do café?
.
Leiam esse negócio imperdível aqui: http://www.cocadaboa.com/2007/10/perdeu_preiboi.php.
.
.
ZH é festival de besteiras, hoje
Não sei se é pior essa estrevistas com esse jornalista que irá falar no fronteiras do pensamento ou se é a Criminologia dos estádios de futebol.
Que NIETZSCHE vença.
.
.
Às vezes eu acho que o mundo vai acabar; outras eu QUERO isso.
.
.
Trilha sonora do post: Oasis, "Supersonic".

segunda-feira, outubro 01, 2007

MELHOR NOTÍCIA DO ANO!

http://www.pitchforkmedia.com/page/news/46015-new-radiohead-album-aaaaaaahhh

http://www.pitchforkmedia.com/page/news/46028-radiohead-album-coming-out-as-regular-cd-too

Um texto bacana sobre ISSO aqui.


ENIGMA PARA BERND SCHUSTER
Bernd Schuster, o grande jogador Bernd Schuster, segundo dizem, foi contratado pelo Real Madrid para trazer a "ilusión" de novo. Entender o Real Madrid pressupõe passar por esse conceito, que levou à demissão de Capello. Cada técnico que assume -- como os técnicos da Seleção Brasileira -- tem que passar por esse questionamento quando assume.
Schuster pediu um monte de reforços para a Direção. Trouxe Sneijder, Pepe, Metzelder, Robben, Saviola, Drenthe, Heinze e de volta Soldado e Julio Baptista [chama atenção a política -- correta, a meu ver -- da nova Direção de contratar jogadores jovens, começada ano passado com Marcelo, Gago e Higuaín].
Schuster reclama todos os jogos que é "salvo" por Cannavaro e Sergio Ramos, que vem jogando de zagueiro pela ausência de Pepe e Metzelder. Sua reclamação é que é a linha da frente que tem que matar a jogada, não a zaga. E está correto.
O problema é que a principal reclamação da imprensa espanhola era o "doble pivote" de Capello. Por incrível que pareça, os espanhóis não admitem a presença de dois volantes "duros", como Emerson e Diarra. Schuster chegou para abolir esse sistema. Contratou, entre outras coisas, Robben para ficar na ponta ao lado de Robinho, na outra. Os espanhóis gostam de "bandas", não de "doble pivote".
Como Schuster vai resolver esse problema? Sinceramente, não sei. Ele aceitou sua própria armadilha. Quer montar um sistema sem dois volantes, mas a bola tem que morrer na linha anterior. Mas como!? A única solução que eu veria é de colocar Gago como segundo volante. O problema é que Schuster depende do bom passe de Guti, para a saída de bola, e da técnica de Sneijder, a maior revelação até agora. Ainda tem que acomodar Robinho e Robben nas pontas, sem tirar Raúl, que vem em grande fase e é ídolo, e o "pichichi" Nistelrooy. Muita gente para poucas vagas.
A primeira solução de Schuster foi "rotar". Suspeito que essa "rotação" tem a finalidade não apenas de preservar os jogadores, mas também de resolver o problema de excesso de jogadores. Mas esse não resolve a questão da defesa.
Aparentemente, poderíamos ter Ramos e Heinze, dois zagueiros de origem, mais fixos nas laterais, e Diarra como volante fixo. Teríamos assim cinco jogadores atrás. Só que, com isso, ele precisa necessariamente de uma marcação pressão muito boa, ou o que vai acontecer é o que Schuster sempre reclama: a bola vai até a última linha. Fora Raúl, quem está disposto?
A boa notícia para o Brasil é que Robinho talvez aprenda a pressionar os zagueiros, além de jogar pela direita, como imagino que jogará na Seleção.