Há mais ou menos 13 anos atrás, nos idos de 1992, todos os dias às 18h da tarde eu me postava em frente a televisão e me preparava: aí vinha a Astrid e o Disk MTV. E, flutuando entre as primeiras posições, que normalmente dividia com Metallica, Nirvana, Chilli Peppers e Guns'n'Roses, estava o clipe de "Even Flow", do Pearl Jam. Com minha camisa de flanela e bermuda rasgada, quando começava a música já me preparava para subir na escrivaninha e, no lendário salto do Eddie Vedder, me atirar à cama como se estivesse dando um mosh [na época, tinha 12 anos]. Depois veio aquele clipe do gurizinho que estourava a cuca em plena aula, e os caras paparam tudo.
Por aí, tu já deduz muito coisa. Entre elas, que a bolacha (vulgo LP) de "Ten" (1991) integrava a minha discoteca, depois ganhando a versão já em CD de "Versus" (1993), o segundo álbum dos caras. Esses, de cabo a rabo, foram escutados milhares de vezes. Na época, Eddie Vedder já era avesso ao sucesso e, depois disso, lançou o hermético "Vitalogy" (1994), seguido do semi-inaudível "No Code" (1996). E, depois, tocando junto com Neil Young em vários concertos, pegou gosto pela barulheira. Vieram "Yield" (1998), "Binaural" (2000) e "Rio Act" (2002), além da coletânea de b-sides "Lost Dogs" (2003) e uma série infindável de discos ao vivo.
Como definir o som do Pearl Jam? Difícil. Porque, ao menos pra mim, "grunge" não significa tanto um som - basta comparar Nirvana, Pearl Jam e Soundgarden -, mas uma atitude neopunk de recusa a toda e qualquer farofa, maquiagem, solos grandiloqüentes e atitude poser. A aversão ao sucesso [por isso entenda: showbizz, hype, badalação, paparazzis] do pessoal de Seattle representa, por isso, um contraponto a tudo que vinha sendo feito na época. Em suma: o enterro dos anos 80 [só isso já é muita coisa]. Depois deles, maquiagem e calça de couro voltaram para o lugar de onde não deveriam ter saído: boiolice.
Mas o som. Influências, eles têm um monte: Led Zeppelin, Jimi Hendrix, Neil Young, The Who. O estilo parece um hard rock bem tocado por punks, ou seja, instrumental pesado, mas sem exuberância técnica e veloz [animal, better man, dissident, etc.]. Mas, por horas, parece simplesmente um bando de neohippies tocando música de surfista [alive, oceans, crazy mary, etc.]. Entre hardcores e baladas, a verdade é que definir o Pearl Jam é difícil pela variedade. Enfim, um Led Zeppelin sem o mesmo talento instrumental, mas com um vocalista surfista-hippie-com-cérebro. Porque, a despeito da genialidade de Page, Bonzo e John Paul Jones, todos expoentes nos seus instrumentos, Plant, com grande timbre, era uma de bichice constrangedora, no final das contas, e quem acha ele cool no fundo é boiola. Pronto, falei.
Bem, Eddie Vedder é sobretudo um contador de histórias. Que o digam Jeremy, Crazy Mary, Alive, Elderly Woman. E, contando essas histórias com uma forma toda própria de cantar, se tornou o melhor vocalista dos anos 90. E o mais imitado, infelizmente, graças ao Stone Temple Pilots [que o digam Creed, Nickelback e todos esses lixos]. Isso esteve muito claro no show, onde a sua presença foi decisiva em todos os momentos.
Com uma presença de palco segura, inabalável e totalmente rock'n'roll, o Pearl Jam, após algumas oscilações entre hardcores dos últimos discos, quando soam como o Queens of the Stone Age, sem os riffs [portanto, prejudicados], simplesmente ganharam a platéia tocando uma manada incontrolável de clássicos, ecoados por uma platéia que provavelmente viveu os momentos descritos no primeiro parágrafo. E ainda sobraram alguns (I am Mine, Black, Oceans, Immortality, ou até Hunger Strike, p. ex.).
As aventuras com Neil Young certamente tornaram ainda mais vigorosa a energia de palco que conhecíamos desde o clipe de "Even Flow". E, além disso, a convivência com outros rock stars como Pete Townshend (que se declarou amigo íntimo de Eddie em um show) tornaram eles totalmente seguros para fazer o que quisessem. Incluindo tomar trago no show. E bota trago nisso. O instrumental, embora longe do virtuosismo, esteve bem na maioria dos momentos, sustentando e aprofundando as músicas, com longos solos e desvairio rocker, típicos dos amigos de Eddie.
Obviamente, os momentos mais memoráveis foram as músicas de "Ten", o lendário álbum de estréia da banda, especialmente "Even Flow" e "Alive". Além dessas, eles ainda me brindaram com "Elderly Woman", uma das minhas baladas favoritas, e "Crazy Mary", onde o vocal atingiu o ponto máximo. "Better Man" igualmente foi magnífica, "Jeremy", "Daughter" e as covers de Ramones [com a presença de Marky Ramone*] e Who igualmente emocionaram.
Foi um show para chorar. Lembrar os momentos de uma banda que, negando-se a mudar o seu modo de ser para se adaptar à indústria musical, preferiu permanecer autêntica, roqueira, verdadeira. O Pearl Jam pode ser acusado de tudo, menos de não ter alma.
*A propósito, ele está radicado em POA ou é impressão?
Babyshambles
Publiquei resenha não muito amigável sobre o disco do Babyshambles, lançado esse ano, lá no Plugitin. Deixem seus comentários por lá.
Trilha sonora do post: Pearl Jam, "Black".