Alter Ego, "A Dança dos Edifícios" (2005).
Alter Ego é mais que um disco. Alter Ego é uma história. Conheci o figura que se esganiça no vocal - Mariano Lorenzon (vulgo Peter Pan) - há mais de dois anos. Desde então, somos mais que meros amigos: irmãos, na verdade. Quase instantaneamente nos demos conta que tínhamos mais de 70% das convicções em comum, e isso significa quase 70% em dissonância com o que a maioria das pessoas pensam sobre as coisas. Desde que ele invadiu a minha sala, no trabalho, e perguntou: "VELHO, ISSO QUE TU TÁ OUVINDO É VERVE MESMO?", construímos uma amizade sólida. Desde que ele me lançou um cd demo com algumas da músicas do disco, que eu me lembre "Apenas Um" (acústica), "Insônia", "Ninfomania" e "Beerman", além de algumas covers, venho acompanhando o som da banda. No primeiro show que vi, eles estavam em formação acústica, e, hoje posso dizer tranqüilo, foi um show mediano. Algum tempo depois eles se mexem e finalmente fazem um show com formação integral, elétrica. AÍ FOI BEM DIFERENTE. Nas palavras da minha namorada: "foi a primeira vez que eu senti a energia integral do rock'n'roll". Tá certo, não foi a minha primeira vez, pois eu simplesmente fui educado por um velho com mais de mil bolachas e, hoje, uns quinhentos cds, que, desde pequeno, foi me ensinando todos os passos do rock desde os Beatles até o The Police (excluindo-se o punk, já que ele curtia os progressivos). Mas, voltando ao ponto: 11 de novembro do ano passado, Vermelho 23, um show LEGENDÁRIO, que recebeu uma resenha nesse blog, em que tudo simplesmente ficou claro na minha mente: os caras são realmente bons. O pequeno espaço foi devastado por um show com covers executadas com maestria e, sobretudo, pela execução de músicas próprias com uma energia chapante. Desde então, nos shows seguintes (mais um no Vermelho 23 e outro no Jeckyll), a dose foi repetida. Ouvi o disco pela primeira vez na Praia do Rosa, no carnavation psicolation, e achei tremendamente bom. SOMENTE agora recebo a minha cópia.
Essa introdução foi HONESTIDADE INTELECTUAL. Pois bem. Vamos ao disco.
Inequivocamente, se tu gosta de rock, desses feitos por gente com testículos e não por "números mágicos", há quatro músicas totalmente incontestáveis no disco: "Apenas Um", "Festa dos Mortos", "Golpe de Estado" e "Tecido Conjuntivo Propriamente Dito". Essas músicas, bem distintas entre si, carregam, ao mesmo tempo, uma energia impressionante (embora "Golpe" seja balada) e uma originalidade sincera; simples, sem experimentalismo ou invencionite, mas extremamente competentes. Vâmo uma-a-uma:
* Apenas Um - O baixo reverbera e dá origem a um riff monstruoso e empolgante de guitarra. Dá vontade de se mexer. "Ontem de tarde um policial me abordou/dizendo o que eu devia e o que não devia fazer", num vocal duplo, cantado pelo vocalista, com tom rouco, e pelo guitarrista, com falsete. Rock, simplesmente. O refrão despeja a fórmula mais usada, repetida e, por isso, tão infálivel quanto sagrada. Há ainda um breve duelo entre voz e riff, para depois desembarcar no mesmo refrão. Rock, véio, rock.
* Me Desculpe foi Mal - O destaque aqui, sem dúvida, é a letra. Um niilismo arreado, desses que dá pra despejar em cima de ideólogos que não sabem que a vida é um pouquinho mais. Multiculturalismo, ecologismo, individualismo. Tudo isso tá ali, de forma simples, no refrão. "Me desculpe, foi mal". Com os versos mais bacanas, e já citados nesse blog, dos últimos tempos: "O homem finalmente encontrou/o seu lugar/na cadeia alimentar/ao perceber que é um predador/se antecipou/ ao seu destino e foi caçar". O som é um powerpop de qualidade.
* Beer Man - um pop/rock de arena, com a cara de Oasis (mais que eu qualquer outro momento do disco), desses pra serem cantados em grandes públicos, com refrão chiclete marcado por riffs discretos e ritmados, ou seja, assoviáveis. Sem dúvida, é a que tem mais possibilidade comercial no disco. Ensina o Skank a importar o britpop sem parecer bunda-mole.
* Festa do Mortos - enterrem os cadáveres, amarrem seus órgãos, tudo isso é perigoso ter na festa dos mortos. Escatologia ao extremo. Mas não é disso que eu quero falar. Aqui o som cresce IMENSAMENTE. Seja pela linha de baixo pulsante, veloz e gorda, seja pela guitarra que, pela primeira vez no disco, parece se impunhar em uma sujeira extrema, quase como as paredes shoegazers dos britânicos. A bateria igualmente - e finalmente - pesa. O vocal se destrói em mil pedaços, se esparramando por todos os lados em rouquidão e sarcasmo. Simplesmente incontestável.
* Ninfomania - novamente o destaque é a letra: "todo mundo pensa em sexo o tempo inteiro / eu estou pensando agora / hoje você já pensou nos momentos que alguém te proporcionou". O som é calmo, batida leve, cadenciado. Grande potencial polêmico.
* A Mais Nova Terapia - outro rock, na linha de "Apenas Um", mas desta vez a guitarra fica brincando com o pedal durante a música inteira, lembrando [a guitarra] levemente o Radiohead/Bends. Baixo e bateria seguem o ritmo um tanto quanto "zap", quebrado. Mantém a energia das anteriores.
* Insônia - clima noir, sombrio, um tanto quanto metálico, com um riff melódico e arrastado. Um pianinho acompanha divagações do um insone, desembocando num refrão enérgico. Vocal rouco como nunca. "Melancolia" não é só a palavra escolhida para uma vida normal: é a própria "Insônia". É quase um Muse desacelerado e substituindo o falsete por vocal rouco.
* Hoje eu não vou sorrir pra ninguém - Bateria pulsante. Vocal bem interpretado, de um desesperado pela mediocridade da existência. O refrão aproxima a banda, pela primeira e única vez, do hardcore. O baixo, no refrão, ganha um destaque e volume intenso, praticamente solando enquanto uma parede de guitarra o sustenta no fundo. A bateria continua pulsante e pesada. Outros versos memoráveis: "ela tinha gel laranja no cabelo / e mesmo impedida de caminhar, dançou / até que a água que bebia virasse veneno".
* Golpe de Estado - O clima vinha pesado, depois da metálica "Insônia" e o semi-hardcore "Hoje eu não...". Aqui o nível sobe. Em princípio, parece uma balada comum, feita pra suavizar o impacto do disco até então. Um vocal bem melódico, instrumentos comportados, chorosos. O que torna "Golpe" incontestável é a virada troglodita no meio, totalmente inesperada, que altera completamente o ritmo, substituindo uma mera declamação de versos por uma linha de baixo veloz e contínua, acompanhada de discretos [um pouco demais] violinos, um crescente totalmente descontínuo com o que vinha antes - algo ausente em 90% das baladas (basta observar que, embora o som cresça, normalmente a velocidade é mais ou menos similar).
* Tecido Conjuntivo Propriamente Dito - A MELHOR. Tentei descrever tecnicamente. É difícil, porque, a rigor, essa música me desperta instintos destrutivos próprios do meu estilo preferido de rock - o "alternativo". O fato é que, depois de um duelo entre os instrumentos, mantendo um ritmo cadenciado, a canção explode em um refrão DEVASTADOR, recheado pela essência do rock, que até me lembrou uma das minhas bandas favoritas [aliás, me abstenho de decliná-la aqui, porque pode parecer loucura].
* Épico - Mais de oito minutos, depois da pancada, de vocal com efeito de eco, violões melancólicos e som a la Pink Floyd, como que nos chamando a uma reflexão longa, demorada e calma acerca do turbilhão que se passou. Excelente desfecho.
Essa introdução foi HONESTIDADE INTELECTUAL. Pois bem. Vamos ao disco.
Inequivocamente, se tu gosta de rock, desses feitos por gente com testículos e não por "números mágicos", há quatro músicas totalmente incontestáveis no disco: "Apenas Um", "Festa dos Mortos", "Golpe de Estado" e "Tecido Conjuntivo Propriamente Dito". Essas músicas, bem distintas entre si, carregam, ao mesmo tempo, uma energia impressionante (embora "Golpe" seja balada) e uma originalidade sincera; simples, sem experimentalismo ou invencionite, mas extremamente competentes. Vâmo uma-a-uma:
* Apenas Um - O baixo reverbera e dá origem a um riff monstruoso e empolgante de guitarra. Dá vontade de se mexer. "Ontem de tarde um policial me abordou/dizendo o que eu devia e o que não devia fazer", num vocal duplo, cantado pelo vocalista, com tom rouco, e pelo guitarrista, com falsete. Rock, simplesmente. O refrão despeja a fórmula mais usada, repetida e, por isso, tão infálivel quanto sagrada. Há ainda um breve duelo entre voz e riff, para depois desembarcar no mesmo refrão. Rock, véio, rock.
* Me Desculpe foi Mal - O destaque aqui, sem dúvida, é a letra. Um niilismo arreado, desses que dá pra despejar em cima de ideólogos que não sabem que a vida é um pouquinho mais. Multiculturalismo, ecologismo, individualismo. Tudo isso tá ali, de forma simples, no refrão. "Me desculpe, foi mal". Com os versos mais bacanas, e já citados nesse blog, dos últimos tempos: "O homem finalmente encontrou/o seu lugar/na cadeia alimentar/ao perceber que é um predador/se antecipou/ ao seu destino e foi caçar". O som é um powerpop de qualidade.
* Beer Man - um pop/rock de arena, com a cara de Oasis (mais que eu qualquer outro momento do disco), desses pra serem cantados em grandes públicos, com refrão chiclete marcado por riffs discretos e ritmados, ou seja, assoviáveis. Sem dúvida, é a que tem mais possibilidade comercial no disco. Ensina o Skank a importar o britpop sem parecer bunda-mole.
* Festa do Mortos - enterrem os cadáveres, amarrem seus órgãos, tudo isso é perigoso ter na festa dos mortos. Escatologia ao extremo. Mas não é disso que eu quero falar. Aqui o som cresce IMENSAMENTE. Seja pela linha de baixo pulsante, veloz e gorda, seja pela guitarra que, pela primeira vez no disco, parece se impunhar em uma sujeira extrema, quase como as paredes shoegazers dos britânicos. A bateria igualmente - e finalmente - pesa. O vocal se destrói em mil pedaços, se esparramando por todos os lados em rouquidão e sarcasmo. Simplesmente incontestável.
* Ninfomania - novamente o destaque é a letra: "todo mundo pensa em sexo o tempo inteiro / eu estou pensando agora / hoje você já pensou nos momentos que alguém te proporcionou". O som é calmo, batida leve, cadenciado. Grande potencial polêmico.
* A Mais Nova Terapia - outro rock, na linha de "Apenas Um", mas desta vez a guitarra fica brincando com o pedal durante a música inteira, lembrando [a guitarra] levemente o Radiohead/Bends. Baixo e bateria seguem o ritmo um tanto quanto "zap", quebrado. Mantém a energia das anteriores.
* Insônia - clima noir, sombrio, um tanto quanto metálico, com um riff melódico e arrastado. Um pianinho acompanha divagações do um insone, desembocando num refrão enérgico. Vocal rouco como nunca. "Melancolia" não é só a palavra escolhida para uma vida normal: é a própria "Insônia". É quase um Muse desacelerado e substituindo o falsete por vocal rouco.
* Hoje eu não vou sorrir pra ninguém - Bateria pulsante. Vocal bem interpretado, de um desesperado pela mediocridade da existência. O refrão aproxima a banda, pela primeira e única vez, do hardcore. O baixo, no refrão, ganha um destaque e volume intenso, praticamente solando enquanto uma parede de guitarra o sustenta no fundo. A bateria continua pulsante e pesada. Outros versos memoráveis: "ela tinha gel laranja no cabelo / e mesmo impedida de caminhar, dançou / até que a água que bebia virasse veneno".
* Golpe de Estado - O clima vinha pesado, depois da metálica "Insônia" e o semi-hardcore "Hoje eu não...". Aqui o nível sobe. Em princípio, parece uma balada comum, feita pra suavizar o impacto do disco até então. Um vocal bem melódico, instrumentos comportados, chorosos. O que torna "Golpe" incontestável é a virada troglodita no meio, totalmente inesperada, que altera completamente o ritmo, substituindo uma mera declamação de versos por uma linha de baixo veloz e contínua, acompanhada de discretos [um pouco demais] violinos, um crescente totalmente descontínuo com o que vinha antes - algo ausente em 90% das baladas (basta observar que, embora o som cresça, normalmente a velocidade é mais ou menos similar).
* Tecido Conjuntivo Propriamente Dito - A MELHOR. Tentei descrever tecnicamente. É difícil, porque, a rigor, essa música me desperta instintos destrutivos próprios do meu estilo preferido de rock - o "alternativo". O fato é que, depois de um duelo entre os instrumentos, mantendo um ritmo cadenciado, a canção explode em um refrão DEVASTADOR, recheado pela essência do rock, que até me lembrou uma das minhas bandas favoritas [aliás, me abstenho de decliná-la aqui, porque pode parecer loucura].
* Épico - Mais de oito minutos, depois da pancada, de vocal com efeito de eco, violões melancólicos e som a la Pink Floyd, como que nos chamando a uma reflexão longa, demorada e calma acerca do turbilhão que se passou. Excelente desfecho.
Moral da história: o disco começa estupidamente bom, abrindo com quatro músicas poderosíssimas, caindo um pouco a partir de "A Mais Nova Terapia" e ressurgindo, com um vigor fenomenal, em "Golpe de Estado" para desembocar na melhor música, "Tecido". Fecha com a destensionante "Épico".
Trilha sonora do post: Alter Ego, "Épico".