Cidade Baixa
CIDADE BAIXA é um dos melhores filmes do ano. Pronto. Já apresentei. A quantidade de observações diferentes sobre esse filme é ilimitada.
Primeiro, o amor. Não o amor feliz, esse que chega calmamente, com o convívio, a partir de prolongados contatos, que satisfaz a ambas as partes, mas o amor traiçoeiro, aquele que vem como uma flecha involuntária, de um lugar que não sabemos exatamente qual é. Incrível esse amor, sentimento totalmente involuntário, fisiológico, provocado por forças que não fazem parte da nossa consciência e nos jogam na vala dos seres pequenos, escravizados por vontades que não fazem parte da racionalidade. Essa dimensão do humano é surpreendente. Terrível. Temível. Dolorida. Troglodita. Amor que consome o sangue das veias, que tira a saliva da boca, que gela a pele. Não é o amor feliz, já disse, aquele que nos transforma em seres radiantes. É o amor doentio, aquele que nos transforma em vermes rastejantes, esqueletos, carne crua e cabeça vazia. Amor que nos suga. Amor que não queremos, amor que nos toma. Quem já amou assim sabe como é. Não é o amor das lágrimas, é o amor em que as lágrimas não são o bastante. Amor que nos seca. Amor que tira nossa humanidade.
Um triângulo. Uma tristeza para quem já viu isso acontecer. Dois amigos que compartilham mais do que uma amizade. São, na verdade, irmãos. A amizade verdadeira, essa desprendida da relação custo-benefício, a amizade gratuita, essa que nos faz nos alegrarmos pela felicidade do amigo, como se estivéssemos em parceira contra o mundo. Essa amizade é irmandade, e poucos estão dispostos a ela. E então, uma mulher. Uma mulher que, com sua delicadeza, sua pele, seu cheiro, sua suavidade irresistível própria do sexo oposto, simplesmente faz desabar esses alicerces. Porque, se a amizade é um ato voluntário de entrega constante, o amor é involuntário e perturbador. A amizade é decisão; o amor se impõe. E, nesse mar de sentimentos, a água vira sangue. E tudo que construímos pode ir para o saco. Nesse conflito, ninguém sai vencedor. É o amor, que cristianamente tentamos ver como algo positivo, que funciona como elemento destrutivo - e irresistível - a devastar todo o horizonte. Esse amor é o amor do terremoto, da erupção vulcânica, do furacão - um amor em que ninguém é vencedor. Mas eu falava da mulher, com a força que Nietzsche, ressentidamente, havia indentificado: sua passividade, sua delicadeza, sua suavidade é exatamente uma força irresistível. Por isso os homens são tão brutais em estados islâmicos. É necessário dilacerar a mulher, esconder o rosto, desumanizá-la, para que possamos resistir à sua força. Do contrário, o homem sucumbe.
Por fim, o fio-da-navalha. A extrema pobreza retratada sem caricatura, mais ou menos como no belíssimo "Jardineiro Fiel", de Fernando Meirelles, de um povo miscigenado, vivendo num ambiente escuro, doloroso, desalentador. O povo baiano explorado por coronéis que se perpetuam no poder - e hoje vemos a ascendência de uma nova geração no Congresso Nacional -, deixando os cidadãos de segunda e terceira categoria em constante situação de fio-da-navalha, prontos para o crime, para a prostituição, para a violência. Um constante desafio é a vida dessas pessoas, sem perspectiva, vivendo um presente constante, terminantemente proibidas de sonhar. Um Brasil do que vivemos, esmagado pela corrupção, pela cobiça, pelo egoísmo e a indiferença, onde nada é indesculpável. Sinceramente.
Rostos cobertos de sangue por um sentimento transcende a todos eles. A tragédia. Disso, só nos restam olhares. Palavras seriam excrescências.
Superioridade gremista
Vou escrever um textinho sobre o jogo, mas aqui e agora só fica o comentário: impressionante o reconhecimento de toda imprensa nacional da raça e força do Grêmio. Finalmente o verdadeiro espírito tricolor ultrapassou os limites do preconceito e agora já é visto e respeitado por todos, como uma imortalidade insuplantável e mágica. Algo nunca visto antes.
Pearl Jam
O fantástico show do Pearl Jam será resenhado no próximo post.
Brasil e Argentina
Lendo sobre a queda do poderoso ministro Lavagna, fico pensando até quando Brasil e Argentina seguirão sendo tão infantis, usando uma lógica futebolística para negociar. Um mínimo de leitura sobre a globalização aponta para que somente mercados fortes, integrados e transnacionais serão capazes de resistir à selvageria do mercado global, especialmente se considerarmos competidores desonestos como a China (combinação de socialismo, capitalismo e escravismo, no que cada um tem de pior).
Ou o Mercosul se integra de vez, e isso exigiria uma postura mais humilde nossa também, sem a idéia de protagonismo e liderança, ou vamos sucumbir. Precisamos aceitar alguns prejuízos e construir uma América do Sul forte e capaz de enfrentar o mercado mundial. Porque, a meu ver, não adianta ficar choramingando contra o Palocci, sabe-se que hoje o poder do Estado Nacional sobre a economia é próximo ao nulo. Palocci não inventa nada. É somente por uma regulação do mercado mundial, similar à que ocorreu com o Welfare State em relação ao Estado liberal, que poderemos avançar.
Do contrário, as perspectivas são sombrias.
Mais uma
A prisão da ex-bóia-fria Iolanda, em São Paulo, agora comentada pela imprensa porque, aos 80 anos e pesando 40kg, está próxima à morte aguardando julgamento por tráfico de entorpecentes, é apenas mais um exemplo do draconianismo de quem já perdeu o sentido do humano. Os repressivistas, com sua vontade punir violenta, não conseguem enxergar o Rosto, enxergam a sociedade como uma guerra permanente, exigindo a barbárie, como ocorre com a Lei dos Crimes Hediondos.
Curiosamente, a prisão já é obrigatória antes do julgamento, como se todos aqueles que sofressem acusação fossem culpados.
E o juiz, infelizmente, não teve culhões para soltar a pobre velha, embora ela diga que "só quer morrer com os filhos" e tenha um artiguinho, lá naquele livrinho promulgado em 1988, mas sem relevância, que preveja o princípio da humanidade das penas.
Por sinal
Após um estudo para o Mestrado, sentamos no sofá e, num calor insuportável, ligamos a televisão. E, sem saber o contexto, apenas ouvimos a última frase dele, Faustão, dizendo que "apenas no Brasil é assim, o cara é acusado e o Estado é que tem que provar sua culpa".
E depois tu tenta explicar.
Alfinete
Recebi um desses e-mails dizendo "Bah gaúcho tchê", em que os gaúchos se exaltam como donos das melhores coisas do mundo (modelo, jogador, técnico, etc.). É típico da mentalidade provinciana se achar o centro do mundo. Nós, porto-alegrenses, costumamos achar estranho quando amigos dizem que vão voltar para o Interior, que não gostam da cidade, etc. É a mesma mentalidade pequenina que faz os gaúchos se acharem o centro do mundo. Isso aqui é tão província, tão província, que Manderley, em menos de duas semanas, só passa em um cinema, às 13h45 e de segunda à quinta. Vão pra puta que pariu.
Trilha sonora do post: Pearl Jam, "Better Man".
CIDADE BAIXA é um dos melhores filmes do ano. Pronto. Já apresentei. A quantidade de observações diferentes sobre esse filme é ilimitada.
Primeiro, o amor. Não o amor feliz, esse que chega calmamente, com o convívio, a partir de prolongados contatos, que satisfaz a ambas as partes, mas o amor traiçoeiro, aquele que vem como uma flecha involuntária, de um lugar que não sabemos exatamente qual é. Incrível esse amor, sentimento totalmente involuntário, fisiológico, provocado por forças que não fazem parte da nossa consciência e nos jogam na vala dos seres pequenos, escravizados por vontades que não fazem parte da racionalidade. Essa dimensão do humano é surpreendente. Terrível. Temível. Dolorida. Troglodita. Amor que consome o sangue das veias, que tira a saliva da boca, que gela a pele. Não é o amor feliz, já disse, aquele que nos transforma em seres radiantes. É o amor doentio, aquele que nos transforma em vermes rastejantes, esqueletos, carne crua e cabeça vazia. Amor que nos suga. Amor que não queremos, amor que nos toma. Quem já amou assim sabe como é. Não é o amor das lágrimas, é o amor em que as lágrimas não são o bastante. Amor que nos seca. Amor que tira nossa humanidade.
Um triângulo. Uma tristeza para quem já viu isso acontecer. Dois amigos que compartilham mais do que uma amizade. São, na verdade, irmãos. A amizade verdadeira, essa desprendida da relação custo-benefício, a amizade gratuita, essa que nos faz nos alegrarmos pela felicidade do amigo, como se estivéssemos em parceira contra o mundo. Essa amizade é irmandade, e poucos estão dispostos a ela. E então, uma mulher. Uma mulher que, com sua delicadeza, sua pele, seu cheiro, sua suavidade irresistível própria do sexo oposto, simplesmente faz desabar esses alicerces. Porque, se a amizade é um ato voluntário de entrega constante, o amor é involuntário e perturbador. A amizade é decisão; o amor se impõe. E, nesse mar de sentimentos, a água vira sangue. E tudo que construímos pode ir para o saco. Nesse conflito, ninguém sai vencedor. É o amor, que cristianamente tentamos ver como algo positivo, que funciona como elemento destrutivo - e irresistível - a devastar todo o horizonte. Esse amor é o amor do terremoto, da erupção vulcânica, do furacão - um amor em que ninguém é vencedor. Mas eu falava da mulher, com a força que Nietzsche, ressentidamente, havia indentificado: sua passividade, sua delicadeza, sua suavidade é exatamente uma força irresistível. Por isso os homens são tão brutais em estados islâmicos. É necessário dilacerar a mulher, esconder o rosto, desumanizá-la, para que possamos resistir à sua força. Do contrário, o homem sucumbe.
Por fim, o fio-da-navalha. A extrema pobreza retratada sem caricatura, mais ou menos como no belíssimo "Jardineiro Fiel", de Fernando Meirelles, de um povo miscigenado, vivendo num ambiente escuro, doloroso, desalentador. O povo baiano explorado por coronéis que se perpetuam no poder - e hoje vemos a ascendência de uma nova geração no Congresso Nacional -, deixando os cidadãos de segunda e terceira categoria em constante situação de fio-da-navalha, prontos para o crime, para a prostituição, para a violência. Um constante desafio é a vida dessas pessoas, sem perspectiva, vivendo um presente constante, terminantemente proibidas de sonhar. Um Brasil do que vivemos, esmagado pela corrupção, pela cobiça, pelo egoísmo e a indiferença, onde nada é indesculpável. Sinceramente.
Rostos cobertos de sangue por um sentimento transcende a todos eles. A tragédia. Disso, só nos restam olhares. Palavras seriam excrescências.
Superioridade gremista
Vou escrever um textinho sobre o jogo, mas aqui e agora só fica o comentário: impressionante o reconhecimento de toda imprensa nacional da raça e força do Grêmio. Finalmente o verdadeiro espírito tricolor ultrapassou os limites do preconceito e agora já é visto e respeitado por todos, como uma imortalidade insuplantável e mágica. Algo nunca visto antes.
Pearl Jam
O fantástico show do Pearl Jam será resenhado no próximo post.
Brasil e Argentina
Lendo sobre a queda do poderoso ministro Lavagna, fico pensando até quando Brasil e Argentina seguirão sendo tão infantis, usando uma lógica futebolística para negociar. Um mínimo de leitura sobre a globalização aponta para que somente mercados fortes, integrados e transnacionais serão capazes de resistir à selvageria do mercado global, especialmente se considerarmos competidores desonestos como a China (combinação de socialismo, capitalismo e escravismo, no que cada um tem de pior).
Ou o Mercosul se integra de vez, e isso exigiria uma postura mais humilde nossa também, sem a idéia de protagonismo e liderança, ou vamos sucumbir. Precisamos aceitar alguns prejuízos e construir uma América do Sul forte e capaz de enfrentar o mercado mundial. Porque, a meu ver, não adianta ficar choramingando contra o Palocci, sabe-se que hoje o poder do Estado Nacional sobre a economia é próximo ao nulo. Palocci não inventa nada. É somente por uma regulação do mercado mundial, similar à que ocorreu com o Welfare State em relação ao Estado liberal, que poderemos avançar.
Do contrário, as perspectivas são sombrias.
Mais uma
A prisão da ex-bóia-fria Iolanda, em São Paulo, agora comentada pela imprensa porque, aos 80 anos e pesando 40kg, está próxima à morte aguardando julgamento por tráfico de entorpecentes, é apenas mais um exemplo do draconianismo de quem já perdeu o sentido do humano. Os repressivistas, com sua vontade punir violenta, não conseguem enxergar o Rosto, enxergam a sociedade como uma guerra permanente, exigindo a barbárie, como ocorre com a Lei dos Crimes Hediondos.
Curiosamente, a prisão já é obrigatória antes do julgamento, como se todos aqueles que sofressem acusação fossem culpados.
E o juiz, infelizmente, não teve culhões para soltar a pobre velha, embora ela diga que "só quer morrer com os filhos" e tenha um artiguinho, lá naquele livrinho promulgado em 1988, mas sem relevância, que preveja o princípio da humanidade das penas.
Por sinal
Após um estudo para o Mestrado, sentamos no sofá e, num calor insuportável, ligamos a televisão. E, sem saber o contexto, apenas ouvimos a última frase dele, Faustão, dizendo que "apenas no Brasil é assim, o cara é acusado e o Estado é que tem que provar sua culpa".
E depois tu tenta explicar.
Alfinete
Recebi um desses e-mails dizendo "Bah gaúcho tchê", em que os gaúchos se exaltam como donos das melhores coisas do mundo (modelo, jogador, técnico, etc.). É típico da mentalidade provinciana se achar o centro do mundo. Nós, porto-alegrenses, costumamos achar estranho quando amigos dizem que vão voltar para o Interior, que não gostam da cidade, etc. É a mesma mentalidade pequenina que faz os gaúchos se acharem o centro do mundo. Isso aqui é tão província, tão província, que Manderley, em menos de duas semanas, só passa em um cinema, às 13h45 e de segunda à quinta. Vão pra puta que pariu.
Trilha sonora do post: Pearl Jam, "Better Man".