Mox in the Sky with Diamonds

terça-feira, outubro 27, 2009

50 DISCOS IMPERDÍVEIS DOS ANOS 2000 (em quatro posts)
Parte IV - 10-1.

Sejam bem-vindos aos paraíso! Eis os deuses da década:



10. THE CORAL, "MAGIC AND MEDICINE" (2003)
Sim, senhor! Esse álbum desses guris da Inglaterra é a melhor experiência de hippismo e folk psicodélico da década. Sem qualquer concessão comercial, o The Coral apresentou um álbum bastante distante do primeiro (também excelente em suas guitarras mariachis perturbadoras), viajante, chapante, enfim, puramente regado nos anos 60/70 sem qualquer resquício de saudosismo ou nostalgia. Eles soam naturalmente em um "entre-lugar" entre o antigo e o moderno, conseguindo atualizar o estilo de bandas como The Zombies numa riqueza experimental incrível. Disco para ouvir na praia, tranquilo, deixando passar os momentos serenamente. Recomendo fortemente "Liezah", "Gypsie mark blues", "In the forest", "Bill Mccai", entre outras. Depois o The Zutons tentou copiar os caras, mas nem chegou aos pés.






9. SILVERSUN PICKUPS, "CARNAVAS" (2006)
O Silversun Pickups é a perfeita síntese entre dois terrenos fantásticos do rock britânico e norte-americano: de um lado, as guitarras estridentes, rasgadas e turbinadas do Sonic Youth e dos Smashing Pumpkins; de outro, as paredes de guitarras que geram uma "imensidão sonora" dos shoegazers do My Bloody Valentine e Slowdive. Ao fazer confluir essas duas tendências fantásticas, o Silversun Pickups nos entregou uma passagem para o céu -- especialmente aos amantes do instrumento de seis cordas. "Lazy Eye" é uma das maiores canções da década. "Common Reactor", "Melatonin", "Dream at tempo" e outras completam magistralmente esse verdadeiro tratado que recupera e atualiza o rock dos anos 90.






8. SECRET MACHINES, "NOW HERE IS NOWHERE" (2003)
Idiossincrasia do autor, mais uma vez. Insisto: os Secret Machines são uma grande banda subvalorizada. E "Now here is nowhere", seu primeiro álbum (antecedido pelo ótimo EP "September 000"), é marcante no seu estilo grandioso e repleto de ambição -- com influências de Flaming Lips, Grandaddy, Mercury Rev, Pink Floyd, Spiritualized, Explosions in the Sky e outros -- ." First wave intact", "The road leads where its lead", "You are chains" e "Nowhere again" são espetáculos de músicas, regadas na mais sincera guitarra, excelente vocal e virtuose na bateria. Um álbum poderoso que bebe nas fontes do rock progressivo, pós-rock e indie em geral.






7. THE KILLERS, "HOT FUSS" (2004)
Uma "usina de singles", como certa vez li na internet; não pode ter definição melhor "Hot fuss". Brandon Flowers e sua banda recuperam sonoridades bastante discutíveis -- New Order e Queen -- para fazer um DISCAÇO, cheio de canções grudentas e para ser ouvidas no mais alto volume. Não haverá jukebox dos anos 2000 sem "Mr. Brightside" ou "Somebody told me", outra dona de pistas desse século. Isso sem falar da minha favorita dos Killers, dona de um dos riffs mais espetaculares da década: "Smile like you mean it". Não há como resistir esse riff culhudo sem dar um sorriso e agradecer aos deuses pelo rock.






6. RADIOHEAD, "IN RAINBOWS" (2007)
Eles. Não precisa de muita explicação: é só a maior banda do mundo fazendo um grande disco. Sem muitos acréscimos experimentais, sem retornar a um estilo nostálgico; simplesmente executando com perfeição tudo que deve ser feito. Depois de trabalhos mais experimentais -- "Kid A", "Amnesiac", "Hail to the Thief" e "Com Lag", além do solo "The Eraser" do Thom Yorke -- o Radiohead "pousa" novamente na Terra para nos presentear canções como "Reckoner", o reggae-dream-pop "House of Cards", a stoner "Bodysnatchers", a virada de "Weird Fishes/Arpeggi", além da eletrônica "All I need". Tudo é perfeito aqui -- como sempre.






5. WILCO, "A GHOST IS BORN" (2004)
Depois de ficar viciado em analgésicos e passar por clínica de reabilitação, Jeff Tweedy resolveu experimentar. Experimentar mesmo -- chamando para produzir seu álbum ninguém menos que o sônico Jim O'Rourke. O resultado é que o Wilco abandona o "dad rock", deixando o "bom comportamento" para ingressar na psicodelia, com Jeff tocando muita guitarra e solando como seu mestre Neil Young. Embora não seja virtuose, Tweedy proporcionou solos melodiosos, ousados, longos, eletrificando ao máximo sua sonoridade sem perder qualidade e ainda deixando algumas baladas presentes. Basta ouvir "At least that's what you said". Nada mais é necessário na vida.






4. THE FLAMING LIPS, "YOSHIMI BATTLES THE PINK ROBOTS" (2002)
Falando em psicodelia... Os REIS da psicodelia são realmente os Flaming Lips. Em "Yoshimi battles the pink robots" batem o recorde próprio e apresentam um álbum conceitual que faz confluir a perfeição do pop com a lisergia extrema, em um som absolutamente chapante. Nada, aliás, mais adequado aos Flaming Lips do que esse adjetivo. Com elementos eletrônicos, belas tiradas de violão, melodias esplêndidas e letras cômicas, os Flaming Lips nos trazem um disco perfeito do início ao fim, sem qualquer música ruim, destacando as ótimas "Yoshimi battles the pink robots pt 1 e pt 2", "Ego tripping at the gates of hell", "In the morning with magicians" e as lindíssimas "Are you hypnotist?" e "It's summertime". Disco bom demais -- puro LSD.






3. INTERPOL, "TURN ON THE BRIGHT LIGHTS" (2002)
Poucas bandas novas -- talvez só Strokes e Libertines, de repente Monkeys e Franz -- tiveram tantos fãs nessa década como o Interpol. Com toda justiça. A acusação de plágio do Joy Division não resiste a uma breve audição desse álbum magnânimo, repleto de guitarras densas que se deslocam em longas travessias ao lado de um baixo arrepiante. Ouvir "Turn on the bright lights" é mergulhar uma uma longa viagem em que se cruzam instrumentos e lançam o ouvinte em uma dimensão de imersão total, ficando os temas grudados no cérebro para sempre. Não há como não se apaixonar por canções maravilhosas como "PDA", "NYC", "Stella was a diver and she's always down", "Roland" e "The New". Quando vemos, já estamos tomados pelas guitarras que viciam em "doses cavalares". Com influências que passam por Echo and the Bunnymen, Joy Division e o pós-rock, o Interpol é sim original e cunhou seu próprio estilo para essas e as décadas que seguem. Não há como resistir à pujança de "Turn on the bright lights".






2. THE STROKES, "IS THIS IT" (2001)
Alguém viu por aí um caminhão que passou e atropelou a década? Não foram poucos os adjetivos que recebeu "Is this it" quando apontou no mercado. "Salvação do rock", entre outros. Com toda razão. Há alguns anos o rock não via algo tão consistente em pouco mais que quarenta minutos e com o básico. Respirando na estética dos anos 60/70 do Television, Velvet Underground e mesmo dos Ramones, os Strokes reeditam o rock direto que acaba sendo a tradução dessa própria década. "Is this it" é um petardo único e certeiro, que atinge diretamente a veia do ouvinte. "Someday" e "Last Nite" foram explosões que atingiram até o público alheio ao rock; fora elas, "The Modern Age", "Hard to explain" e "Alone, together" já viraram clássicos definitivos. Não resista; os Strokes são MESMO o negócio.






1. RADIOHEAD, "KID A" (2000)
Totalmente previsível. Não há lista que se preste que não coloque "Kid A" em primeiro lugar na década por uma simples razão: é o melhor álbum da década, e pronto. Com isso, o Radiohead ganha o posto de soberano absoluto dos 90's e 00's, se somarmos na conta "Ok Computer". Precisa dizer mais? Precisa dizer que "Kid A" é o passo adiante que apenas o Radiohead seria capaz de dar depois de uma obra-prima? Precisa dizer que é a exploração experimental de um mundo pós-humano, em que depois da era glacial do consumo as máquinas finalmente venceram e agora são únicas em um mundo paranóico e maluco? Precisa dizer que a desesperança e tecnicismo de "Kid A" é a própria vivência do inumano aperfeiçoada até o limite? Que "Kid A" é um primor técnico de produção e acabamento? Que tudo está no lugar exato? Que canções como "Idioteque", "The National Anthem", "Morning Bell" e "Everything in its right place" são amostras da perfeição? Ou que "Kid A" não é apenas o melhor, mas o melhor álbum feito no primeiro ano da década sem deixar qualquer chance para que qualquer outro amarre seu sapato? Sorry, guys, they're the best. Try again next decade.


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sexta-feira, outubro 23, 2009

50 DISCOS RECOMENDADOS DOS ANOS 2000 (em quatro posts)
20-11.

Estamos chegando aos dez primeiros!!!




20. COLDPLAY, "PARACHUTES" (2000)
Apesar dos seus desafetos, certo é que "Parachutes" continua sendo uma referência pela quantidades de ótimas baladas, a maioria delas bebendo no clima "The Bends" (Radiohead). Como não é nenhum pecado copiar a melhor banda do mundo, palmas para o Coldplay. "Parachutes" é o disco que o Travis sonhou a vida inteira em fazer e jamais chegou minimamente perto ("The Man Who" não lambe o sapato desse álbum). Canções como "Everything's not lost", "High speed", "Trouble", "Don't panic", entre outras, marcaram a década. Embora a alguns pareça forçado e mela-cueca, a realidade é que o Coldplay executa seus objetivos como poucos, e há um certo recheio mais sombrio ainda nesse álbum. "Parachutes" é ótimo de ouvir do início ao fim.




19. EXPLOSIONS IN THE SKY, "THE EARTH IS NOT A COLD DEAD PLACE" (2003)
Mais uma vez escrevo sobre eles: será possível traduzir sentimentos com fidelidade sem auxílio das palavras? Depois de ouvirmos esse álbum, começamos a nos perguntar se o contrário não é mais verdadeiro, ou seja, se não seriam as guitarras muito mais fidedignas aos impulsos que sentimos do que algumas letras empilhadas. "The Earth is not a cold dead place" é doce desde o seu título. Traduz experiência sonora que consegue retratar a fragilidade humana como poucas. Os temas, como "Your hand in mine" ou "Six days at the bottom of the ocean", são perfeitos retratos de uma solidão devastadora, no segundo caso, ou de um encontro irrepetível, no primeiro. O certo é que essa sinfonia de guitarras nos põe em êxtase.




18. THE LIBERTINES, "THE LIBERTINES" (2003)
Imitados por muitos, igualados por ninguém. Os Libertines chegaram e saíram como a banda mais importante do "novo rock" inglês. A quantidade de proto-Libertines nas lojas de Londres é incrível, mas isso só se explica pelo talento contagiante da dupla Barat-Doherty que tanta polêmica causou na década. "The Libertines" aperfeiçoa "Up the Bracket" e consegue traduzir a combinação que a banda faz entre Clash e Beatles, banhada no ritmo dos Strokes. Entre tosqueiras e baladas, temos aqui um punhado de singles que marcaram a década e embalaram as pistas de dança: "Can't stand me now", "What did Katie", "What became of the likely lads". Poucos tiveram essa inspiração.




17. DEERHUNTER, "MICROCASTLE" (2008)
Como poderia ser a música pop após o My Bloody Valentine? Deerhunter é a resposta. Sem as guitarras corrosivas que animam a vida dos que gostam de barulho, a criatividade psicodélica do Deerhunter aqui se manifesta a partir de elementos eletrônicos que se sucedem em memoráveis músicas. Continuo ouvindo o álbum até hoje e não acho uma música ruim só. Entre melodias doces e lisergia extrema, "Microcastle" é construído em camadas e mais camadas de pop da melhor qualidade, espelhado em temas como "Nothing ever happened", "Microclastle", "Agarophobia", "Little Kids".




16. GUILLEMOTS, "THROUGH THE WINDOWPANE" (2006)
Talvez os Guillemots estivessem em posto mais alto se não tivesse me frustrado tanto no segundo álbum. "Through the windowpane" foi celebrado nesse blog como melhor álbum de 2006 -- um ano de bons discos -- e continua sendo de excelente audição. Espécie de encontro entre Jeff Buckley e "Kid A", o trabalho é um passeio quase conceitual por canções envolventes e em pleno equilíbrio entre um experimentalismo livre e melodias levemente pops. "Little bear", "We're here", "Trains to Brazil", "Sao Paolo" são canções que marcaram época na sua beleza e criatividade.




15. ARCADE FIRE, "FUNERAL" (2004)
A primeira sensação que vem quando ouvimos o Arcade Fire pela primeira vez é de completo estranhamento. Que tipo de som é esse, meio barroco, confuso, inclassificável? Os canadenses, contudo, têm o dom de se desvencilhar dos preconceitos e atingir audiências improváveis, especialmente após suas brilhantes performances ao vivo. Hoje, "Rebellion (lies)", "Neighborhood # 1" e "Into the back seat" são reconhecidas na sua esquisitice e melodias épicas.




14. OASIS, "DON'T BELIEVE THE TRUTH" (2006)
Melhor (talvez único) trabalho na década de uma das melhores bandas de todos os tempos, "Don't believe the truth" é a marca da maturidade do Oasis, quando a banda, já acenando certa limitação criativa, debruça-se sobre a rock clássico e coloca sobre ele seu próprio estilo (do que "Mucky Fingers", uma bela releitura do Velvet Underground, é demonstração). Seguros, tocando rock direto e contagiante ("The importance of being idle", "A bell will ring", "Turn up the sun"), os Gallagher deixam aqui mais um legado para o estilo, acrescendo mais um item à lista dos seus álbuns que ficam na história.




13. PORTISHEAD, "THIRD" (2008)
Depois de 10 anos de suspense, como seria o álbum do Portishead, uma das principais bandas dos anos 90? Uma decepção, como tudo que vem do Prodigy essa década, algo indiferente, como os discos atuais do Massive Attack, ou um pastiche de si mesmo, como aconteceu como o Garbage? Nada disso. Apesar de parado, o Portishead se mostrou antenado a todas as novidades dos últimos anos e lançou um disco atordoante na sua complexidade, desafiador, cheio de nuances e experimentalismo -- tudo à altura do que sempre foi o Portishead. Da brutal "Machine Gun" à delicada "The Rip", somos chamados ao mundo próprio do Portishead, para o qual a viagem é sempre prazerosa.




12. THE WHITE STRIPES, "ELEPHANT" (2003)
Uma das principais bandas da década, com a estrela indie Jack White, o White Stripes merece a posição simplesmente por ter inventado o riff de "Seven Nation Army", que ficará marcado para sempre na memória de todos ao lado de outros clássicos do rock. "Elephant" é a incursão mais voltado para o blues rock da banda, saindo um pouco da podreira-punk-de-garagem dos outros álbum e procurando outro tipo de composição. "Ball and Biscuit", "I just don't know what to do with myself" e "Hardest button to button" são os privilegiados produtos dessa pequena virada.




11. THE RAPTURE, "ECHOES" (2003)
"Echoes" não é exatamente um primor em nenhum aspecto. Tem defeitos claros na produção, exageros nos vocais, às vezes tosquice em demasia. Só que é o disco MAIS FODA para a pista da década. Nada -- LCD Soundsystem nem chega perto -- se iguala ao embalo de "House of Jealous Lovers", "I need your love" ou "Sister Saviour". É impossível não ouvir e querer dançar imediatamente. Assim como os Strokes são responsáveis por parcela e os Libertines por outra parcela do "novo rock", o Rapture inspirou todas as bandas que cultivaram o electro na década, inclusive o hype frustrado dos Klaxons e a "new rave", -- com o rótulo mais amplo de "dancepunk". Ouvir o Rapture é respirar o ar sujo e libertino das boates de Nova York. Impossível aguentar parado.

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segunda-feira, outubro 19, 2009

50 DISCOS IMPERDÍVEIS DOS ANOS 2000 (em quatro posts)
Parte II - 35-21.

Seguimos com o segundo dos quatro posts.



35. ... AND YOU WILL KNOW US BY THE TRAIL OF DEAD, "SOURCE TAGS AND CODES" (2002)
Guitarras estridentes, melódicas; longas e perfurantes guitarras. O Trail of Dead aperfeiçoa aqui seus discos anteriores e atinge o refinamento máximo para levar a cabo um hardcore potente, regado da sua mais sutil criatividade que deságua em agudos bruscos e ininterruptos. Sem hesitar, o Trail of Dead desce dos céus ao inferno em saltos. Facilmente ensurdecedor, "Source Tags and Codes" é também melancolia e movimento, tudo condensado na preferência da banda em fazer álbuns conceituais e unos.



34. GRIZZLY BEAR, "YELLOW HOUSE" (2007)
Combinação entre bucólico e psicodélico, na linha do folk de Sufjan Stevens, porém com pitadas ainda mais experimentais, variações climáticas espetaculares, arranjos múltiplos e criativos, tudo recheado por melodias que, de tão doces, parecem não se contagiar pelas harmonias malucas, permanecendo acessíveis. Músicas como "On a neck, on a spit", "Marla" e "Colorado" são arrebatadoras.




33. GRANDADDY, "THE SOPHTWARE SLUMP" (2000)
O Grandaddy reaparece na lista com aquele que é o álbum que realmente formatou seu espaço dentro do rock norte-americano, na belíssima síntese entre uma melancolia extremamente humana e elementos robóticos, quase que transmitindo à máquina a tristeza de uma vida já desesperançada no seu desenrolar. A riqueza dos arranjos, regados com a utilização de recursos eletrônicos, torna esse álbum um espécime a ser valorizado pelas décadas que seguirão. Nada fala melhor do que a lindíssima "So you aim towards the sky" ou "Jed, the humanoid", na sua leveza e doçura repletas de tristeza.



32. THE RAVEONETTES, "PRETTY IN BLACK" (2005)
Não resta dúvida que os Raveonettes são lembrados pela influência incontestável do Jesus and Mary Chain sobre o seu trabalho. Aqui, no entanto, as paredes de guitarra que são a marca registrada da banda britânica (J&MC) são suavizadas em detrimento do outro aspecto que identifica o som da dupla dinamarquesa: a inspiração dos anos 50, berço do rock'n'roll, com sua rebeldia juvenil, seu apego à velocidade e aos refrões pegajosos, além de excelentes baladas. Para conferir "Love in a trashcan", "Uncertain times" ou "Red Tan" e não ter dúvidas dessa peculiar banda dos nossos dias.




31. BRIGHT EYES, "DIGITAL ASH IN A DIGITAL URN" (2005)
Apesar de Connor Oberst ter se destacado mais pelo trabalho no folk com violões, sendo precipitamente comparado a Bob Dylan no início da carreira, o álbum que dele mais me marcou foi justamente o que ele arriscou algo diferente, isto é, uma incursão na música eletrônica, congregando sobretudo a influência do trip hop (embora sem a batida típica). Sem entregar facilidades ao ouvinte, o Bright Eyes despeja letras ácidas e melodias quebradiças, desafiando a entrar nesse mundo a partir da toca do coelho ("Down in the rabbit role"). Canções como "Easy/Lucky/Free", "Arc of time" ou "A believe in simpathy" espelham toda qualidade desse álbum.



30. LCD SOUNDSYSTEM, "SOUND OF SILVER" (2007)
Marcado pela quase unanimidade positiva, James Murphy tem pouco a reclamar da década. Sua sonoridade não apresenta exatamente grandes revoluções no âmbito da música eletrônica, mas é segura naquilo que mostra: a influência do minimal techno e do electro levada para as pistas de dança. Músicas como "Us and them", "All my friends" e "Someone great" são verdadeiros energéticos para as baladas dos anos 2000.




29. SONIC YOUTH, "RATHER RIPPED" (2006)

Depois de marcar as décadas anteriores com seus trabalhos seminais ("Goo", "Dirty", "Daydream nation"), os Sonic Youth continuaram despejando álbuns de qualidade, embora certamente já não causando mais tanta surpresa quanto o seu desarranjo causava. Aqui, em "Ratter Ripped", a visceralidade típica do seu som -- que preza certo desconforto no ouvinte -- é levemente limada para alcançar um tom mais limpo e direto. Até o vocal da maior das bad girls do rock -- Mrs. Kim Gordon -- normalmente desafinado e rouco, aqui é mais trabalhado e afinado. "Incinerate", "Turquoise boy", "Sleppin' around" e "Reena" traduzem o melhor Sonic Youth da década.




28. YEAH YEAH YEAHS, "FEVER TO TELL" (2003)
Excessivamente valorizada pela crítica, a banda de Karen O não é exatamente genial. Todo o hype em torno dos discos posteriores, a meu ver, não faz sentido. Mas esse disco tem que ser reconhecido. Trazendo um punk cru até o limite, com a vocalista urrando como uma cadela no cio, "Fever to tell" marcou a década com sua agressividade e sensualidade. Que o digam as tantas bandas que ainda continuam imitando a sonoridade (p.ex., Be your own pet). Sem falar que, depois de acabada a explosão que se configura com as dez primeiras músicas, ainda temos a direito a ouvir a beleza que é "Maps".




27. BLACK REBEL MOTORCYCLE CLUB, "B.R.M.C." (2001)
O primeiro trabalho do BRMC também remete aos Jesus and Mary Chain, assim como os Raveonettes. Aqui, no entanto, o som é mais complexo, melódico e escuro, remetendo por vezes aos shoegazers divinos do My Bloody Valentine. Composições inspiradíssimas como "Love Burns", "Red eyes and tears" e "Awake" traduzem uma banda pesada, densa e sobretudo dona de uma estética "noturna". Um disco para as pistas de dança mais obscuras.




26. KINGS OF LEON, "BECAUSE OF THE TIMES" (2007)
Se nos primeiros dois álbuns o Kings of Leon havia sido tratado por vezes como engodo, uma vez que seria simplesmente uma banda surfanda no onda dos Strokes, aqui a coisa é sem dúvida diferente. As canções fáceis e diretas (p.ex., "The Bucket", "Molly Chambers") dão lugar a sonoridades mais complexas, menos dançantes e mais criativas. Combinando o estilo sulista com um certo toque de arena, aqui os Kings of Leon encontram novo equilíbrio que os lança num patamar acima de outras bandas do "novo rock" que não conseguiram mais do que um ou dois bons singles. Que o digam músicas como "Fans".




25. THE KILLERS, "SAM'S TOWN" (2006)

Tudo indica que esse disco deveria ser uma bomba. Afinal, o Killers não hesita em brincar com a breguice e se inspira em fontes que não me agradam: Bruce Springsteen, Queen, New Order. O resultado, porém, é bem diferente. Ninguém leu tão bem a expressão POWER daquilo que chamamos de "power pop". O Killers traduz sua competência que a todo tempo mede fronteiras com a farofa, mas consegue sair ilesa, em canções como "Bones", "River is wild", "For reasons unknows", "Read my mind" e "When you are young". Basta ouvi-las para sentir o coração pulsando e a vontade de pular.





24. SIGUR RÓS, "TAKK" (2005)

Certa vez descrito como "o canto das baleias brancas", o Sigur Rós é verdadeira osquestra no chamado "pós-rock", uma tendência que privilegia as harmonias sobre as melodias e um instrumental ambicioso como o rock progressivo, ainda que sem as demonstrações de virtuosismo. "Takk" é doce e explosivo, do angelical ao terrível. Canções como "Glósóli", "Milanó" e "Saeglopur" não são apenas pequenos momentos de hedonismo, mas verdadeiras novas experiências sensoriais.




23. CAT POWER, "YOU ARE FREE" (2003)
Cat Power, ou Charlyn Marshall, é uma das vozes femininas mais interessantes do cenário contemporâneo. Dona de uma voz ligeiramente rouca e plácida, tem em "You are free", ao lado de "Moon Pix" (1998), o seu melhor. Esse álbum, embora não recomendado para suicidas, é de uma beleza incrível ao longo da sua execução. Baseadas sobretudo em arranjos de pianos ou violões que entornam a voz fantástica de Marshall, músicas como "Werewolf", "Baby doll" e "Maybe not" são avalassadoras na sua tristeza e expressão de sinceridade.



22. THE NATIONAL, "BOXER" (2007)
Nenhuma grande aventura; ao contrário, apenas o convencional. A aposta do The National é soar como "veludo para os ouvidos". "Boxer" transpira suas músicas, que parecem saídas de uma simpática - mas melancólica - intimidade diretamente do coração. Um álbum típico de uma banda de Nova York: denso, escuro, sombrio. Imagine-se num pequeno boteco escuro, numa madrugada que vai se estendendo, em meio à fumaça de cigarro, alguns drinks e levado por um piano que faz sucederem-se belas canções. Os tons intimistas de "Racing like a pro", "Apartment story", "Fake empire" e "Green Gloves" são de abocanhar qualquer ser humano que não tenha perdido o músculo do lado esquerdo do peito.




21. KASABIAN, "KASABIAN" (2004)
Filho dos Stone Roses e Primal Scream, o Kasabian busca recuperar a sonoridade do início dos anos 90 em um cenário nostálgico dos anos 80. E o primeiro álbum tem farta energia para enfrentar seus concorrentes de pista. Temas como "Processed beats", "Reason is treason", "LSF" e "Cut off" incendeiam no seu embalo contagiante e ritmo ensandecido. Se o Kasabian não é uma novidade em termos criativos, o certo é que pelo menos executa com maestria a sua proposta.

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sexta-feira, outubro 16, 2009

50 DISCOS IMPERDÍVEIS DOS ANOS 2000 (em quatro posts)
Parte I - 50-36.

Inspirado pela Pitchfork, resolvi publicar uma listinha de 50 discos que considero imperdíveis da nossa década e arriscar, ao final, algum comentariozinho mais intenso sobre cada um.




50. ELIOTT SMITH, "FROM A BASEMENT ON THE HILL" (2004)
O álbum mais precisamente impuro de Eliott Smith, inclusive acusado por familiares e amigos de distorcer a visão do músico, é o que considero melhor. Embora grande compositor, a meu ver sempre faltou em Eliott algo a mais que garantisse canções mais elaboradas. E isso é que ocorre nesse álbum, cheio de baladas desvastadoras e efeitos criativos.
Subir e descer do topo em segundos: eis a tônica do álbum que, como o seu próprio póstumo autor, reflete a melancolia nas suas idas-e-vindas. Recusa qualquer declínio de intensidade.




49. BLACK REBEL MOTORCYCLE CLUB, "HOWL" (2003)
Saindo da influência dos J&MC e do shoegaze, o BRMC se volta para um álbum que mescla os estilos de raiz da cultura norte-americana: soul, folk, gospel e country. O resultado é um belíssimo álbum que reflete com facilidade a estrada e uma vida boêmia. Estar com o BRMC em "Howl" é compartilhar o habitat dos bêbados, andarilhos e vagabundos, dos indomáveis, tudo ao som de potentes violões elétricos que nos guiam para o aberto da aventura da vida.




48. COLDPLAY, "A RUSH OF BLOOD TO THE HEAD" (2002)
O segundo álbum do Coldplay foi responsável pela sua ascensão mundial e lançou a banda nas paradas que transcendem o rock. "A Rush of Blood to the Head" bebe na fonte do U2, com vestígios claros do Radiohead, e alcança as massas com baladas inspiradas, revezadas, no álbum, com faixas mais violentas que são levadas pelo piano de Chris Martin e pela guitarra de Jon Buckland. Temas como "The Scientist", "Clocks", "A Rush..." e "Amsterdam" dispensam maiores comentários. "A Rush of Blood", apesar de ser um disco pop de massas, é ainda algo feito com o coração: tem a marca da juventude e da inocência. Sua vitalidade vem precisamente desse ar despretensioso e leve que vai conduzindo a audição.




47. LAURA VEIRS, "CARBON GLACIER" (2004)
A mocinha-geóloga do Colorado traz nesse álbum um punhado de canções doces,tristes e delicadas. Sua voz quase infantil contrasta com arranjos ricos e ousadia, situando o ouvinte numa espécie de paz gelada (daquelas que só os melancólicos sabem apreciar). Belíssimos vocais como em "Ether Sings", "Shadow Blues" ou "Rapture" ganham uma acolchoada cobertura por arranjos de cordas como em "Icebound stream". Estar com Laura é viver na frieza "glacial" das suas canções que, paradoxalmente, são reflexo de uma alma quente o suficiente para agüentar aquilo que de mais frio há.




46. GRANDADDY, "SUMDAY" (2003)
um tanto conhecido pelo seu amálgama homem/robô, o Grandaddy volta-se para a pureza do semi-acústico, expressando com violões e deliciosos backing vocals serenidade, calmaria, paz. Os barbudos de Montana não cansam de nos trazer um tom dos EUA rural, revisitado a partir do rock moderno e bebendo as fontes de Neil Young e companhia. Sem qualquer resquício de nostalgia, o Grandaddy visita o meio rural para trazê-lo hibridizado com a tecnologia e a angústia dos nossos dias, trazendo um clima decadente e blasé das pequenas cidades do longínquo interior. "Sumday" é a experiência daqueles longos e infinitos campos onde o ar é mais puro e o vento mais frio, a solidão é mais intensa e nada há do barulho e inquietação do mundo urbano.




44. MANIC STREET PREACHERS, "LIFEBLOOD" (2004)
Disco menos festejado da década dos Manics - e talvez de toda sua carreira - "Lifeblood" é talvez o único mergulho de uma década saturada dos anos 80 no rock dos anos 80, isto é, do que se fez em termos de guitarras por aquele tempo. De um U2, por exemplo. O álbum não tem a agressividade típica de outros dos Manics, mas é inspirado nas melodias e faz pop com muita classe, usando os teclados com habilidade e sem breguice. Destaque para "Empty Souls", "The love of Richard Nixon" e "1985" (que já entrega a referência do álbum).





43. PJ HARVEY, "WHITE CHALK" (2007)
Álbum mais sui generis da carreira de PJ Harvey, geralmente repleta de guitarras abrasivas e versos fortes, "White Chalk" é um melancólico registro que contempla canções de infância, tudo em ritmo sufocante e ao mesmo tempo absolutamente particular, íntimo. É um disco impressionista que provoca o ouvinte. Uma criança atormentada que se liberta da angústia e sofrimento despejando-os sem qualquer medo de atingir outros pela tempestade.



42. LOW, "DRUMS AND GUNS" (2007)
A única palavra que define corretamente esse álbum é: dilacerador. Precioso manifesto de uma tristeza sufocante, angústia desesperadora, melancolia mortífera, tudo no mais último grau de possibilidade, chegando ao assassinato, estupro, na morte. Com canções curtas e repletas de detalhes só alcançáveis com fones de ouvido, "Drums and Guns" é uma experiência no extremo minimalismo que só é suportável para poucos. Ouvir esse álbum é como entrar em uma estrada que não promete redenção; é o desespero, ele e só ele, que percorre música-a-música. Mas não é senão o desespero extremo que nos abre os portais de esperança.





41. FRANZ FERDINAND, "YOU COULD HAVE IT SO MUCH BETTER" (2005)
Uma das bandas de maior sucesso nos anos 00, o Franz Ferdinand recuperou o conceito de rock dançante e, empunhando suas guitarras em bons riffs e esmerando-se ao máximo nos shows, deixaram sua marca. "You could have..." tem um punhado de singles que agitaram as pistas nos últimos anos, dentre eles especialmente a onipresente "Do you want to" e "The Fallen". Além dessas canções com seus riffs "zapeadores", ainda há melhores momentos em que a banda ousa mais e transcende seu estilo, como as excelentes "Walk away" e "Outsiders".




40. ARCTIC MONKEYS, "WHATEVER THEY SAY ABOUT ME THAT'S WHAT I'M NOT" (2006)
Ah, é... Pois é, os guris são bons, admito. Foi tanta badalação exagerada que o hype acabou os prejudicando comigo. No entanto, não há como negar que as músicas são contagiantes, empolgantes, que conseguem conciliar Franz, Libertines e Strokes numa unidade inspirada, que o álbum tem poucas canções realmente dispensáveis e muitas arrasa-quarteirão. No seu ritmo enlouquecido e embalado - típico dos anos 00 - os Monkeys realmente mostraram que têm lugar por aqui: "I bet you look good on the dancefloor", "When the sun goes down" e as baladinhas "Riot Van" e "Mardy Bum" são fantásticas. Nem as paredes conseguem ouvir "Dancing shoes" sem balançar.




39. QUEENS OF THE STONE AGE, "SONGS FOR THE DEAF" (2002)
Os deuses do stoner rock apresentam aqui toda fúria de guitarras que marca seu som numa brutalidade sem concessões, mas tudo feito com a mais exímia perfeição. Narrado como um programa de rádio latino, "Songs for the deaf" tem a participação não apenas de Mark Lanegan, ex-parceiro de Josh Homme no Screaming Trees, mas também do SR. DAVID GHROL - leia-se: o mestre da bateria. E ele, junto com os demais, realmente estraçalha em canções como "No one knows", "First it giveth" e "Go with the flow". Um petardo sonoro.





38. THE KNIFE, "SILENT SHOUT" (2006)
Vem da Suécia o disco mais estranho de toda essa lista, certamente aquele que apresenta o mergulho mais radical no que poderia ser um disco totalmente gelado. The Knife é, do início ao fim, máquina sem sangue, pura psicodelia pós-humana. Não há mais nenhum resquício de vida; as máquinas celebram apenas sua vitória final em que qualquer gota de sangue é vista como a mais completa desnecessidade e estranheza. De atordoantes sintetizadores até a psicodelia extrema que parece o mergulhar no mais escuro dos abismos. Viajar com "Silent Shout" é visitar o ponto mais extremo da geleira, sentir as profundezas de um mundo em que a humanidade não é apêndice desnecessário, mas apenas vestígio de um passado.




37. BLONDE REDHEAD, "23" (2007)
Respirando na suavidade psicodélica do dream pop, o Blonde Redhead constrói esse inconstante, mas apetitoso álbum. Quando Kazu Makino está nos vocais, a viagem nos leva a cenários suaves, delirantes, pacíficos ou sensuais. Canções como "23", "Silently", "Heroin" e "Top Ranking" alçariam o disco para ainda mais alto na lista se não fosse a irregularidade restante. Mas essas... Com "23", somos convidados a viajar suavemente para mundos celestiais onde nos deitamos sobre as nuvens ou andamos nas costas de anjos.


36. THE STROKES, "ROOM ON FIRE" (2003)
Parece mentira, mas muita gente ficou frustrada porque esse disco é bom. Para os que desejavam tomar os Strokes como fogo de palha, "Room on Fire" é uma tapa na cara. Já começa com a estupenda "I wanna be forgotten", passa pela clássica "Reptilia" -- obrigatória no repertório futuro de qualquer Jukebox dos anos 00 -- e tem coisas lindas como "Under Control" ou "The End has no End".

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terça-feira, outubro 13, 2009

SETE PONTOS FRACOS DO GOVERNO LULA

JÁ QUE ELOGIO várias vezes o Governo Lula, não custa dizer quais são meus pontos de divergência e quais críticas considero injustas (que fica pra outro dia). Eis os cinco pontos fracos, dos quais alguns já falei há tempos:

a) política ambiental: já escrevi muitas vezes sobre isso. É uma divergência de concepção: na cabeça das alas de centro e de esquerda do Governo, há um pensamento comum de que o meio ambiente é algo "a ser pouco lesado", e não um valor como princípio, um fundamento político. Quero dizer: a concepção de desenvolvimento econômico ainda é a clássica, sem a idéia não apenas corretiva, mas estrutural do desenvolvimento sustentável;

b) política fundiária: Lula foi muito tímido. Talvez por achar que não tinha bala da agulha para enfrentar as oligarquias, acabou deixando intacta a estrutura de capitanias hereditárias do Brasil e foi apologeta do agronegócio. A estrutura fundiária, diga-se de passagem, é sem dúvida um dos principais nichos onde as estruturas arcaicas do Brasil se manifestam, concentrando terras numa proporção bizarra e inadmissível.

c) formação de uma esfera pública: Lula foi extremamente pragmático, especialmente no segundo mandato. A ponto de, para mim, ter ido longe demais. Sem enfrentar as oligarquias políticas (inclusive midiáticas), Lula acabou apostando nas soluções negociais e conseguiu promover mudanças. Mas, ao mesmo tempo, manteve intactas as estruturas que são as verdadeiras causas da corrupção no país. Sem enfrentá-las, o discurso anticorrupção não passa de histrionismo e moralismo.

d) educação: ao lado das políticas sociais, é necessário um investimento estruturante em educação. Faltou ambição ao Governo Lula nesse aspecto. Embora tenha algumas boas iniciativas -- as ações afirmativas, o PROUNI, a criação de novas universidades e escolas técnicas -- a aposta numa certa visão tecnocrática de educação baseada nas estatísticas acabou gerando a perda de uma chance de mudar. Faltou cogitar a educação em tempo integral e plataformas mais ambiciosas para abranger no ensino as práticas relacionadas com o corpo, as áreas humanas e questões éticas. A idéia de fazer o ENEM como algo no lugar do vestibular, apesar disso, foi boa.

e) política de segurança pública: mais uma vez faltou ambição. Apesar disso, o PRONASCI é o que existe de melhor em segurança pública no Brasil. O que vem sendo feito está sendo bem feito. As concepções, a meu ver, estão corretas. Mas falta assumir uma posição mais incisiva, se bem que talvez seja o cálculo político do pacto federativo.

f) política de gestão: não houve grandes mudanças na estrutura administrativa. Apesar de ter feito concursos, faltou ao Governo pensar em criar uma gestão desligada de partidos e CCs, com todos os problemas que essa partidarização da Administração Pública gera e causa problemas. O servidor do concurso não é perfeito, mas via de regra é melhor. Melhor apostar em critérios públicos e claros de seleção do que em seleções secretas e arbitrárias. Distorções podem ser corrigidas por meio, p.ex, de uma aplicação radical do princípio da eficiência.

g) militarismo: desde a chegada de Nelson Jobim, tenho discordado veementemente de toda insistência militarista, inclusive com anuência em relação a produção de armamentos inadmissíveis sob qualquer aspecto.

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sexta-feira, outubro 09, 2009

PARA O FINAL DE SEMANA

Para abrir o final de semana, quatro músicas bacanas:


PJ Harvey, "Oh my lover"


Nine Inch Nails, "Only"


Primal Scream, "Kill all hippies"


The Verve, "This is music"


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segunda-feira, outubro 05, 2009

A ESTERILIDADE DO DEBATE JURÍDICO CONTEMPORÂNEO

A FRASE QUE ANTECEDEU esse post trabalhou com ironia a "força normativa" da Constituição. Chama atenção como os juristas continuam repetindo, apesar de todos os fatos dizerem o contrário, que Hesse derrubou Lasalle, argumentando que a Constituição enquanto os "fatores reais de poder" cedeu lugar à "força normativa" constituinte. Tal afirmação não é apenas falsa -- basta ver a dúbia posição atual de um dos principais "mestres" da constitucionalismo contemporâneo, JJ Gomes Canotilho --, como revela certa patologia narcisista dos juristas insistindo na denegação. Aliás, Salo de Carvalho, há pouco tempo, escreveu magistral artigo trabalhando a "ferida narcísica do direito penal", evidenciando os projetos irreais da dogmática criminalista nos seus projetos de salvar o mundo. Minha única anotação sobre o tema é que estaríamos diante de um quadro ainda mais grave em se tratando da dogmática constitucional, que é ainda mais narcisista e incapaz de enxergar seus limites claros que a realidade (essa, de quem o constitucionalista não gosta) não cansa de definir.
Mas o que eu gostaria de salientar aqui é a crescente esterilidade das discussões jurídicas, incapazes de observar um palmo à sua frente. Os juristas realmente acreditam que houve um salto sobre o Positivismo Jurídico com o constitucionalismo, como se Kelsen, por exemplo, não tivesse afirmado desde sempre a estrutura piramidal da ordem jurídica que põe a Constituição como norma suprema. Assim, acredita-se ter havido uma "grande transformação" da "legalidade" para a "constitucionalidade", como se tudo não fosse simplesmente o mesmo fenômeno derivado da mesma teoria. Basta ler Kelsen para ver que se trata de um tremendo constitucionalista. Fala-se como se tivesse havido uma mudança jurídico-estrutural com as Constituições, quando o que houve foi apenas a mudança política de uma ordem liberal não-intervencionista ou uma ordem totalitária para um certo acordo social-democrata que permanece ainda em vigor na Europa, dividindo os líderes das "alianças" e neutralizando as polarizações, por exemplo.
Tem-se até uma bizarra classificação em "Estado Liberal", "Estado Social" e "Estado de Democrático de Direito", quando qualquer filósofo sabe que os dois primeiros podem ter sido "democráticos" e "de direito", ou seja, a distinção não faz qualquer sentido. (Essa juridicização do Estado de Bem-Estar alcança níveis tão patológicos dentro da dogmática constitucional que por vezes alguns juristas -- em delírio narcísico nível 10 -- acreditam que a Constituição-Welfare substitui a própria política, existindo apenas um caminho a seguir.)
O caso Honduras é espelho claro dessa esterilidade. Tudo que se vem discutindo a respeito é se Zelaya cumpriu ou descumpriu a Constituição. As opiniões variam, normalmente segundo o rumo ideológico do analista. Porém ninguém pergunta se é justo ou politicamente adequado que uma Constituição preveja como cláusula pétrea a impossibilidade de que o governante proponha uma reeleição, prevendo sanções severíssimas e nitidamente desproporcionais para o caso. Os juristas -- e com eles muitos analistas de todos os campos -- não conseguem mais transcender a Constituição, pensar em algo fora da Constituição, julgar a própria Constituição. Sei que estou sempre insistindo nesse ponto, mas vá lá: a Constituição foi tornada um objeto sagrado, imutável, separado dos viventes, como se não fosse produto de seres humanos em um determinado momento histórico que contingencialmente optaram por determinado modelo político. A Constituição está sempre certa?
Nossa idolatrada Constituição de 88, por exemplo, está de acordo com uma política repressivista de drogas, faz apologia da "família" e dá um tratamento desigual para funcionários públicos. É produto de um arranjo político contingente e bastante criticável. Nada a ver com o programa sagrado e "dirigente" -- o Bem supremo -- que alguns gostariam de transformar. A intangibilidade da Constituição é o dogma mais sagrado do constitucionalismo contemporâneo. Como todo dogma, bloqueia o pensamento e impossibilita o Novo. Transforma todo direito contemporâneo em um sistema autopoiético, ou seja, tautológico, auto-legitimante ou, como gosta de dizer o Pandolfo, "auto-venerador".
É tão evidente a bizarrice de uma norma pétrea que impossibilita a proposta de reeleição que a ausência de discussão sobre isso assusta. A armadilha que caímos é ter que ouvir os arautos da direita afirmarem: "o MST é inconstitucional, pois não respeita o direito de propriedade". Aliás, sobre o tema deixo mais duas observações:

(1) apesar de Habermas ser parcialmente responsável por tudo isso (com o "constitucionalismo patriótico"), devo reconhecer que o alemão pelo menos identificou o problema, tentando resolvê-lo com a "democracia procedimental", ou seja, retirando esse peso material excessivo da Constituição nas gerações futuras. Só que, com isso, ele perdeu na outra ponta o suporte material necessário para que os falantes possam "deliberar";
(2) tudo que me irritava no Direito e eu não sabia expressar até conhecer Ricardo Timm de Souza e retomar o tema da justiça no Mestrado é a absoluta indiferença do curso de Direito -- no seu delírio autopoiético da Constituição -- pelo tema da justiça. Justiça é uma palavra raríssima no vocabulário jurídico e normalmente quando instado a falar sobre ela o jurista responde algo como: "isso não é comigo".

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quinta-feira, outubro 01, 2009

"A SAGRADA CONSTITUIÇÃO"

O golpe militar que atingiu Honduras espelha o ponto-limite em que o discurso constitucionalista cai no vazio do ridículo. A Constituição é um falso gesto conciliatório, geralmente inofensivo nas suas boas intenções.

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