Mox in the Sky with Diamonds

quinta-feira, setembro 27, 2007

EXISTE BOM JORNALISMO

Já que ando falando tanto de mídia, vale a pena reproduzir aqui a coluna do Helio Schwartsman, um dos melhores jornalistas do Brasil. Ele é prova que dá para fazer jornalismo sem ser Paulo Henrique Amorim ou Diogo Mainardi.
Fonte:
A CRÍTICA DA CRÍTICA
Hoje vou meter o bedelho na polêmica dos livros didáticos. Para os que não acompanharam a história desde o início, traço um breve resumo. Na semana passada, o jornalista Ali Kamel, publicou em "O Globo" artigo no qual desanca o livro "Nova História Crítica" --"NHC" para os íntimos--, que foi distribuído gratuitamente pelo MEC (Ministério da Educação) a 750 mil alunos da 8ª série da rede pública. Sob o título "O que ensinam às nossas crianças", Kamel apontou, entre outros problemas de "NHC", o fato de o autor da obra enaltecer os ideais marxistas e elogiar Mao Tse-tung e a Revolução Cultural. O texto de Kamel deflagrou nas grande imprensa uma série de matérias e editoriais. Alguns veículos assumiram uma posição bastante crítica em relação ao MEC. A reação não se fez esperar. Representantes de grupos de esquerda viram nessa reação mais uma manifestação da "mídia golpista".
Vamos agora tentar destrinchar as várias camadas ideológicas desse notável "imbroglio". "NHC" é historiograficamente indefensável. Tive oportunidade de folhear rapidamente o título. Nem tudo ali é delírio ou manipulação ideológica, mas os trechos apontados por Kamel já bastam para desqualificar a obra. Afirmar que, no socialismo, "as decisões econômicas são tomadas democraticamente pelo povo trabalhador, visando ao bem-estar social" contraria as evidências históricas disponíveis. Mais grave ainda é falar da Revolução Cultural sem mencionar que ela produziu, por baixo, meio milhão de mortos. Há autores que mencionam cifras entre 750 mil e 1,5 milhão. E não dá para imaginar que um historiador profissional tenha se esquecido desse "detalhe", donde a suspeita de desonestidade intelectual.
Só que, ao contrário de Kamel, não fico com medo de "NHC" nem creio que a utilização da obra deixará marcas indeléveis na formação das crianças. Elas vão, é claro, ressentir-se, mas da péssima qualidade do ensino oferecido pela rede oficial e não deste ou daquele livro em particular. Não serão umas poucas passagens criminosamente pró-PC do B que comprometerão o seu futuro. Jovens são relativamente resistentes. A maioria sobrevive a anos e anos de doutrinação religiosa sem por isso converter-se em sacerdotes. O buraco do ensino público é, infelizmente, muito mais embaixo.
Não há dúvida de que "NHC" deve, por suas falhas, ser excluído da lista de livros recomendados e comprados pelo MEC --como, aliás, já o foi para o período de 2008 a 2010. Só que, antes de soltar os cachorros contra o ministério, liberais autênticos podem encontrar nessa novela motivos para júbilo. A inclusão do livro na lista do MEC é o preço que pagamos por viver numa sociedade aberta. Sua posterior exclusão por erros técnicos é a prova de que o sistema está funcionando e é capaz de corrigir suas falhas.
A metodologia pela qual o ministério avalia e adquire material didático está longe de perfeita. Tem, entretanto, a grande virtude de promover a variedade de títulos e abordagens, afastando o perigo de dirigismo estatal. Não costumo chancelar teorias conspiratórias, mas considero mais palpável o risco de burocratas acabarem criando uma história e uma ciência oficiais do que o de obras como "NHC" produzirem milhões de eleitores de Aldo Rebelo.
No mais, vale observar que o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) acabou sem nenhuma provocação externa excluindo "NHC" da lista de títulos recomendados. E é justamente assim que o sistema deve funcionar. Se uma obra inepta inadvertidamente escapa à primeira avaliação --em 2002 e 2005 o título havia sido aprovado "com ressalvas", por "resvalar no maniqueísmo"-- pode e deve ser condenada em juízos posteriores, como de fato aconteceu.
É claro que, no período em que foi distribuído, "NHC" provocou prejuízos intelectuais e materiais. Crianças, afinal, estudaram história numa obra ruim e o Estado pagou R$ 12 milhões por um produto de má qualidade. Imagino até que a editora e o autor estejam infelizes, pois incorreram em "lucro", conceito que condenam como manifestação "burguesa" quando analisam o capitalismo.
Desde 1996, os livros do PNLD são submetidos a uma avaliação trienal. As obras aprovadas por comissões autônomas ligadas a universidades são incluídas no "Guia do Livro Didático" --não confundir com "Guia Genial dos Povos"-- acompanhadas de resenhas críticas. A partir desse catálogo professores escolhem com quais obras irão trabalhar, e o MEC as adquire. O fato de "NHC" ter sido o livro campeão de indicações por mestres traça um panorama preocupante acerca do nível intelectual dos professores de história. Mas a vulnerabilidade do PNLD é hoje mais econômica do que ideológica, pois as comissões acabaram tornando-se alvo de poderosos lobbies de editoras que fazem de tudo e mais um pouco para ter seus títulos aprovados, garantindo assim pelo menos três anos de fartura em vendas.
Acho que Kamel e a imprensa em geral fizeram bem em revelar e destacar a história, que ganhou reportagens até em jornais estrangeiros. Avançaram um pouco o sinal ao cobrar do MEC uma atitude que já havia sido tomada (a exclusão da obra) e que não lhe competia, dado que a avaliação é feita por quadros externos aos do ministério. Já a tentativa feita por alguns órgãos de ligar a aquisição de "NHC" ao passado esquerdista do ministro Fernando Haddad beira o patético, coisa de quem não entendeu como funciona o sistema ou não sabe olhar datas. Afinal, a inclusão original do título se deu sob a gestão do ministro Paulo Renato Souza, na era FHC. Sob Haddad e Lula ocorreu o veto à obra.
Quanto aos que viram nessa história toda mais uma manifestação de golpismo da mídia, receio que este seja um caso perdido. É a prova empírica de que certas ideologias são imunes a fatos. Por mais que possamos criticar um ou outro aspecto da cobertura, é inegável que, numa democracia pluralista, cabe à imprensa identificar e criticar casos como o de "NHC". Só discorda disso quem acha que jornais servem para enaltecer governos e "lideranças populares".

quarta-feira, setembro 26, 2007

ABSTRACT
DIREITO PENAL DO INIMIGO [Jakobs] como ESTADO DE EXCEÇÃO escapa ao direito e significa HOMO SACER e CAMPO [Agamben] como constituintes da própria ordem social.
Combatê-lo significa Imergir até sua FORMA DE RACIONALIDADE, admitindo uma PLURALIDADE inerente à realidade [Rosenzweig] suficiente para opormos diferentes descrições dessa realidade que não se esgota na razão [Rorty]. Adota-se a DESCONSTRUÇÃO [Derrida] enquanto estratégia que, a partir de um giro TRANSDISCIPLINAR, procura 1) inflacionar os conceitos estruturantes [ORIGEM, ORDEM, REPRESENTAÇÃO E PERSISTÊNCIA NO SER] do DPI até sua implosão e 2) figurar enquanto exigência ética de justiça [na "excepcionalidade do concreto" - Timm].
Inicialmente, desconstrói-se a RECONSTRUÇÃO HISTÓRICA do DPI a partir de Kant e Hobbes mostrando que: 1) a "história" do DPI é SINTOMA de uma forma de racionalidade [Nietzsche]; 2) essa racionalidade está relacionada com uma "VONTADE DE VERDADE" [Nietzsche]; 3) a aporia do TEMPO impede a constituição de uma ORIGEM, pois no início não há NADA [só "differance"] [Derrida]; 4) o DPI sofre do MAL DE ARQUIVO, pois 4.1) ignora o "SUPORTE EXTERNO" que produz o arquivo [o próprio Jakobs] e 4.2) busca uma AUTORIDADE ao repaginar os autores citados [Derrida].
Depois, passamos ao nosso método propriamente dito. 1) A primeira desconstrução é a ORDEM: o DPI opõe o INIMIGO à ORDEM. Os conceitos de ordem deve ser entendidos de forma RELACIONAL [Lévi-Strauss] de forma que PUREZA e IMPUREZA passam a ser lidos não como propriedades de uma pessoa específica, mas como CONTRAPOSIÇÃO A UMA ORDEM [Mary Douglas]. O PROJETO MODERNO foi além da simples organização: PLANEJAVA eliminar toda AMBIVALÊNCIA, constituindo uma ENGENHARIA SOCIAL na qual só sobreviveriam os "normais" [Bauman]. Jogar isso num ambiente de MEDO e INSEGURANÇA vulnerável ao POPULISMO PUNITIVO [Garland, Young] é como acender um fósforo dentro de uma bomba de gasolina. 2) Examinando mais profundamente, a exigência de ORDEM está vinculada à tendência à TOTALIDADE [Timm], neutralização da DIFERENÇA que se procede a partir de uma RACIONALIDADE INSTRUMENTAL [Adorno] somente TÉCNICA [Heidegger], sem qualquer traço de ética -- não há espaço para ALTERIDADE. Totalitarismo.
Mais um passo. 1) O DPI trabalha com a idéia de INIMIGO, que é uma REPRESENTAÇÃO [Levinas]. Essa REPRESENTAÇÃO ganha concreção na idéia de ESTIGMA [Goffman], que é uma marca social que se sobrepõe às demais e joga a pessoa numa condição negativa. MULHERES, POBRES e NEGROS [Bacila e outros] são exemplos de ESTIGMAS que povoam o imaginário social contemporâneo. O Poder Punitivo opera sobre os VULNERÁVEIS, é SELETIVO [Zaffaroni, Larrauri e outros], sendo possível verificar que recai, a partir das experiências do TOLERÂNCIA ZERO [Wacquant] e no BRASIL [S. Adorno], sobre POBRES e NEGROS. O DPI funcionará assim como estratégia de eliminação dessas populações vulneráveis. 2) Como a ÉTICA precede a ONTOLOGIA, Jakobs não pode se esquivar da RESPONSABILIDADE sobre seu escrito, alegando NEUTRALIDADE [Levinas]. A representação em face do INIMIGO é espécie de ASSASSINATO, do qual a ALTERIDADE mostra a IMPOSSIBILIDADE DE MATAR ETICAMENTE O OUTRO [Levinas].
E o último. 1) Jakobs diz que o DPI existe pq as pessoas preocupam-se com o próprio corpo. Essa preocupação de PERSISTÊNCIA NO SER [Levinas vs. Heidegger] que percorre o INDIVIDUALISMO [Renaut e Dumont], no qual MÔNADAS isoladas do mundo preocupam-se unicamente consigo mesmas ganha contornos absurdos na sociedade contemporânea dos TURISTAS e VAGABUNDOS [Bauman], figurando o turista como um NARCISISTA completamente INDIFERENTE ao Outro [Birman]. A idéia de "NEUTRALIZAÇÃO" dos movimentos defensores das prisões, nas quais o Outro é apenas inocuizado [Pavarini, Garland], refletem essa indiferença absoluta. 2) Para romper a solidão monádica, é preciso reconhecer a TRANSCENDÊNCIA do Outro, a partir de uma posição de NÃO-INDIFERENÇA [Levinas]. LEVINAS quer construir um VOCABULÁRIO para a ÉTICA em que o OUTRO não seja apenas produto da minha representação e que me convoque à RESPONSABILIDADE. A HOSPITALIDADE é a JUSTIÇA HIPERBÓLICA que reconhece o OUTRO COMO OUTRO [Derrida].
O Direito Penal do Inimigo DO DIA-A-DIA que se instaura no estado de exceção em que vivemos deve ser combatido na sua CONCRETUDE, a partir de uma exigência de justiça que significa ver o outro como outro.
Simples, ã?
Trilha sonora do post: Low, "Monkey".

segunda-feira, setembro 24, 2007

PAUSA PARA OS COMERCIAIS
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Alô, Planeta Terra. Estamos aqui direto do "mundo da dissertação", tentando dar um fim ao negócio.
Voltamos após os comerciais.
Enquanto isso, estamos curtindo o The Clientele e um festival de minimal techno, o estilo mais bombante do momento atual da música eletrônica.
Pra tu conferir, de aperitivo:
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Ellen Allien & Apparat - Jet;
The Field - The little heart beats so fast;
Pantha du Prince - Eisregen.
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Trilha sonora do post: Pantha du Prince, "Suzan".

sexta-feira, setembro 21, 2007

O DRIBLE DA FOCA



Sou um admirador de Ruy Carlos Ostermann. Acho que esse comentarista realmente faz jus ao status de "Professor", como sempre costumo me referir a ele. Surpreendeu-me, no entanto, que o Professor tenha aderido enfaticamente a uma posição contra o "drible da foca", do garoto Kerlon, do Cruzeiro.
É incrível! Não existe NENHUM argumento razoável que justifique a postura dos jogadores de afirmar o que vêm afirmando - a não ser o medo de ser driblado. Não bastasse a qualidade absolutamente medíocre desse campeonato brasileiro -- a campanha do Grêmio, Santos, Palmeiras e Vasco, com os times medianos que têm, é prova disso -- ainda por cima não permitem a um jogador que inventa uma nova jogada a executá-la. Desrespeito? Como assim! Ele não está fazendo embaixadas no meio do campo, está indo em direção à área com uma técnica que dificulta tirar a bola. O drible é absolutamente legal; não infringe nenhuma regra. Cabe aos zagueiros encontrar uma forma de tirar a bola. Os inteligentes até já sabem como: basta colocar o corpo na frente do jogador, antes dele chegar, e será falta de ataque, pois ele está olhando para cima. Tão simples!
A discussão é vergonhosa!
Infelizmente, emburrecemos -- e nosso futebol afunda-se na latrina.
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THE CLIENTELE
A primeira vez que ouvi essa banda -- depois de alguns elogios por aí -- achei açucarada demais, um tipo de twee pop meio irritante. Larguei de mão, mas, devido às críticas que vinha recebendo, mantive os arquivos.
Mau diagnóstico! Ouvindo novamente, posso dizer que é provavelmente a banda que soa mais parecida com os Beatles da nova geração. Uns Beatles, claro, modificados pelo tempo, lembrando muitas vezes Mojave3. Mas os vocais bem harmonizados parecem os Beatles do "Abbey Road" e "Let it Be". Ou seja: requerem certa atenção.
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PRIMEIRA RODADA DA CHAMPIONSLEAGUE
O Madrid venceu com competência. Há, no entanto, um claro problema de meio campo, que Schuster precisa resolver com mais marcação. Achei que Sneijder, que fez excelente início de espanhol, fosse mais um armador, mas pelo jeito é mais um meia agressivo. Talvez o retorno de Diarra dê mais solidez ao meio. Vamos ver.
Já o Barça confirmou minhas expectativas: é o provável campeão. Messi se encaminha para ser melhor jogador do mundo. A tendência é Ronaldinho voltar a crescer [fez boa exibição, mas é incrível como está queimado] e Henry jogar o que sabe, depois que entrosar. Abidal e Yaya Touré pareceram bons jogadores, contratações que vieram bem à equipe. Já Gabriel Milito é um zagueiro mediano: é incrível como o burro Rijkaard pode deixar AINDA Thuram no banco. Ele não aprendeu que entregou o jogo em Yokohama!
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"MENSALÃO"
A cobertura do "Mensalão" mineiro deixa bem claro que existem dois pesos e duas medidas na mídia. Suave, pouco crítica e quase benevolente -- bem diferente das duras colunas que vem contra o PT quando ele é envolvido.
A mídia deixa de abordar o que todos sabíamos, há tempos: o esquema do "Mensalão" é uma "carona" que o PT pegou em financiamentos eleitorais ilícitos que o PSDB fazia, quando Governo. O elo é Marcos Valério. Tudo que li, desde a explosão do escândalo, levava a isso. Mas parecem existir interesses que encobrem as obviedades.
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Trilha sonora do post: The Clientele, "Here comes the phanthom".

sexta-feira, setembro 14, 2007

MÍDIA: VALE A PENA COMPRAR ESSA BRIGA?


O blog do Paulo Henrique Amorim -- Conversa Afiada -- parece estar cada vez mais ganhando dimensão. Isso se deve, afora os próprios (de)méritos do jornalista, ao fato de que o portal Ibest tinha um dos melhores sites nacionais -- o NoMínimo -- que acabou extinto por ausência de investidores. Viúvas do NoMínimo, como eu, ainda costumam acessar o site do Ibest, mas acabam se dirigindo ao PHA, que lá está situado.
Paulo Henrique Amorim resolveu comprar a briga contra a "mídia golpista". Usa como bordão em todos os seus artigos que "Em nenhuma democracia séria do mundo, jornais conservadores, de baixa qualidade técnica e até sensacionalistas, e uma única rede de televisão têm a importância que têm no Brasil".
Ora, em primeiro lugar a afirmativa é no mínimo contestável. Os EUA e a Grã-Bretanha, por exemplo, estão absolutamente REPLETOS de jornais de baixa -- quiçá baixíssima -- qualidade, que tem sim importância por lá. Basta ver, por exemplo, o papel da FoxNews na Guerra do Iraque, quando, apesar de todo o Mundo saber do contrário, conseguiu convencer os americanos de que havia armas de destruição em massa na terra de Sadam.
Esses jornais, ao contrário do que prega Paulo Henrique e grande parte do jornalismo "de esquerda", funcionam livremente. É o preço da liberdade de expressão e de imprensa.
Mas vamos ao conteúdo. Vale a pena comprar a briga com a mídia brasileira?
Em parte, eu diria que as reivindicações de PHA são corretas. De fato, a mídia é totalmente anti-petista e pega pesado em demasia com o Governo. O caso do "relaxa e goza", um simples desatino verbal de Martha Suplicy, mostra que a mídia superlativiza os erros e relativiza os acertos do Governo. Comparar a fala de Martha -- uma feminista conhecida -- com o ato de estupro, como alguns fizeram, é mais do que um absurdo anti-ético; é agressão pessoal que deveria gerar indenização civil à Ministra.
Essa covardia da mídia, que repete bordões como "espetáculo do crescimento", "chefe da quadrilha", "relaxa e goza", "dólar na cueca" e outros, alimentando estereótipos sobre o Governo, é de fato repulsiva e merece ser denunciada. As piadas sobre Freud Godoy [do tipo "Freud explica"], que foi inocentado e NADA foi publicado em retificação, a não ser uma coluna do Elio Gaspari, são, sem dúvida, um reflexo desse comportamento irresponsável e anti-ético da mídia, que tem SIM um certo teor persecutório aos governos do PT.
Não vou falar, no entanto, das condenações antecipadas e linchação pública, porque o PT usou e abusou disso quando não estava no Governo. É puro jogo político reclamar agora. No entanto, todos sabem o que penso sobre o tema e o quanto a imprensa DESINFORMA, se pegarmos, por exemplo, o tratamento que é dado ao tema da prisão durante o processo criminal, que é exceção, e não regra, mesmo que a mídia queira parecer o inverso.
Também certas "invasões de privacidade" vem se mostrando eticamente inaceitáveis. Os casos do Marco Aurélio Garcia e o seu "top top" e dos Ministros Ricardo e Carmen, do STF, falando pela rede interna, revela uma cultura "Big Brother" que passou do ponto.
Tudo bem, até aí concordamos. Mas não dá para comprar uma briga unilateral, como fazem Paulo Henrique e Marilena Chauí. Isso vai acabar gerando posições ridículas, como quando dizem que há "golpismo" na história do mensalão. Todos sabemos que houve circulação de dinheiro ilícito [caixa 2] entre partidos para financiamento de campanha [isso não é, de fato, mensalão], chegando a soar alucinatórias as reclamações desses ortodoxos.
A mídia realmente tem um pensamento "próprio": pede higidez e equilíbrio nas contas públicas, transparência nos gastos, liberdade de informação, combate à corrupção, eliminação de partidos fisiológicos, práticas imorais, etc. Ora, embora às vezes exagere a seu favor [no caso da liberdade de informação, sem dúvida], são bandeiras, via de regra, justas.
Ser crítico em relação à mídia é não satanizar. Satanizar é emburrecer. Isso vale para tudo. Satanizar impede de pensar. Que o Governo seja crítico da mídia, é um dever moral, já que é constantemente atacado injusta ou irrazoavelmente; daí para dizer-se que a mídia é "inimiga" é algo não apenas equivocado, mas perigoso para a democracia.
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ESPECIFICAMENTE, SOBRE O CONVERSA AFIADA
As bobagens escritas por Paulo Henrique Amorim sobre o Ministro Marco Aurélio de Mello mostram que não dá para levar muito a sério um jornalista que escreve "não coma gato por lebre" e tem como princípios atacar FHC, São Paulo [o Estado] e o Ronaldo.
Na realidade, nem merecem resposta seus comentários que Marco Aurélio "desestabiliziria" a república. Isso só para quem não leu a Constituição e é metido a sabichão.
O que dá um desconto ao "esquerdista" Paulo Henrique Amorim é que ele pelo menos ADMITE e deixa claro quais são suas preferências e implicâncias. O problema de jornalecos como a Veja e o Estadão é POSAR DE IMPARCIAL. Nesse sentido, é preciso dar o braço a torcer: Caros Amigos, Conversa Afiada e Carta Capital não fazem esse papel. Se assumem como esquerdistas; ao contrário desse jornalismo de direita que pretende se confundir com "os fatos" e finge dar palavra ao "outro ponto de vista". Não fosse a pose, o jornalismo da Veja e do Estadão teria o mesmo valor que o Conversa Afiada e a Carta Capital: quase nenhum.
Não acredito em jornalismo neutro, mas acho que é possível a existência de bom senso. Isso significa não cavocar inimigos e procurar seu "anti".
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INFORMANDO -- POR DEVER DE OFÍCIO
Já que esse blog deve ser lido por pessoas que não me conhecem -- talvez por acidente -- preciso prestar um serviço de informação geral.
A mídia -- v.g.: os jornalistas -- NÃO APRENDERAM [literalmente] que a regra processual sobre a prisão não é como eles costumam noticiar. O cidadão leigo lê o jornal e vê: "X é preso em flagrante e depois liberado pela Justiça", de forma que, pelo teor da notícia, parece que a REGRA é que o sujeito fique preso e um destemido, pervertido, liberal e maluco juiz resolveu soltá-lo.
A prisão durante o processo -- ao contrário - segundo as normas processuais e especialmente a Constituição, é EXCEÇÃO, pois existe um princípio chamado presunção de inocência, que significa que ninguém pode ser considerado culpado antes da sentença condenatória final. O que significa isso? Que, uma vez que o cidadão é considerado inocente até o fim do processo, não pode ser mantido preso, a menos que existam razões ESPECÍFICAS para isso. Que razões? Pôr em risco o processo [ex., ameaçar testemunhas, fugir]. O cidadão não pode ser mantido preso durante o processo pelo crime que [supostamente] cometeu; do contrário, teríamos uma antecipação da pena, jogando no vazio a presunção de inocência.
Entenderam? Mas as notícias saem ao contrário.
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Trilha sonora do post: Supercordas, "Fotossíntese".

quinta-feira, setembro 13, 2007

O FRACASSO DO PT
Ontem mesmo escrevia sobre injustiças da mídia em relação ao Governo Lula. Mas a absolvição de Renan Calheiros me obriga a escrever em tom crítico hoje.
Se o Governo do PT no comando da Presidência tem logrado um êxito inesperado na economia [combinando estabilidade e crescimento] e obtém bons resultados na área social [para o que, afinal, foi eleito], existe um local onde o que vemos é um fracasso retumbante dos petistas.
A formação de uma "esfera pública" no Brasil, que muitos nutriam como sonho acreditando na pureza do PT [como eu, até o mensalão], ficou para trás. O PT, definitivamente, fracassou nesse aspecto. Aliás, nem sei se um dia quis a formação dessa esfera.
Uma esfera pública pressuporia, no mínimo, a formação de grupos políticos republicanos, voltados para o interesse público, e com profundo debate democrático. Experiências na democracia participativa -- como fizera o PT em Porto Alegre -- me faziam acreditar nesse sonho. O PT poderia sinalizar novos tempos na política brasileira, com isolamento de velhas forças oligárquicas e "limpeza" geral das forças políticas corruptas.
No entanto, venceu o lado protocomunista do PT. A burocracia partidária, que era alvo dos discursos fascistas de alguns anti-petistas, acabou de fato se tornando a força preponderante em um partido que reunía possibilidades múltiplas -- entre elas, a de unir minorias e criar alternativas não-marxistas de esquerda -- e, com isso, o projeto de formação de uma esfera pública democrática e republicana acabou ficando em segundo plano. Preferiu-se a coligação com oligarquias que estavam prontas a ser demolidas e partidos fisiológicos.
Se isso estava claro no mensalão -- quando ficou claro que não havia limites éticos para a manutenção do projeto político petista no Governo [à semelhança do que, anos antes, havia feito o PSDB na emenda da reeleição] -- a absolvição de Renan Calheiros deixa mais uma vez claro que a higidez republicana dos petistas acabou sendo delegada a segundo plano em prol dos interesses políticos.
Se o PSDB, aparentemente uma vertente mais "intelectual" da política brasileira, já havia frustrado esse sonho, o PT -- o último dos refúgios da esquerda -- representa definitivamente o enterro do sistema político brasileiro na lama do corporativismo, da corrupção e da ausência de republicanismo.
Definitivamente, podemos ter boas políticas no Brasil [e nisso, ratificando o que escrevi no post abaixo, acredito que o PT tenha as melhores], mas ainda não temos uma esfera pública, e sim um amontoado de grupos formados por oligarquias e burocracias partidárias interessadas em se perpetuar no poder.
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A CONFUSÃO ENTRE O JURÍDICO E O POLÍTICO
Já falei por aqui sobre a responsabilidade política: o povo é o único dono do poder na democracia, como diz a Constituição. Portanto, todo aquele que está no centro da política está em posição precária. É apenas um representante, ou seja, deve estar ocupando seu cargo enquanto o eleitorado lhe der legitimidade. Não existe "direito adquirido" ou "presunção de inocência" no mandato político, que não é a mesma coisa, por exemplo, que a assunção de um cargo público [por exemplo, no caso daquele Promotor de Justiça].
A responsabilidade jurídica é de outro nível. Para ela, devem existir todas as garantias constitucionais, especialmente o direito à defesa, a presunção de inocência, ou, em síntese, o devido processo legal. Para que Renan Calheiros seja condenado, é necessário que a acusação disponha de provas substanciais e convença o Magistrado, em confronto com a defesa de Renan, que ele é efetivamente culpado.
Na questão política, no entanto, a legitimidade de Renan já se esgotou há muito. Se ele porventura for inocente, poderá ser recompensado com novo mandato futuramente, como ocorreu com Ibsen Pinheiro, por exemplo, além de poder obter ressarcimento pelos danos morais sofridos.
O que não é possível é um cadáver político dirigir o Senado, sem qualquer dose de legitimidade. A cadeira de Presidente do Senado parecer ter sido "adquirida", como se, ao terminar a eleição, Renan tivesse o direito de exercer o poder -- que é unicamente do povo -- transferido para si, inclusive contra o povo.
Os políticos utilizam -- com muita astúcia -- essa indistinção. E a imprensa, como não sabe manejar com os conceitos, troca um pelo outro.
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Trilha sonora do post: Blonde Redhead, "Heroin".

quarta-feira, setembro 12, 2007

IMPRENSA INJUSTA
Todos sabem que não estou junto com os petistas que acham que os dois únicos bons jornalistas do Brasil são o Paulo Henrique Amorim e o Mino Carta, ou seja, os dois que falam bem de tudo que vem do PT e mal do PSDB, além de, claro, aderir à tese do golpismo da mídia.
Mas isso não significa que não possa ter uma postura crítica em relação aos jornais.
Quando o "Fome Zero" foi lançado, podem conferir nos posts, sempre fui cauteloso na sua avaliação. Dizia que era preciso dar tempo para ver os resultados. A mídia, por outro lado, condenava em bloco o programa, afirmando que "era um fracasso" pela ineficiência e daí por diante. Depois, teve que engolir Lula ser reeleito pelos beneficiários do Bolsa-Família, mostrando que o programa foi bem sucedido em chegar aos seus destinatários, além de ter que admitir que não se tratava de simples "assistencialismo", como alguns diziam, mas sim mecanismo de inclusão social efetivo.
Agora acontece o mesmo. A imprensa alardeou que o Governo perdia a chance de o Brasil crescer [qualquer semelhança com o discurso de Alckmin NÃO é mera coincidência], pois não chegava aos 5%. A frase do "espetáculo de crescimento", usada uma vez pelo Presidente, era repetida à exaustão para atacá-lo.
E então, agora que o IBGE registra que o Brasil vai crescer 5%? Nada se diz. Procura-se outra maneira de atacar o Governo.
Não ganho nada para defender Lula e nem pretendo ser mais um desses fanáticos que nem pensam mais. Entretanto, um pouco de reconhecimento a um bom Governo viria bem; pelo menos para a parcela mais ética da mídia.
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FINALMENTE
Finalmente Sarkozy e Merkel começam a discutir o que interessa: como vamos "domar" o capitalismo financeiro.
Lembremos que todos os ciclos do capitalismo começaram como esse recente: condições de trabalho selvagem, concorrência desleal, prevalência dos princípios favorecedores ao mercado. Entretanto, com o tempo, houve uma domesticação política e jurídica da economia, principalmente após Keynes.
Precisamos de um Keynes novo; mas alguém que realmente pensa contra Keynes para que ocupe seu lugar. Uma regulação em nível internacional, domando os mercados selvagens da China e asiáticos, é mais que necessária.

RONALDINHO
O desempenho de Ronaldinho no amistoso contra os EUA e nas primeiras rodadas do Campeonato Espanhol apenas confirma aquilo que qualquer pessoa que entenda de futebol e não esteja de má-fé já sabia: Ronaldinho passava por um momento de estafa física e mental, depois de duas temporadas perfeitas, e acabou tendo seu rendimento diminuído. Agora, a tendência é que volte ao seu lugar de melhor do mundo.
Há críticos que vivem de "urubuzar" os outros. Como não têm conteúdo, precisam eleger culpados. O que me preocupa é que Dunga os ouça demais.
Aliás, com as atuações de Ronaldinho, o Barcelona provavelmente se confirmará como melhor equipe da Europa.
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PELAIPE - UM DESASTRE
Rodrigo Mendes e Kelly, ambos contratados após CIRURGIA NO JOELHO, se lesionam NO JOELHO e provavelmente não jogarão o resto da temporada. Que competência, hein! Afinal, todo mundo sabe que essas lesões no joelho são comuns, não interferem em nada no desempenho do jogador.
Com isso, nos sobram para o ataque Tuta e Ramón, e mais adiante Marcel. Com esse ataque, dificilmente o Grêmio chega à Libertadores.
Para uma equipe que, lembremos, poderia estar pau-a-pau com o São Paulo com facilidade.
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Trilha sonora do post: Bright Eyes, "Easy/Lucky/Free".

quarta-feira, setembro 05, 2007



Quando o cara lê uma coisa dessas, dá vontade de desistir.

SPOON, "GA GA GA GA GA" (2007)


Banda que vem de Austin, Texas, terra do Trail of Dead, Secret Machines, I love you but I've choosen darkness e Explosions in the Sky, os Spoon nos proporcionam mais um álbum refrescante.
Mais consistente e grudento que "Gimme Fiction" (2005), que resenhei à época, "Ga Ga Ga Ga Ga" investe menos no lo-fi e muito mais em melodias inspiradíssimas, com batidas chicletudas, capazes de fazer qualquer um bater o pé ou o joelho por baixo da mesa. "You got yr. cherry bomb", "Rthm and soul", "The underdog" e "Finer Feelings" são exatamente isso. A exceção fica por conta da mais experimental e atordoante "The ghost of your lingers", que parece cumprir o papel que "Pam Berry" tem no álbum dos Shins.
Mas se tiver que guardar apenas um momento, se tu queres uma provinha antes de baixar, se fosse para escolher um single, certamente escolheria "Don't you Evah" -- uma delícia de indie pop para balançar a cabeça [nada a ver com os rockzinhos brit de pista], embalada, grudenta, delícia.
"Ga Ga Ga Ga Ga" é isso: linhas de baixo gorduchas, guitarras prontas a aconchegar melodias cheias de ritmo, vocal comportado, mas competente, e produção limpa. Tudo nos conformes de um indie pop descontraído.

THE CORAL, "ROOTS AND ECHOES" (2007)



O The Coral parece ser uma daquelas bandas que caiu na própria armadilha: ao lançar dois discos brilhantes, aparentemente vai ter que correr muito atrás deles para alcançá-los. "Roots and Echoes" segue a trilha de "The Coral" (2002) e "Magic and Medicine" (2003), mas ainda está um pouco atrás.
Há ecos [...] do rock-mariachi-psicodélico do primeiro álbum ["Who's gonna find me", "Remember me", "In the rain"], assim como do folk-chapado do segundo ["Fireflies", "Cobwebs"] além de canções inspiradas que parecem beber na fonte do pop sessentista, das quais a bela "Jacqueline" é, sem dúvida, a mais representativa. Mas também "Put the sun back" e "Not so lonely", que parecem sacadas de alguma banda esquecida dos anos 60, sem soar pastiche de nada.
Os melhores momentos são os dois últimos temas, "She's got a reason" e "Music at night", deliciosas melodias que fazem o The Coral soar como das bandas mais interessantes surgidas no cenário pós-2000: uma espécie de caldeirão onde se jogam The Doors, spaghetti westerns, violões, pop sessentista e folk-hippie-psicodélico.
Um disco que, se não alcança o brilhantismo de seus antecessores, é melhor que a maioria dos lançamentos que estamos vendo por aí.

SAPATO NOVO
Que beleza essa música, hein?

MINHAS RESENHAS NOVAS NO PLUGITIN! [basta clicar para acessar]


EMIR SADER É "ESQUERDA" OU UM MORTO-VIVO?
Quando leio, no site da editora Boitempo, que Emir Sader será um dos conferencistas de um debate com o nome "A história absolverá Fidel Castro?" me dá náuseas.
Aparentemente, tem gente que fica rodeando cadáveres e os tratando como gente viva.
Acreditar que "a história" absolve alguém significa acreditar na "História". Ou seja, acreditar na possibilidade, cujo maior responsável é o filósofo George Friedrich Hegel (1770-1831), de que exista um sentido e uma filosofia da história -- de que a história seja uma "totalidade". É esse sentido, do qual nos aproximaríamos ao longo do tempo, que julgaria Fidel Castro. Sader, como marxista que é, segue o ensinamento de Hegel.
A filosofia da história é a principal responsável pelo suporte teórico dos totalitarismos. Quando não existe futuro aberto, mas um plano fechado que apenas esperamos acontecer, tudo passa a ser justificável para implementar esse "projeto". É assim como foram construídos os gulags e Auschwitz.
Uma esquerda que vale a pena acreditar é aquela que, antes de tudo, deixa pensar o Novo. E, para pensá-lo, não podemos engessar o tempo. Não existe sentido na história. Só responsabilidade. E, nesse ponto, Fidel irá ser para sempre o personagem ambivalente que é hoje: um libertador de Cuba, que fez uma revolução justa para expulsar elites podres e a exploração norte-americana, de um lado; e um ditador sangüinário, que se recusou a implementar mecanismos democráticos e continua fuzilando seus adversários políticos, de outro.
"A História" não absolve ninguém, só a história dos marxistas -- a mesma dos gulags.

CELSO ROTH
Estou longe de ser um entusiasta de Celso Roth. Nas suas passagens pelos times do Sul, quando posso observar suas decisões técnicas e táticas, acho-o muitas vezes equivocado e -- sim -- excessivamente defensivista. Exageradamente. Com a agravante de não conseguir conquistar títulos com seu futebol "pragmático".
No entanto, tenho que reconhecer que, ouvindo suas entrevistas nos últimos tempos, desde que assumiu o comando do Vasco, aparentemente ele aprendeu a lição de sucessivos fracassos e parece um técnico mais equilibrado, sincero e disposto ao diálogo. Do estilo carrancudo e disciplinador a um estilo mais descontraído e polido. Talvez agora consiga se firmar entre os melhores do Brasil. Talvez.

GRÊMIO
As duas últimas convincentes vitórias do Tricolor não devem iludir ninguém: o time não é bicho. Acontece que o nível técnico do Brasileirão está tão baixo que até dá para cobiçar a Libertadores, mesmo tendo como como opções de ataque Rodrigo Mendes, Ramon, Tuta e Marcel. Lamentavelmente, a Direção gremista parece exigir que Mano Menezes tenha que parir um filho em todas as competições. Depois de vender o Lucas [ok] e Carlos Eduardo [por que, afinal?], as reposições são duvidosas. Serve de alento, pelo menos, que estamos suficiente bem armados na defesa. Em caso de lesão de Tcheco ou Diego Souza, no entanto, nem quero pensar.
Saudades do Renato Moreira.
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Trilha sonora do post: Los Hermanos, "Pois é".

terça-feira, setembro 04, 2007

ELES ESTÃO À ESPREITA



As declarações ácidas do Ministro Nelson Jobim, na cerimônia de lançamento do primeiro ato concreto de memória da Ditadura, deram vazão a uma reação do Alto Comando Militar. Os militares reafirmaram que o Exército é ainda "o mesmo de Caxias" e que a interpretação da história depende do ponto de vista.
Ora, que a interpretação da história dependa do ponto de vista é algo que qualquer um não-ingênuo -- que abandonou uma pretensa "objetividade" --, concorda. O próprio selecionar os fatos enquanto "históricos" já não é pura objetividade, mas narração e mito. Mas isso está longe de significar que os fatos não tenham ocorrido [afirmar isso é solipsismo ou esquizofrenia], nem que as interpretações não possam ser colocadas na berlinda para discussão. Ninguém pode ser "relativista" no sentido forte do termo: todo mundo tem um ponto de vista, do qual sai sua fala. É no nível intersubjetivo, dialogal, que vamos confrontar esses pontos de vistas.
É o que se pretende com a recuperação da memória do regime da Ditadura. Confrontar as nossas interpretações -- não a partir do "ponto de vista de lugar nenhum" -- mas nosso, enquanto democratas liberais, em relação aos atos do Exército daquele período. O silêncio sobre os fatos apenas reflete que os milicos se protegem de críticas, porque realmente não têm argumentos bons para sustentar a Ditadura. Vamos debater se estávamos diante de uma "ameaça comunista", se a quebra institucional se justificava, ou se, como vejo, estávamos diante de mais uma tomada de poder de uma elite por meios sangrentos, tendo-se cometido vários crimes contra a humanidade e imperado a burrice militar, da hierarquia e disciplina.
O que me preocupa é a insubordinação dos militares ao poder civil, ainda hoje. Mantendo um incrível poder [dos quais, venho dizendo há tempos, a existência de Brigadas Militares é o maior exemplo], o Exército nega-se a aceitar o regime democrático e o Estado de Direito, questionando todos aqueles que falam o óbvio: estivemos diante de inúmeros crimes durante o regime ditatorial, e dizer isso não é "revanchismo", pois essa é uma nomenclatura de quem MANTÉM a divisão entre "nós" [militares, direita] e "eles" [esquerda, subversivos].
Que o Exército afirme ser o "mesmo de Caxias" é sintoma de que persiste enquanto poder golpista, como foi em toda história da república, desde a nossa falsa proclamação que veio de cima para baixo. É um poder que se vê autônomo e mantém o perigo de um levante com base nos seus próprios [e questionáveis] princípios. Preocupante, porque eles estão aí, ao nosso redor, nos vigiando.
Cuidado, portanto, Ministro Jobim [de quem a postura tucana já começou a render maus frutos: a indicação de Direito para o STF é uma; mas que, como tucano, também se coloca fortemente contra o regime de 64], quando quer colocar o Exército nas ruas. Pode ser o começo de uma história que já conhecemos.