Mox in the Sky with Diamonds

sexta-feira, novembro 27, 2009

UM DIÁLOGO

- Não te assusta a possibilidade de perder tudo, não é algo que em si mesmo justifica as coisas que estão aí?
- Não, não me assusta. Antes: é a única coisa que me dá esperança.
- Mas não cogitas a hipótese do pior?
- Cogito, mas imagino também muitas outras.

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quarta-feira, novembro 25, 2009

RESSENTIMENTO ENVENENA POLÍTICA GAÚCHA

NADA É MAIS desalentador do que o quadro político da próxima eleição no RS. Depois do desastre parcialmente encoberto pelo jornalismo marrom do Estado, a tentativa de reeleição da Dama de Ferro só pode ser mais um indício do seu forte desequilíbrio mental. O neomalufismo do "rouba, mas faz" parece que não irá vingar por aqui. Além disso, o "feito" não é tão palpável quanto a construção de vias públicas ou obras populares, mas um abstrato "déficit zero" que não só não significa nada, como inclusive representa algo atrasado após a crise dos mercados financeiros desse ano. Apesar do jornaleco ainda insistir do "equilíbrio fiscal" e na "gestão" como principais fatos políticos (compartilhando o que se chamava de "neoliberalismo"), é nítido que a política do Governo Federal e do Governo Obama, por exemplo, já remam contra essa maré. O jornaleco nem percebeu que não só a população nunca esteve aí para essas bobagens, mas que mesmo elas estão defasadas com nosso momento atual de um governo indutor de crescimento apoiado por 80% da população. O discurso, apoiado pelo empresariado fã-do-Manhattan-Institute gaúcho, perdeu tanto a força que hoje soa como um girar no vazio, sem capacidade de despertar o contágio de quem seja. Como compensação, a mídia marrom busca então ressuscitar campanhas neocons, como a de ojeriza às drogas e da volta à disciplina na escola. Tudo como num repeteco monótono de fatos velhos na história.
Tristes, no entanto, são as alternativas. Depois do fracasso da ARENA no poder (representada inclusive com o exército na pasta de segurança), com a radicalização à extrema direita, tudo indica que será o velho MDB, nosso PMDB, que sairá vencedor nas próximas eleições. Mais uma vez teremos as velhas oligarquias voltando ao poder, com dois candidatos (Rigotto e Fogaça) com perfil anódino, medíocre, prontos a fazer um governo de greve dos acontecimentos como o dos últimos 8 anos em Porto Alegre e o anterior à Yeda no Estado. Como é possível que não enxerguemos como não estamos indo para frente com a hegemonia dessa oligarquia que só troca a cabeça de chapa? Como não enxergar que o voto em Fogaça, por exemplo, é um voto fanático antipetista, incapaz de uma reflexão sobre a qualidade do seu candidato? Quem tem coragem de defender um governo que só acomoda aliados e seus CCs e mantém a cidade totalmente parada nesses últimos 4 anos em que o Brasil cresceu como não crescia há quase 20?
Tudo isso ganha a pedra de toque com a opção que temos. O fato de o PT estar mais uma vez propondo Tarso Genro como candidato é símbolo da falência da esquerda gaúcha em se reciclar. Tarso, Olívio, Olívio, Tarso -- é só o que temos? Como o PT acha que será capaz de romper o teto (e piso) dos 33% da população que o apóia? Com os mesmos candidatos? Quando o PT sairá do papel meramente reativo de discursar contra o "neoliberalismo" e a corrupção e indicar que está traçando novos caminhos, inclusive revendo suas posturas? Tarso é o sinônimo da falta de imaginação do PT gaúcho, que não se contenta em perder todas as últimas eleições; precisa perder mais uma. Essa esquerda -- que, em todo caso, é melhor que a direita -- traduz a caricatura de tudo aquilo que se põe na esquerda: abuso de chavões e clichês, comportamento xiita, empreguismo de companheiros, discurso mofado e incapacidade de renovação. Antigamente, tinha chance de eleger se fizesse, como fez em 1998, uma correta leitura do cenário gaúcho: a única força capaz de se aliar ao "socialismo" do PT no cenário gaúcho, contrapondo-se ao anticomunismo que alimenta MDB e ARENA, era o "brizolismo", tendo sido o PDT que garantiu a quantidade de votos necessária para suplantar Britto. No entanto, o próprio PT tratou de afundar o "brizolismo" ao recrutar os pedetistas (Dilma entre eles) sem devolver os cargos e, com isso, jogar o PDT gaúcho para a direita. A aliança que Tarso pretende fazer não tem nada a ver com esse pacto "ideológico" que poderia dar uma base substancial a uma candidatura de esquerda no Estado; é a pura e simples repetição do fisiologismo do Governo Federal para o âmbito estadual, com o "pragmatismo" introduzido no PT desde 2002.
O que destrói a política gaúcha é o ressentimento: sempre se sentindo injustiçado no plano nacional, o gaúcho pensa a política de forma reativa, culpando o restante pelo seu fracasso. Enquanto o Brasil anda para frente, com os melhores resultados sócio-econômicos dos últimos 20 anos, o RS anda para trás, não tendo recuado mais apenas porque acabou se beneficiando menos do que o possível do crescimento brasileiro. O gaúcho tem ódio demais, está sempre destilando preconceito e ressentimento, bastando para isso acompanhar nossa mídia marrom. e suas "cartas do leitor". Não consegue tocar adiante, se abrir, pensar o novo. Está fixado numa sede de vingança que implica a paralisia geral de todos.
Para repensar a esquerda gaúcha, é preciso que olhemos firmemente para nossa cultura e que, sem qualquer medo de profanar o sagrado, possamos fazer novo uso dela, enfatizando os aspectos bons e polarizando os ruins. Um(a) outro(a) candidato(a) seria necessário(a) para fazer o papel que Marina Silva desempenhará no Estado: enfrentar as oligarquias rurais, implementar uma gestão preocupada com o meio ambiente, criticar os preconceitos culturais , afirmar os direitos humanos e reavivar, por exemplo, um dos legados mais interessantes do brizolismo, que era a defesa da educação.

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quarta-feira, novembro 18, 2009

MARTELOS

A desilusão cotidiana com a política não se deve a um acidente na escolha dos políticos; é o poder, inerentemente, que é corrupção.

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A afirmativa peremptória dos liberais de que a democracia liberal é o "melhor dos mundos possíveis" é apenas sintoma da falta de imaginação que povoa o pensamento contemporâneo.

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O gesto que sacraliza a violência, separando-a na esfera do Estado, é apenas uma repetição secular da teologia política que esteve desde sempre presente.

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O poder e o cuidado são os pólos de tensão que separam a violência da ética. Ambos são humanos na mesma medida em que são inumanos.

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sexta-feira, novembro 13, 2009


RESTOS
Eis a primeira edição do nosso informativo Restos. Fico muito feliz de compartilhar esse espaço com amigos como o Pandolfo, Gregs, Mayora, Zé, Achutti, Raffa, Jan, Vinícius, GD, Mari, Quinho, Carla e outros. Aos poucos, o ICA vai crescendo -- com apoio especial dos nossos amigos e professores Timm, Salo e Rodrigo -- e criando um novo lugar para o pensamento entre nós. Hoje, na nossa rede social, temos mais de 250 pessoas de vários estados do Brasil em constante debate e diálogo. Resta aprofundar nossas relações.
Confiram o informativo nesse link. Meu texto é "Neoliberalismo e a crença no Estado" e procura enfrentar o dilema entre o chavão acerca do "neoliberalismo e globalização", de um lado, e o problema da intervenção do Estado, de outro.
Visitem nossa rede social e nosso site!

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segunda-feira, novembro 09, 2009

AS CRÍTICAS A LÉVI-STRAUSS

A MORTE de Lévi-Strauss gerou uma pilha de obituários. Alguns, previsivelmente, em caráter crítico. Vou tentar responder a alguns deles (dois da Folha, p.ex., de Luiz Felipe Pondé e Pereira Coutinho, dois representantes - o primeiro um pouco ambivalente - da direita pensante).
Os críticos do etnólogo francês reconhecem a importância do seu trabalho, mas afirmam que, com o estruturalismo, Lévi-Strauss nivelou todas as culturas, impedindo o seu julgamento e legitimando suas estruturas. Ademais, deixou sem referencial o Ocidente, impedindo a primazia do discurso iluminista.
Ambas críticas estão erradas. Primeiro, Lévi-Strauss era um etnólogo, e não um filósofo moral. Portanto, sua tarefa não é julgar as culturas, mas compreendê-las. Afirmar que toda cultura é uma totalidade fechada e carece de irracionalidade não significa, ao mesmo tempo, nivelar as culturas, ao menos não no sentido fortemente valorativo que as críticas afirmam. É impressionante -- e isso ocorre também MUITO frequentemente na Criminologia - como certas pessoas têm dificuldade de dissociar o nível descritivo do valorativo. É verdade que toda descrição é não-neutra, mas isso não significa, ao mesmo tempo, a impossibilidade de descrever. O fato de a objetividade ter sido relativizada pela filosofia do século XX não significa, automaticamente, que não exista objetividade. Isso é simplesmente falso. Aqueles que não conseguem distinguir ser a objetividade um "setor" da experiência do mundo de não existir ou não entenderam nada, ou estão de má-fé.
Lévi-Strauss era, como eu disse, um etnólogo, preocupado com a cientificidade das suas descrições. Não cabia a ele, portanto, afirmar que todas as culturas são iguais, ou que dá tudo na mesma. Isso é uma conclusão nossa do seu trabalho. O que ele "nivelou" não foram os critérios morais das diversas culturas, mas a sua racionalidade -- Lévi-Strauss simplesmente apresentou as formas a partir das quais a experiência no mundo se organiza, demonstrando que os "primitivos" não são comparáveis a loucos ou crianças (se quiséssemos ampliar, diríamos que nem loucos ou crianças pensam de forma "irracional"). O que me leva ao segundo ponto.
A prosa antropológica de Lévi-Strauss não é, como afirmam alguns entusiastas do liberalismo político, "anti-ocidental" ou "anti-iluminista". Lévi-Strauss é anti-etnocêntrico, ou seja, alguém que tem a preocupação não de desmerecer os valores ocidentais, mas de circunscrevê-los no tempo e espaço. Que a idéia de sujeito, a definição de razão, a crença do contrato social e a visão da liberdade do liberalismo político/iluminismo são fenômenos tipicamente ocidentais, poucos duvidam. A conclusão que se tira disso é que um discurso verdadeiramente universalista deveria se pautar por categorias negociadas entre as diversas culturas, sob pena de ser -- como é -- imperialismo ocidental (ainda que um bem-intencionado imperialismo). Nossa cultura não é isenta de críticas e nem é perfeita. Se é melhor que a Taleban, ótimo. Mas negociar algo universal com o Taleban significa ter que estabelecer um parâmetro mínimo de diálogo, que não necessariamente precisa coincidir com indivíduos, estado de natureza, contrato, liberdade, mercado.
Todos aqueles que pautam os valores ocidentais como universais são visivelmente etnocêntricos. E o etnocentrismo é uma forma de preconceito (e, por isso, de violência). O que Lévi-Strauss nos apresentou foi a diversidade de sistemas culturais, todos organizados e racionais em si mesmos, tornando imensamente complexa a possibilidade de negociação do universal. E é perfeitamente plausível que assim seja, haja vista a diversidade que perpassa o mundo (muito mais plausível que simplórias imagens ocidentais de indivíduos que se reúnem em contratos).
A discussão em torno do universal está longe ainda de algum resultado, e certamente Lévi-Strauss não atrapalhou, mas a complexificou devidamente. O iluminismo não é outra coisa senão uma forma sagrada de religião civil, quer dizer, uma espécie de secularização das formas sagradas que troca seus atores, mas mantém inalterada a posição das peças. Trata-se, portanto, de uma forma cultural (e não universal) que tem seus méritos (muitos) e deméritos (vários), como as demais. Não pode se impor com base na violência do etnocentrismo, conquanto muitas das culturas particulares que nos deparamos se apresentem como violentas.
O que queremos como universal? É uma discussão apenas iniciante, que autores como Levinas (ética, alteridade), Derrida (hospitalidade), Agamben (profanação), Benjamin (redenção) e tantos outros contribuíram e problematizaram ainda mais.

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terça-feira, novembro 03, 2009


CLAUDE LÉVI-STRAUSS (1908-2009)

Tinha a nítida impressão de já ter escrito um post por aqui sobre Lévi-Strauss. Depois de conferir até os rascunhos do blog, concluí que fiquei só na promessa. Diante da morte do genial antropólogo francês, resta homenageá-lo, ainda que de forma curta, pois meu tempo anda escasso (e isso não é retórica).
É conhecida a frase de Freud acerca das três feridas narcísicas: a primeira, por Galileu, tira a Terra do centro do Universo; a segunda, por Darwin, tira o homem do centro da Criação; a terceira, por Freud (a modéstia não estava entre suas características...), tira a homem da posse da sua "própria casa", ou seja, da sua consciência, revelando a existência do inconsciente. Lévi-Strauss seguramente poderia ocupar um espaço de quarta ferida narcísica, ao ferir de morte o narcisismo do homem ocidental (Freud incluso): mostrando que o pensamento científico não era superior aos demais e abrindo a possibilidade de uma interpretação formal das culturas a partir do estruturalismo, Lévi-Strauss derruba o mito do homem europeu no centro do mundo.
O que Lévi-Strauss, apoiado em Mauss, não cansou de mostrar foi que as culturas não podem ser hierarquizadas em "evoluídas" e "primitivas", ou "civilizadas" e "bárbaras", atribuindo às segundas o rótulo de irracionais, absurdas, infantis. Lévi-Strauss prova a partir do método estrutural que toda cultura - por mais rudimentar que pareça - é um sistema organizado de crenças, uma totalidade que estrutura o agir e interpretar o mundo por aqueles que a compartilham. Essa estrutura, nos diz o autor, ultrapassa os indivíduos que estão ali presentes, uma vez que não pressupõe qualquer intencionalidade destes ao transmitirem os arcabouços culturais tais como mitos, ritos e diferenças. Isso não significa pensar a cultura "fora" dos indivíduos, mas sim ultrapassar a noção cartesiana de "consciência" (e Freud, nos diz Lévi-Strauss, foi sua principal influência no aspecto) para abarcar uma espécie de "super-racionalismo", em que o próprio inconsciente é capturado nos seus movimentos a partir das estruturas sociais (que seriam "infraestruturas", daí a admiração igualmente por Marx e pela geologia).
O pensamento de Lévi-Strauss é, portanto, da forma, e não da substância. Ele não hierarquiza os sistemas de crenças a partir da proximidade com o pensamento científico, tal como os positivistas até hoje fazem. Lévi-Strauss, ao contrário, entende cada sistema como uma totalidade coerente em si mesma, que muitas vezes não apenas responde a problemas concretos do cotidiano, mas até produz "conhecimento desinteressado" (tal como longas classificações de plantas por índios que Lévi-Strauss arrola em "O Pensamento Selvagem"). Como antropólogo, a preocupação científica de Lévi-Strauss era nítida, e fazia questão de separar a "boa" (o estruturalismo) da "má" ciência (o funcionalismo). No entanto, isso não significava reprisar o preconceito etnocêntrico, mas abrir a possibilidade de pensar outras culturas como outros "mundos", sem necessariamente estabelecer hierarquias.
Quando leio que José Saramago escreve novo livro "herético" sobre religião, fico pensando o quanto lhe faria bem a leitura de Lévi-Strauss. A visão materialista-positivista não é falha por estar cientificamente errada, mas por não compreender que as grandes e pequenas religiões - cristianismo, judaísmo, islamismo, p.ex. - são sistemas de mundo organizados que traduzem determinados valores, não passando de birra adolescente a visão caricata de, p.ex, "O Evangelho Segundo Jesus Cristo" (o mesmo se aplica a Dawkins, Hitchens, etc.).
Os contributos de Lévi-Strauss à ciência da antropologia são inestimáveis. O maior contributo, no entanto, é sempre o de fundo ético: Lévi-Strauss nos abriu a possibilidade de pensar o estranho sem, no mesmo passo, violentá-lo com as nossas crenças.

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