Mox in the Sky with Diamonds

quarta-feira, julho 25, 2007

THE TWILIGHT SAD, "FOURTEEN AUTUMNS AND FIFTEEN WINTERS" (2007)



Assim como não é todo século que nasce um Nietzsche ou Heidegger, parece que, na primeira década do século XXI, ainda não nasceu um Lennon ou Yorke. A música não está muito diferente de outras várias áreas da cultura: estamos diante de um pós-modernismo bricoleur, pronto a fazer colagens das mais diversas texturas sonoras que se acumularam ao longo de 50 anos de rock.
Que isso pareça falta de originalidade a alguns, ou algo pueril e fugaz, para outros, é algo compreensível. Afinal, vivemos mesmo o tempo do "líquido". Prefiro, no entanto, tentar abocanhar aquilo que me parece bom nesse emaranhado de bricolagens que percorre o cenário roqueiro atual.
Todos já estamos familiarizados com o revival punk [Monkeys, Libertines, Rakes, Cribs, Yeah Yeah Yeahs, etc.] e pós-punk [Interpol, Editors, Stills, Departure] -- esses saltam aos olhos. O que começa a surgir nos últimos anos é um novo revival, dessa vez baseado na combinação do rock britânico do final dos anos 80 e início dos 90, apelidado shoegaze. O que unia as bandas do gênero era a utilização de uma imensa parede de guitarras nas canções, criando uma sensação etérea e noisy, simultaneamente. Essa psicodelia - que nasce com "Psychocandy" (1985), do Jesus and Mary Chain [que, entretanto, não é considerado shoegaze] -- é o laço que reunía bandas distintas como My Bloody Valentine, Slowdive, Ride, Chapterhouse e Lush, e foi apropriada, por exemplo, pelo Verve [especialmente nos dois primeiros álbuns].
Hoje é possível perceber o que a mídia apelidou de "nugaze": um revival que combina a utilização das paredes de guitarras com outras texturas sonoras. Silversun Pickups, Asobi Seksu, Mew e Fields são exemplos de bandas que procedem essa bricolagem.
O The Twilight Sad talvez seja a banda mais esquisita desse movimento. Essa nova banda escocesa é um monstro sonoro que combina uma atmosfera folk/country de trovador com explosões inesperadas de camadas superpostas de guitarras. Baseadas numa poética um tanto quanto própria de Morrissey e recheadas de boas letras, as canções se alternam em movimento de calmaria absoluta na voz grave de James Graham e grandes reverbações psicodélicas de guitarras furiosas e invasivas, que entram sem pedir licença.
Nesse pêndulo estranho, que sai da crueza da violão e do folk para a eletricidade extrema do shoegaze, o Twilight Sad vai construindo com competência seus temas fortes, com versos marcantes que vão se repetindo numa interpretação enfática do vocalista. Assim, ao contrário das outras bandas que marcadamente optaram por alternar texturas elétricas [p.ex., o rock americano visceral do Sonic Youth ou dos Pumpkins, no caso do Silversun Pickups] ou psicodélicas [p.ex., o dream pop no caso do Fields], aqui a bricolagem é feita da forma mais improvável e estranha, mas funciona.
Destaco o tema "That summer at home I became the invisible boy", bem ao estilo trovador com gaita e tudo, mas que é invadido de forma estrondosa por um plano de guitarra furioso que destrói qualquer calmaria antes assolada. É como a melancolia que, cantada sutilmente em versos, vai sendo substituída pela raiva cujas palavras não dão conta. Mas a guitarra dá.


COMO SE TORNAR UM BURRO POLÍTICO
Não há dúvida que há o idiota político. Ele é a pessoa que não conhece nada de política, é ignorante, e por isso é governada pelos outros. É o maria-vai-com-as-outras que não tem opinião própria, compõe a massa. É contra ele que Brecht lançou aqueles preciosos versos que aniquilam qualquer um que permaneça indiferente à política. No caso da política, mesmo a indiferença já é política. Assim como na ética, é algo que não dá pra fugir. Estamos lançados dentro do mundo e, por isso, temos que conviver com o poder. Podemos ignorar a arte, passar a vida sem ver um quadro ou ouvir música; podemos ignorar a ciência, acreditando em crenças religiosas, e daí por diante. Mas da política não dá para fugir. Estamos jogados nela.
Mas eu não quero falar do idiota político, e sim do burro político.
O burro político é aquele que, como burro que é, não pensa mais. Ele aderiu a algo e não solta mais. Ele é semelhante ao fanático religioso, a diferença é que o fanático religioso o é por causa de uma questão que é eminentemente de crença, e nada mais, enquanto que o burro político não é capaz de perceber que as questões de política não podem ser analisadas em bloco, mas caso-a-caso. O burro político fica ainda mais burro quando se identifica com X. Tudo que X diz, faz ou não faz está correto. É preciso defender X em qualquer caso. O burro político não pensa mais: ele apenas defende X. É X quem pensa por ele.
Notem que, com X, quero dizer tanto um partido [ou Estado], quanto um anti-partido [ou anti-Estado]. Tanto faz. Os anti-comunistas eram tão fanáticos quanto os comunistas. O nazismo -- a suprema manifestação da burrice política -- foi se construindo sobre os ombros do anti-comunismo. Os burros políticos só conseguiam dizer sim e defender tudo que Hitler fazia porque, afinal de contas, ele era anti-comunista.
Há muitos burros políticos no jornalismo atual. Contra e a favor do governo. Ambos lados são patéticos. Um só consegue criticar e alfinetar. O outro, defender e acusar os "inimigos". A cegueira política é a pior doença. Ela causa burrice. É preciso analisar a política não em bloco, mas a partir de cada iniciativa concreta. Ninguém é infalível, nenhum "X". O que não significa que "ter partido" [ou "anti-partido"] seja algo errado; mas que isso não signifique abdicar de pensar.
Fala, aqui, um ex-burro.
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FUTEBOL
Nunca vi campeonato brasileiro tão fraco como este. É a chance do Tricolor vencer sem precisar de grandes esforços. Tem no seu banco o melhor estrategista do país e basta reforçar-se com mais dois ou três jogadores e estaremos prontos para levantar o caneco. Marcel pode dar certo, é uma boa aposta. Gustavo Nery é bom jogador, mas quer jogar? Em boa forma física e técnica, prefiro ele ao Jadílson, mas no momento atual... Precisamos de mais um zagueiro e um lateral-esquerdo, com urgência absoluta.
Já do outro lado do continente o Madrid se reforça razoavelmente, contratanto zagueiros como Pepe e Metzelder, o que é bom para a linha defensiva, que deve contar com Sergio Ramos na lateral e o excelente Cicinho no banco. Falta lateral-esquerdo. No meio, o time tem jogadores de marcação suficiente [Emerson, Diarra, Guti, Gago], pretende manter Reyes e contratar Arjen Robben para o lado esquerdo. O sonho Kaká ficou distante. Seria o jogador ideal, o que falta é alguém de armação na equipe.
De qualquer forma, já vou adiantando: a menos que Rikjaard cometa o absurdo de colocar 04 atacantes, é provável que o Barcelona pape todos os títulos esse ano. Não há como vencer de um time com Messi, Henry e Ronaldinho no ataque. Eles destróem qualquer sistema defensivo.
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Trilha sonora do post: The National, "Brainy".

quinta-feira, julho 19, 2007

Falta de criatividade

NADA tem sido mais tedioso nos últimos dias que o noticiário político. Os cadernos de política têm se resumido ao caso Renan Calheiros e, em menor escala, a Roriz. Além de, é claro, a agenda de Lula. Que a imprensa tenha o dever de denunciar a corrupção, é o óbvio. No entanto, que tenha que reduzir a política a isso, é outra história.
Que tal fazer reportagens trazendo especialistas para discutir matérias importantes? Por exemplo: pegar um projeto de lei que já esteja no segundo turno e discuti-lo, com opiniões de pessoas que investigam a fundo? Se o brasileiro se preocupa com segurança pública, porque não debater segurança pública, e não só ficar discutindo a ineficiência do Governo? O Bolsa-Família é, afinal, assistencialismo? Que tal chamar pessoas que recebam para falar? E o debate sobre o aborto, how about? Políticas de saúde, quem sabe trazer reportagens sobre alternativas que tenham sido bem sucedidas? As cotas, vamos debater? E a proteção da Amazônia?
Infelizmente, as colunas políticas hoje parecem um colunismo social adaptado. Enquanto a Contigo debate se Luana Piovani foi ou não à festa, a Folha debate com quem Lula conversou e convidou para o quê. E, se a Contigo às vezes traz manifestações indignadas contra a negligência materna de Britney Spears ou os tragos de Paris Hilton, a Zero Hora empilha colunas contra corrupção de Renan ou Delúbio Soares.
O tema da corrupção é fundamental e necessário. No entanto, ele é, por si só, um desencanto com a política. É preciso que a imprensa desempenhe também um papel pró-ativo na democracia, desencadeando debates e qualificando argumentos. Às vezes, um ponto de vista sólido sobre uma coisa é simplesmente produto de desinformação.

The National, "Boxer" (2007)

A mídia musical tem suas idiossincrasias; algumas exageradas, outras deliciosas. Algumas críticas contra o disco do Interpol têm sido visivelmente injustas, pois o disco é um primor de consistência do início ao fim. O The National já tem apreciação distinta: com notas altas em praticamente todas as publicações, a banda indie americana que já está no seu quarto disco realmente fez um trabalho convincente.

Com um vocal grave e bem postado, cantando e contando, eles fazem belas melodias com elegância sincera. De melancólicas baladas a temas mais agitados, o álbum mantém a consistência íntegra ao longo de toda audição e não baixa, em nenhum momento, do nível muito bom. Particulamente, as canções "Fake Empire", "Racing like a pro" e a melhor, "Mistaken from strangers", são deliciosas.



Blonde Redhead, "23" (2007)

Outra banda indie americana, com um catálogo já um tanto quanto extenso, que agora parece estar prestes a obter reconhecimento. Se a influência antiga [seguntam contam: não escutei] era o Sonic Youth, aqui definitivamente a praia é o dream pop. O gênero, que tem parentesco inegável com o shoegaze, traz algumas lembranças, durante o álbum, do My Bloody Valentine e de bandas "nu-gaze" como o Asobi Seksu [especialmente o vocal doce e nipônico]. No entanto, é certamente na esteira do Mercury Rev, Flaming Lips e outras dessas bandas que está a conotação principal desse misterioso e psicodélico álbum.
Composto de belos temas, dos quais destacaria "23", "Dr. Strangeluv", "Heroin" e "My Impure Hair", pairam em atmosfera absolutamente etérea os vocais doces de Kazu Makino, em melodias que variam e diferem, mas mantém a mesma climatização celestial, recortada em guitarras e elementos eletrônicos. Não é repetitivo nem enfadonho: cada tema vai, aos poucos, emergindo do seu hermetismo para conquistar o ouvinte na melodia contagiante.

sábado, julho 14, 2007

Ambivalência

SOU e não sou
Como posso ser mais e menos?
os dois ao mesmo tempo
mais e menos do início ao fim
estou aqui e lá
porque não preciso ser como você
eu sou mais
e menos
sou OUTRO.

quinta-feira, julho 12, 2007



A Desconstrução explicada para crianças

A palavra "desconstrução", que vem das idéias do filósofo Jacques Derrida, causa certa convulsão em certos meios intelectuais. Há quem fique de cabelo em pé.

Vejamos o seguinte artigo, escrito pelo Professor de Filosofia Desidério Murcho:

"Esta não é a interpretação mais popular do desconstrucionismo, e provavelmente não é a interpretação historicamente correcta. A interpretação mais popular é a ideia de que vale mesmo tudo — mas os desconstrucionistas são os únicos que o admitem. Quando alguém defende que algo é verdade, ou injusto, ou falso, está apenas a defender os seus próprios interesses — económicos, sociais, políticos, religiosos, etc."

Como pode um filósofo defender posição tão desonesta? É o que costumam fazer comumente muitos filósofos analíticos. Em vez de se dar o trabalho de LER o autor que criticam, eles preferem se apoiar em manifestações caricaturais do que o pensamento representa.

Quando Derrida disse que na desconstrução "vale tudo"? Jamais. Percebam como termina Desidério:

Um interesse oculto que parece muito comum é a falta de vontade para estudar imparcialmente e objectivamente de rerum natura, a natureza das coisas. É pura e simplesmente mais fácil defender um qualquer preconceito ecologista, industrial, religioso, científico, político, filosófico, estético, psicológico, etc., do que darmo-nos ao trabalho de estudar cuidadosamente a bibliografia relevante onde os argumentos disponíveis a favor e contra são discutidos, estudar os dados favoráveis e desfavoráveis à nossa posição, expor abertamente as nossas ideias convidando os colegas a criticá-las e a encontrar-lhes deficiências. Tudo isto dá muito trabalho, e é muito mais fácil declarar que tudo são manifestações ocultas de interesses. Mas se nos limitarmos a declarar que tudo são manifestações ocultas de interesses, nada nos impede de considerar que essa mesma declaração não é senão a manifestação oculta de um interesse muito comum na humanidade: preguiça intelectual.

Será que o problema da preguiça intelectual é de Derrida ou do próprio Desidério, que não leu o autor que critica?

Vou explicar, em breves linhas, o que significa a desconstrução.

Jacques Derrida é um filósofo pós-heideggeriano. Ele parte de uma perspectiva pós-metafísica, na qual já não temos mais alicerces para sustentar nossos "edifícios conceituais". Por exemplo: um filósofo medieval, como Agostinho, construía todas as suas categorias com um "ponto de apoio" - a existência de Deus. Esse ponto de apoio (no caso, teológico) é o que chamamos de "fundamento". A partir de Heidegger, como escrevi por aqui há uns dias, não há mais "fundamento", porque pensamos no "aqui embaixo", onde as coisas ocorrem, e não em um mundo platônico onde estaria a "verdadeira realidade" das coisas.

De que trata a desconstrução, então? Ela trata de desmanchar esse "fundamento" nos textos que Derrida trabalha. Derrida gostava de pegar um texto clássico -- por exemplo, a "Paz Perpétua", de Kant, ou "A Origem da Geometria", de Husserl -- e "desmanchá-lo" no seu fundamento. Como Derrida fazia isso?

Ele usava uma estratégia que poderíamos chamar de "transbordamento". Derrida "entrava" no texto, assumindo seus pressupostos e levando-os até os limites. Mas chegava um momento -- o próprio momento desconstrutivo -- em que esse texto não "fechava" mais. Levando o texto até o extremo, Derrida procurava mostrar que é impossível um "fechamento" que descreva toda a realidade. Ele procurava abrir o "Outro" do conceito, tornando indecidível a interpretação. A partir de um pressuposto não-metafísico (o texto não tem significado "transcendental", ele está jogado no mundo tal como é, e podemos lê-lo conforme quisermos), Derrida vai demolindo os textos que são objeto da sua análise. Quando ele diz "os textos desconstróem a si mesmos" está, na realidade, afirmando a impossibilidade de fechamento de qualquer texto, pois todo "Um" (conceito) comporta um "Outro", existindo, nesse intervalo, uma margem de indecibilidade. Todo texto carrega dentro de si essa possibilidade de se desconstruir.

A desconstrução, por isso, é esse movimento de deixar aparecer o Outro no texto. A partir do transbordamento do conceito, Derrida impede que ele se feche, exibindo sua limitação.

Quando os textos são lidos assim, eles deixam de ser investigações totalizantes sobre a realidade e passam a ser narrativas específicas, vinculadas a um momento histórico. Isso significa que, muitas e muitas vezes, eles estão atrelados a estruturas de poder. Por isso Derrida escreve sobre Lacan para falar do "falocentrismo". Ou, em outro momento, fala do "logocentrismo". São estruturas que estão por baixo de um discurso que se gostaria "transparente", mas não é. Isso Derrida chama de "mitologia branca".

Derrida nunca aderiu a qualquer "relativismo" que desmereça a ciência. O que ele desejava era demonstrar a insuficiência dos sistemas metafísicos para dar conta da realidade. Com isso, ele aderiu a uma missão ética: ao retirarmos a pureza do Um, mostrando seu Outro, estamos diante de uma exigência de justiça a esse Outro que é sonegado. Ele era um filósofo dos marginais, das margens. Por isso deixava tantos de cabelo em pé.

domingo, julho 08, 2007

"Eis um disco"



Se eu dizia, há uns posts atrás, que nenhum disco havia ainda me convencido no ano, agora já temos um: o novo álbum do Interpol é primor do início ao fim. Repleto das estruturas melódicas obscuras que a banda aproveitou em "Turn on the Bright Lights", inspirada no Joy Division, revive, com classe, aquele momento iluminado de 2002 cinco anos após. Se "Antics" (2004) era um disco bem menos convincente, apesar de ter boa acolhida [não no meu caso, salvo alguns temas], "Our love to admire" é precioso, preciso, acerta no alvo. Não traz grande diferença em relação àquilo que a banda havia feito, mas consolida o Interpol como uma das melhores bandas da nova safra, especialmente por conseguir fazer álbuns INTEIROS bons, e não um punhado de dois ou três singles.
Basta comparar com os britânicos do Editors -- que lançaram disco chatíssimo e insosso -- ou com os promissores Cinematics, que tem duas das melhores canções do ano -- a maravilhosa "Sunday Sun" e a dançante "Break" -- mas não conseguiram transformar isso em um disco coeso. Sem falar no péssimo álbum do Bloc Party, outro que só consegue acertar de vez em quando.
O álbum do Interpol junta-se a "Turn on the bright lights", "Logic will break your heart", do The Stills [que não conseguiu repetir a dose] e "Fear is on our side", dos texanos I love you but I've chosen darkness e forma o quarteto do que melhor se produziu no revival pós-punk. Esqueçam as besteirinhas de pistas, como o She wants revenge ou The Departure. Esses quatro são a fina flor do negócio.
Interpol, "Our love to admire", é o primeiro disco que me convenceu no ano. E agora, enquanto escuto "Lighthouse", fico pensando em Pink Floyd, no Explosions in the Sky e outras influências que percorrem essa bela banda de Nova York. Finalmente.
Outras coisas
Houve quem falasse de Menomena, Blonde Redhead ou Battles. Confesso que adoro música experimental, ouço com grande prazer e sem esforço, porque a música é como uma arte a destrinchar, não há qualquer graça em obviedade excessivas [caso do Jet, por exemplo]. Mas ainda tenho meus limites. O TV on the Radio, por exemplo, foi o caso típico em que eu senti uma certa ausência de apuro melódico, em prol de um experimentalismo excessivo, quase como se a tendência de ser "artê" esmagasse qualquer vestígio do pop.
Eu gosto do pop. Não do pop "industrial", como aquela mina do Black Eye Peas [Fergie, né?]. Nossa, que coisa mal cantada, clichê, banal e desagradável. É de mal gosto mesmo. Mas uma veiazinha pop vai bem com um toque de surpresa -- o disco dos Manics talvez seja o exemplo maior.
É por isso que meus "tops" nunca são totalmente indies. Por isso eu coloco Oasis, Interpol, Snow Patrol, The Strokes e outros nas minhas listas. Os Battles podem até fazer seu math-rock interessante. Eu posso até gostar. Mas os meus preferidos, aqueles que eu carrego comigo, são os que fazem as músicas cantáveis, tocáveis, aquelas que eu posso tentar vender aos meus amigos. Há exceções, é claro. Porém ainda sou do mais banal.
Título
A brincadeira do título é com a recepção de Napoleão Bonaparte a Goethe, quando aquele afirmou "Eis um homem!".
Double bind
Então, os cariocas são ou não são "criminosos"? Nesse código, ficou muito claro algo que a "sociedade" não percebe. Essa parcela da população -- que se auto-nomeia "a" sociedade -- criou uma espécie de "estereótipo" criminal. É-se criminoso, portanto, como se fosse "criminoso nato". X "é" criminoso.
O que não se percebe é que não existe "o" criminoso: o que o define é apenas a prática de crimes. Portanto, qualquer um pode ser "criminoso". Mas a palavra é carregada de tal forma semântica e pejorativa, que se chega a perguntar: pode alguém igual a mim [classe média, branco, com criação "normal"] ser criminoso?
Há um significativo preconceito encoberto. Preconceito que assusta tanto que é sistematicamente negado, escondido para baixo do tapete. Preconceito que diz: criminoso é o negro pobre, aquele que é abordado dia e noite pela Polícia.
O que significa, nesse contexto, olhar o Outro?
Significa admitir que a representação "criminoso" encobre o ser real da pessoa que recebe essa qualidade. E qual é o problema ético envolvido? Quando começo a pensar as pessoas por "representações" [criminoso, prostituta, judeu, negro], as pessoas deixam de ser pessoas, e passam a ser outra coisa. E, quando estamos diante de outra coisa, somos capazes de tudo. Por isso os judeus foram exterminados como "pulgas", como queria Hitler. Eles simplesmente não eram pessoas. Eles eram "judeus". As representações que tinha deles encobriram o que de fato eles eram.
É esse mecanismo perverso que faz com que perguntamos: "serão esses garotos criminosos?".
Noite
Estava lá. Mal participando, quase que observando. Prazeres proibidos na minha cara. Caos. Nenhum respeito por convenções, uma espécie de gozar sem limites. Duas lindas flores se beijavam na minha cara, e foi maravilha ver. A transgressão cultuada. Enquanto isso, temas roqueiros se davam no fundo, e não há como negar que, se toca música no inferno, só pode ser rock. A guitarra é o som do inferno.
Infelizmente, a noite se divide em freak show vs. pittpatybostas. Não conseguimos ainda descolar um lugar que não seja tão repleto de clichês. Em todo caso, por enquanto vou com os Manics: "this song is for the freaks".
Nessa história, uma mina simplesmente ficou com o namorado da amiga na cara-de-pau, enquanto a outra ia ao banheiro. Cruz credo. Depois foi a vez dos dois, disfarçadamente, irem ao banheiro ao mesm tempo. Acho que estou ficando louco, nessa história de ética da alteridade. Foi simplesmente a coisa mais aberrante que já vi. Ninguém mais respeita nada? É assim: "faço o que quero e pronto"?
Acho que vou ficar louco.
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Trilha sonora do post: Manic Street Preachers, "Winterlovers".

terça-feira, julho 03, 2007


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Olhar o Outro


Friedrich Nietzsche foi, sem dúvida, um dos gênios da humanidade. Nietzsche foi um dos primeiros a denunciar, a partir de argumentos filosóficos, a crueldade do cristianismo ao exigir um ascetismo absoluto das pessoas. O indivíduo era soterrado por uma moral que lhe esmagava os instintos, jogando sobre ele a culpa e o ressentimento. Certa vez, no "Crepúsculo dos Ídolos", Nietzsche dizia aos pregadores que odiavam a vida [coisa comum àquela época: é preciso ver que estávamos em uma transição ainda, e elogiar o "céu" e depreciar a "terra" era algo bastante comum]: "se não gostam da vida, deixem ela, morram logo". E, a partir da sua filosofia da tragédia, criou a categoria do dionisíaco para um sim incondicional à vida, inclusive aos instintos humanos.

Nietzsche foi o nosso grande libertador da armadura do puritanismo. O lado inquisitorial e ascético do cristianismo se viu soterrado numa das críticas mais demolidoras já efetivadas no âmbito da filosofia. Foi a partir da sua lição que filósofos como Gilles Deleuze, Michel Foucault, Jacques Derrida, Jean-François Lyotard e outros começaram a realizar uma crítica da nossa sociedade em geral, exibindo os dispositivos perversos de repressão que se encontravam escondidos. Não apenas eles, mas fundamentalmente a psicanálise, começada em Freud [cujo discurso remetia, queira-se ou não, a Nietzsche], foi responsável por destravar a máquina de repressão em que vivíamos e permitir ao sujeito gozar, sem culpa, até onde isso é possível.

Essa "libertação" foi bastante importante. O movimento de maio de 1968 é o marco representativo desse momento, que deu ascensão a movimentos feministas, negros, ambientais, homossexuais, etc. Tudo isso é importante e não pode mais ser descartado.

No entanto, quando lemos a reportagem dos cariocas [prestem atenção no noticiário: a imprensa utiliza um discurso double bind: ao mesmo tempo que "tenta" os tratar como criminosos, jamais utiliza o termo ou "bandido" ou algo do gênero] que agrediram a empregada doméstica é sinal de algo que está ocorrendo.

Creio que Nietzsche realizou apenas parte da tarefa ética. Ao nos libertar das amarras da repressão, ele prestou grande serviço. Mas é Emmanuel Lévinas o filósofo que, agora, nós temos de ouvir.

Lévinas foi o primeiro a falar, de forma absolutamente veemente, do Outro. Kant, Nietzsche, Heidegger, Deleuze e a grande maioria dos filósofos sempre se concentram na construção do "Eu" - de um "eu" mais livre, mais autêntico, menos ressentido. Mas o "Outro" fica esquecido. A categoria que Lévinas cunhou para tratar desse "Outro" é a alteridade. A alteridade significa: o Outro é exterior a mim, o que penso sobre ele não é, em absoluto, aquilo que ele é. Ele sempre é mais [por isso Lévinas trata o Outro como "infinito"].

Assim como Nietzsche, Lévinas também falou de ética. Mas ele saiu do esquema "solitário" desses filósofos. Sua ética se constrói, desde o início, não a partir de um sujeito pensante, que escolhe os princípios morais a partir do que sua razão o incita [por exemplo, a lei moral de Kant: aja como se todas as suas ações possam ser universalizadas e aplicadas a ti mesmo]. Sua ética se constrói inicialmente a partir do Encontro com o Outro, face-a-face. Leiam essas palavras de forma literal. É no face-a-face com o Outro, nesse encontro de rostos, que se dá o primeiro ato da ética. E, nesse primeiro ato, eu tenho duas opções: receber o Outro ou assassiná-lo.

Por "assassinar" entendam: não o enxergar. Não ver seu Rosto. Desviar o olhar, para concebê-lo tal como eu o imagino; e não como ele é, totalmente Outro. Recebê-lo significa vê-lo e ouví-lo como Outro, e não como o que eu quero que ele seja.

Parece que é essa engrenagem que faltou aos rapazes cariocas. Ao ver a mulher e considerá-la "prostituta", eles encobriram o que ela de fato é por um rótulo [estigma]. Com isso, não puderam enxergá-la. Sua exigência de gozar foi tanta que não tiveram qualquer sentimento em relação ao Outro envolvido, que ia ser espancado. Ele simples não existe.

O limite para o gozo -- que é legítimo e, repito, agradeçamos a Nietzsche por ele -- é o Outro. Esse Outro que teimamos em não enxergar.

Nada o que fazer?

A notícia estampada no site de notícias do Yahoo! é sintomática: "Paulistano não sabe como ajudar o país, diz pesquisa" é reflexo de um círculo vicioso que engessa a sociedade brasileira em uma armadilha que impede o fortalecimento da democracia.

Criados no paternalismo estatal, os brasileiros acostumaram-se a ter sua vida ditada de cima para baixo, em estratégias implantadas por meio de canetaços de coronéis [em sentido amplo]. Do outro lado, os cidadãos e a imprensa acostumaram-se à postura passiva de simplesmente reclamar dos governantes, salientando condições como "cidadão de bem" ou "pagador de impostos", sem necessariamente apontar soluções concretas para os temas.

Isso gera um círculo vicioso: quanto menos se discute política, mais o poder político se afasta da sociedade civil, gerando um amplo espectro de corrupção e arranjos casuais. De outro lado, menos a sociedade se torna democrática e pior fica a qualidade da argumentação colocada em jogo na discussão. O erro, por isso, não é apenas dos governantes corruptos, mas também dos cidadãos acomodados que não se colocam em posição de debate sobre as questões que circulam. Quem, por exemplo, poderia me dizer que existe uma "ligação" qualquer entre os políticos do PMDB e a sociedade civil? Qual é o debate que o partido traz à tona? Pode colocar qualquer um no lugar de PMDB, que dá no mesmo.

O artigo salienta a necessidade de um "meio de campo". É verdade. É isso que o filosófo Jürgen Habermas, maior pensador vivo, buscou com a noção de "esfera pública". Esse seria o local onde circularia um debate de idéias "arejado", em que os participantes agiriam com o intuito de construir uma "democracia deliberativa", com a participação de todos e a crença no melhor argumento.

Tenho minhas reservas com o modelo de Habermas; mas deve-se reconhecer que, em termos de construção de consensos [como teoria da democracia, é outra história], é, hoje em dia, o melhor. Se a imprensa pode cumprir o papel desse meio de campo? Talvez. Mas desde que: 1) resista às pressões corporativistas da sociedade; 2) qualifique o debate, trazendo todos os argumentos que vem à tona e desistindo da tentativa de manipulação; 3) saia da agenda ditada pelo Governo, seja positiva ou negativa.

Hoje em dia, sou cético em relação a essa possibilidade. Também o grande engessamento da sociedade civil no Brasil é preocupante -- há um grande número de ONGs fraudulentas -- e não temos tradição de acreditar em iniciativas não-governamentais, como fazem, por exemplo, os EUA. Em suma, precisamos de agentes que cumpram esse "meio de campo" [a Academia é um deles], de forma a qualificar o debate político, aproximando os políticos da sociedade civil de forma a reduzir os espaços de corrupção por meio de uma democracia efetiva. E isso não se faz só reclamando dos políticos corruptos.


Trilha sonora do post: Smashing Pumpkins, "Bleeding the orchid".


segunda-feira, julho 02, 2007



Interpol, "Our love to admire"

"Pionner to the falls" é a abertura que todos os admiradores do Interpol pediriam no seu novo álbum. Densa, soturna, obscura e deliciosamente guiada por um riff atmosférico de guitarra, é o espírito "Turn on" trazido de volta, bem tocado e vivo como nunca. "No in threesome" segue na mesma linha, atmosférica e inquietante, obscura e viajante. Um refrão suave, baseado em linhas melódicas calmas, vai conduzindo com segurança um belo tema, cantado com segurança por Paul Banks. O final é de um crescente empolgante. Já "Scale" traz uma bela combinação entre todos os elementos da banda, tocados num tom desestruturado e harmônico, simultaneamente, como se a melodia, com seu seguimento natural, quisesse se desfazer a todo instante.
Após um belo trabalho de guitarras embaladas e dançantes de "Henrich Manouver", somos jogados no riff cru e pesado de "Mammoth", inspirada batida repetitiva e crescente, guiada por um compasso de baixo pesado e imponente. É como uma "Evil" ainda mais culhuda, sem medo de soar pesada mesmo.

E então temos "Pace is the trick". Mais um tema ao estilo "Turn on the bright lights", belamente construído sobre camadas de riffs que vão se sobrepondo em uma viagem obscura, lenta e gradualmente, num crescente de vai te abocanhando aos poucos, quase como se fosse uma combinação das guitarras oitentistas [Echo, Smiths, Joy Division, U2], em relação às quais sequer nutro muita simpatia, mas levadas ao extremo de um quase pós-rock, mais harmonia que melodia, loops sonoros, ondas que vão trafegando na tua mente. Que vão e vêm.

Após, um breve e único tropeço. "All fired up" é irritante como as músicas ruins são. Não passa, se repete medonhamente, sem jamais encontrar o ponto ideal que leva o ouvinte a um momento de contágio. Chata como são as chatas do U2.

Não tem problema. Logo em seguida, entra um riff magnífico numa batida cadenciada, e entra "Rest my chemistry", uma das melhores do disco. Acerta no alvo, numa batida mais bluesada, parecendo, como ouvi por aí, uma porta nova aberta na sonoridade do Interpol.

Uma bela dupla fazem "Who do you think?" e "Wrecking ball", para quase fechar o álbum, combinadas nas suas melodias competentes, que não deixam cair a peteca, embaladas e bem tocadas. A primeira é bastante empolgante, dá vontade de bater o pé ao chão e Paul Banks traz um belo trabalho nos vocais.

Mas dizia: quase fechando. O último tema é chave-de-ouro: "Lighthouse", uma bela e como nunca obscura faixa que parece explosiva, vocais com efeitos, teclados discretos. Quase como entrar em um túnel escuro e encontrar, depois de um desespero infinito, a luz.

Um disco absolutamente elegante do Interpol: construído aos poucos, ao longo de algumas ouvidas, mas cuidadoso e detalhista na estrutura das músicas, todas conduzidas com belos riffs e suculentas melodias, sem sair um centímetro da identidade (?) e o respeito que o Interpol ganhou esses anos. Belo disco.



Nota: 9.