Corporativismo sujo
Durante muitos anos, especialmente os da Ditadura Militar, o Judiciário se beneficiou da condição de "caixa-preta" para acumular benefícios para os integrantes da carreira, proporcionando uma invejável gama de "prêmios" para o juiz que seguisse a cartilha -- ou seja, não criasse problemas para o Poder. O mecanismo, muito mais inconsciente do que planejado, fazia com que o Judiciário se mantivesse hermeticamente fechado, numa parceira "fraterna" entre juízes que tinham o status de nobreza [inclusive na hereditariedade] na nossa sociedade.
Um dos resultados dessa forma da administração é o que lemos no Portal UOL, quando noticia que o Ministro Paulo Medina, do STJ, caso comprovado seu vínculo com a máfia dos jogos, corre o "risco" de ter decretada, como pena máxima, sua aposentadoria compulsória ganhando parcos 23 mil reais. COMO? É isso mesmo. Na visão dos magistrados conservadores -- a "velha guarda" que está aí desde a Ditadura e jamais causou problemas aos milicos -- um juiz está numa posição em que a aposentadoria seria uma "humilhação" suficiente, funcionando como espécie clássica de "varrida pra baixo do tapete". É incrível, mas é esse tipo de pensamento que faz com que, apesar do absurdo, nenhuma entidade ligada à Magistratura brasileira [por sinal, onde anda a Associação de Juízes para a Democracia para protestar?] tenha reclamado disso.
É no mínimo escalandaloso, e o curioso é que nenhum juiz mexe uma palha não apenas para alterar esse absurdo de levar 23 mil reais para a aposentadoria, tendo regras diferentes do que a maioria dos demais cidadãos, mas de levar POR TER COMETIDO DELITOS. Olhem só que situação confortável -- cometo um delito e sofro a "pena" de aposentadoria compulsória.
Todos que conhecem esse blogueiro sabem que não sou um entusiasta da punição, mas nesse caso estamos diante de um caso de corrupção institucionalizada, legalizada em uma legislação podre que favorece aqueles que "não incomodam" o Poder Político. Não é à-toa, por sinal, que os outsiders que de desviam dos padrões convencionais costumam sofrer esse tipo de represália, a mesma que concedem aos criminosos de toga.
Esses mesmos caras-de-pau de não protestam contra a corrupção legalizada são os mesmos que, em sessões plenárias e discursos de posse, derramam elogios para os Colegas da grande Fraternidade Judiciária.
Por outro lado
Por mais que nos mantenhamos céticos, e com razão, em relação às supostas "operações" da PF, que adora uma pirotecnia, parece que, de certa forma, a palavra REPÚBLICA começa a engatinhar no vocabulário cotidiano do brasileiro. Não há dúvida que esse uso só nasceu porque veio junto com outra palavra fundamental: DEMOCRACIA. As duas caminham juntas, e bem, com o tempo. Re-pública, de res publica, coisa pública, ou seja, começamos, contra nossos instintos habituais [o brasileiro, com a "Lei de Gerson", é o individualista mais pernicioso que pode existir], a perceber que as relações públicas [especialmente as de administração] se dão com outros critérios que não a vaselina e a apropriação do erário, mas a partir do respeito rígido às leis e da impessoalidade.
Katia B
Não sou grande entusiasta da MPB atual. O nepotismo corre solto na MPB, e os casos de Maria Rita e Bebel Gilberto vão nesse sentido. Não que as duas não sejam boas cantoras -- de fato, são -- mas a qualidade de inovação, traço típico da criatividade música popular brasileira, morreu num repeteco insosso daquilo que a geração dos anos 60/70 nos proporcionou. A repetição enfadonha do clássico "Baby" [fantástico, na versão dos não menos fantásticos Mutantes] parece ser a prova mais clara disso.
Álvaro Pereira Jr. mandou bem na semana passada:
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PLAY: MPB Nos EUA, no Chile, em tantos lugares. Você entra numa loja, pega um táxi: está tocando MPB.
PAUSE: MPB Sucesso no exterior é bom, mas vem da pior face da MPB: a de som ambiente, papel de parede musical.
EJECT: MPBNum táxi em Santiago, a caminho de jantar, tocou Seu Jorge com Ana Carolina. Perdi a fome.
PAUSE: MPB Sucesso no exterior é bom, mas vem da pior face da MPB: a de som ambiente, papel de parede musical.
EJECT: MPBNum táxi em Santiago, a caminho de jantar, tocou Seu Jorge com Ana Carolina. Perdi a fome.
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Quando ouvi Katia B, com seu "Só deixo meu coração na mão de quem pode" (2003), senti um certo frescor criativo que anda escasso, numa combinação de um sotaque carioca [um tanto quanto Fernanda Abreu] com ambiência de trip hop, algo inusitado na esterilidade do quadro atual. Enfim, embora hoje o som soe mais fraco do que parecia à época, ainda mantém vigor em relação ao resto do que vem sendo produzido no país.
Dizia isso apenas para anunciar que, em maio, sai o novo álbum de Katia B. Vale a pena conferir.
Wilco
"Sky Blue Sky", como disse o Marcelo Costa, do Scream & Yell, é um disco dos anos 70 perdido em 2007. Jeff Tweddy limou do som todo experimentalismo que ganhou ápice no maravilhoso "A Ghost is born" [preferido da casa -- 2004], onde desfilavam influências que iam de Neil Young ao pós-rock, e parece ter se focado em fazer country songs ainda de inspiração de Young, com forte acento tônico na guitarra, e sutilezas melódicas de primeira linha.
Um álbum que -- embora não "pop" como "Summerteeth" -- vai ganhando aos poucos o respeito do ouvinte, passando cada canção a se energizar mais e mais, até viciar.
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Trilha sonora do post: She wants revenge, "I don't wanna fall in love".