CHÔ
Todo fenômeno carrega uma alteridade (de alter, outro) que o torna inapreensível por meio dos nossos conceitos. A grande descoberta da filosofia do século XX -- para a qual convergem a fenomenologia, o pós-estruturalismo [ou "pós-modernismo"] e o pragmatismo -- parece ser exatamente a incapacidade da nossa representação mental esgotar a totalidade da realidade que se apresenta diante dos nossos olhos. Ou seja, a imagem mental que tenho de certa coisa é inequivocamente menor do que ela, brutalmente e de fato, é.
Explicar CHÔ, por isso, é sempre dar uma interpretação -- jamais esgotar as discussões.
A explicação que um americano poderia dar seria, provavelmente, a de que CHÔ era um chamado loser, esses que conhecemos bem por meio dos tantos filmes hollywoodianos que saltam por aí. Chô, provavelmente, era um cara ressentido, fraco, que descarregou seu ódio nos fortes e pretendeu explicar essa brutalidade colocando a culpa nos outros. Essa interpretação, embora não seja descartável, não ameniza outras possíveis.
Como alguém preocupado com a ética e com a alteridade, não posso deixar de pensar o fenômeno Chô como, também, um produto de uma sociedade que se divide em vencedores e e perdedores. A indiferença e a violência com que se dão essas relações parece alimentar um círculo vicioso, onde o diferente (loser) é jogado numa posição humilhante e desprezível.
É esse tipo de relação corrompida que produz monstruosidades como a que ocorreu. É nessa sociedade em que a competição é agravada que aparecem estudantes capazes de cometer atos como os que vimos. Assim como a brasileira também gera os assassinos de João Hélio [notem, crueldades assimétricas e bem distintas em sociedades bem distintas].
Não estou defendendo um determinismo e nem uma "vitimização" de Chô. Estou apenas propondo uma "leitura" dos seus atos. Uma sociedade em que a ética seja a primeira dimensão, em que a hospitalidade [o receber incondicional do Outro, enquanto Outro, sem leis, simplesmente deixando-o chegar e, com isso, se arriscando] seja a regra, dificilmente seria capaz de ter um caso Chô. Jamais eliminaremos psicopatas e o lado violento do ser humano. Mas compreender, a partir de uma abertura de sentido em que a ética seja a primeira das dimensões -- ou seja, compreendendo a exterioridade do Outro às representações que tenho dele -- ajuda a desbanalizar as razões do fato, ampliando a nossa possibilidade de soluções.
Compreender Chô significa inocentá-lo? Jamais. Mas saber que uma sociedade dividida em winners e losers é mais propícia ao surgimento de assassinatos em massa em escolas é, de alguma forma, buscar uma solução mais profunda, que realmente toca o eixo do problema. Se Chô fosse respeitado e recebido com hospitalidade pelos demais colegas, será mesmo que cometeria os atos que cometeu?
Que sociedade queremos? A que divide entre winnners e losers e produz Chôs, ou uma que as relações sejam mais doces, hospitaleiras, capazes de suportar a diferença no seu caráter mais elementar, ou seja, daquilo que não se reduz ao que penso sobre o Outro, mas exatamente sobre o que excede esse pensamento? Talvez esse seja o começa da Educação; e no entanto a tragédia ocorreu em uma escola -- enquanto se ensinava ciências, história e matemática.