Mox in the Sky with Diamonds

sexta-feira, agosto 04, 2006

Um texto diferente
Esse blog esteve sempre aberto a contribuições. Hoje publico um texto do amigo Otávio Binato, cujas qualificações falam por si mesmas no escrito.

O Corte
Otávio Binato Jr.

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O Corte é desses filmes que nos levam a pensarmos na conjuntura atual da sociedade em que vivemos, considerando assim seus problemas, bem como as possíveis soluções. Ao contar a história de um executivo de meia idade, pai de família, que perde o emprego em virtude de cortes e reestruturações (os conhecidos downsizings) na empresa onde trabalhava; identificamos nesta personagem alguém que poderia muito bem ser nosso vizinho, ou mesmo nossos pais, de modo que nesta história o individual que é, não pode ser dissociado do verossímil, que poderia ser.

Nosso "jovem-velho" executivo passa então a selecionar todos os executivos desempregados mais qualificados que ele nesta desesperada busca pelo emprego e inicia uma eliminação de todos, um a um, até chegar no executivo que ocupa a efetiva vaga. O interessante é que os executivos eliminados são vistos não como inimigos, mas como algo pior que inimigos, como "competidores". Esta competição institucionalizada envenena as relações humanas, tanto dos competidores entre si quanto com os membros da sua família, já que o indivíduo vê cortados os laços com as pessoas que poderiam ampará-lo, sente-se, enfim, só no mundo e com um árduo objetivo à alcançar.

Diversas aproximações podem ser feitas a partir desta história, talvez a mais abstrata, mas, possivelmente por isso a mais importante, seja sobre quais são realmente os produtos de consumo do capitalismo em sua fase pós-industrial. A partir de diversos insights estampados em outdoors, Costa Garvas nos instiga a refletir acerca da perigosa reificação do ser humano no processo produtivo. Seguindo a mesma lógica dos produtos, os seres humanos parecem cada vez mais ameaçados pela cultura da obsolescência programada, forjados para durarem até o ponto no qual possam ser substituídos por trabalhadores mais jovens que se submetem a fazer mais por menos salário, sob pena de não conseguirem trabalho algum. O capitalismo, que parece bastante bom para moldar e preparar os indivíduos para o trabalho, parece falhar, entretanto, em ensinar os indivíduos a lidarem com a sua "senilidade produtiva" aos 40 anos, exatamente no ponto em que a experiência e a disposição parecem encontrar-se no pico da escala, de modo que podemos inferir que muito mais do que produtos, nosso sistema produtivo está a consumir homens, com a mesma voracidade, mas sem dúvida com conseqüências muito mais dramáticas.

Engana-se, contudo, quem julgar que o filme apenas decanta a dramaticidade dos que perderam o emprego. Uma leve mudança no foco de análise nos faz perceber que a realidade dos que ainda tem o seu posto de trabalho "original" e a dos que o têm, mas obrigados a trabalhar em serviços muito aquém das suas reais qualificações, pode ser igualmente dolorosa. Os primeiros, obrigados a trabalhar em jornadas exaustivas, apresentar sempre uma taxa de lucro acima do possível, manter sempre a boa aparência e não obstante, estar (ou pelo menos parecerem) felizes, pois nesta jornada com vagas de menos e passageiros demais qualquer descuido pode significar a imediata relegação ao ostracismo, e a incerta volta à "utilidade". Os segundos, condenados a uma conjuntura que os prepara para trabalhos de alta qualificação e os condena a servirem de garçons ou vendedores de lojas de departamentos, gerando desespero e um sentimento de inferioridade perante o restante da sociedade e, mais grave, um desespero interno em relação às próprias capacidades.

Enfim, O Corte traz a lume uma discussão sobre a nossa atual conjuntura pós-moderna, bem como sobre os rumos que nossa sociedade pode tomar. Dentro deste panorama fica muito mais fácil a compreensão dos diversos problemas que parecem nos assolar neste início de milênio, como o elevado índice de drogadicção entre as camadas alta e média da sociedade, dada a nossa posição de intranqüilidade permanente; a obsessão por tratamentos de beleza e intervenções cirúrgicas, pois a aparência de velhice pode ser fatal, e a crescente frieza e distanciamento nas relações humanas, pois fomos rebaixados de conhecidos a competidores. Talvez, o mais pungente de todo este panorama é que ao assistir o filme, temos presente o espectro de Bruno Davèart sobre a nossa pessoa.