Mox in the Sky with Diamonds

terça-feira, agosto 08, 2006

BIBLIOTECA SOMEPILLS
Um conto escrito em 1998. Ou: "escrever para ofender é o lema".
Tragédia Francesa


É doloroso. Mas o mundo é do diabo, assim como o céu, dos tolos.
Foi numa província francesa, na época de Napoleão III, o farsante. Local calmo e cristão, possuía toda a beleza desprezível que retém a harmonia.
Convido o leitor a passear comigo pela cidade e entrar no castelo dos Laclos. O Barão de Laclos era um homem respeitado. Não, muito mais deliciosamente que respeitado; ele era temido. Embora a juventude ainda ditasse o seu semblante, sua voz traduzia a de um nobre há muito tempo donatário dos territórios da cidade. Sua esposa, a bela Josefina, era adorada pela plebe quase tanto quanto a esposa do primeiro e maior imperador.
Dois anos após a cerimônia de casamento, nasceu Margot -- uma filha sadia e bela. Quis o Destino, porém, que a Baronesa de Laclos não pudesse mais ter filhos. Fora um parto difícil. Margot, com dez anos, foi mandada a um convento para ter uma educação plenamente católica.
Cinco anos passam voando. Como todo homem íntegro e sábio, o Barão de Laclos enriquecera às custas de muito sangue e suor de cidadãos do império francês. Seu casamento, porém, já perdera aquele fogo inicial que dura exatamente trezentos dias. Josefina era uma mulher entediante, frígida e bondosa demais para o grande homem que mais tarde viria a se revelar a todo império. Como todo bom francês, teve várias amantes. Mas nenhuma o satisfazia. Todas pouco belas para sua vaidade imensa, pouco nobres para o seu orgulho exorbitante, pouco submetidas para o seu pedantismo natural. Assim passaram os cincos anos que trariam a filha do casal de volta.
Margot voltou num belo dia de sol. A baronesa, com os olhos repletos de lágrimas, corria em direção ao coche que trazia de volta seu maior tesouro. O sacerdote da cidade, alguns outros Senhores e o povo também foram saudar Margot. Somente uma pessoa ficou estática: o Barão de Laclos. Com seus olhos altivos observava o semblante de pureza da filha, que descia do coche ostentando um corpo esguio e torneado. Como estava bela! Havia discutido já com Josefina e chegaram ambos à conclusão de que o Conde de Renal seria um marido ideal. Mas agora... agora era difícil pensar em entregar aquela jóia a qualquer um que fosse.
Naquela noite, houve grande festa, e os copos de Bordeaux deslizavam pelas mãos dos convidados com uma constância digna dos bons costumes do tempo de Luís XV. O Barão, como todo fino anfitrião, também ficou ébrio e alegre. A Baronesa de Laclos logo mandou a querida Margot -- assustada com a agitação e satisfação de todos -- recolher-se ao seu aposento.
O leitor deve compreender que o ser humano é volúvel. A sensatez é apenas um disfarce da loucura. A embriaguez retira essa máscara.
Mais tarde, quando a menina já dormia em sono puro, o Barão de Laclos sentiu uma impulsiva vontade de visitá-la. Chegando ao seu dormitório, viu com prazer toda a candura que infestava aquele rosto, repleto duma beleza angelical e doce. Já bêbado, encostou seus lábios na gélida boca da filha, que, assustada, abriu os olhos e não gritou somente por ser seu pai. Olhou-o com prazer e retribuiu o beijo. Um ébrio reage de acordo com as conveniências dos sentidos. Uma bela donzela leva qualquer um à perdição....
Impulsionadas pelo vinho, as mãos do Barão de Laclos já não mais se controlavam e deslizavam pelo corpo da filha. Margot, um pouco impressionada, ficou estática e frígida. Os olhos do pai apenas fitavam-na com ardor, embora o corpo dela mais parecesse um cadáver. Ela, amedrontada, fechou as pálpebras. Suas mãos tremiam incessantemente, seu rosto estava completamente pálido. Os dedos de uma das mãos do pai já deslizavam pelos seus seios e por outras regiões íntimas, enquanto que a outra mão estava sobre a boca, com o intuito de evitar qualquer grito. Num sussurro delicado e meigo, o Barão de Laclos dizia no seu ouvido: "não te preocupes, isso acontece sempre entre pai e filha". A frase soava como um alívio, fazendo com que ela se entregasse sem mais tremores, mesmo que pálida e gélida como um esqueleto. Os gemidos saíam baixos e descaídos e, num esforço último, ela perguntara ao pai porque era proibido nas Escrituras... ele respondera, cuidadosamente: "há coisas que Deus quer que não devem ser escritas".

Dez dias depois, numa conversa a sós na sala entre o Barão e a Baronesa, esta o acusava. "Como ousaste? Como ousaste macular de tal forma nossa filha!?" O Barão guardava o silêncio. A mãe, quase histérica, gritava com um ardor que nunca demonstrara em toda a sua vida, num grito único, sublime. Amava aquele homem mais que a qualquer outra coisa, como poderia ele lhe trair com alguém? Na verdade, este era o pensamento maior na sua cabeça. Não tinha consciência da sua fraqueza, nem das outras amantes. A filha havia lhe contado tudo. Como ousava!? Como ousava aquela menina seduzir seu Homem a tal ponto!? Odiava-a, acima de tudo. O Sr. de Laclos não respondia.
Há poucos dias Margot havia contado tudo à sua mãe. A Senhora ouvira tudo com paciência e tranqüilidade. Não proferira sequer uma palavra. A narração de sua filha era grave. De acordo com Margot, o pai entrava todas as noites no seu quarto e lhe tocava inteira, dizendo palavras bonitas ao seu ouvido e fazendo algo com seu corpo, que misturava uma sensação de dor e prazer. Ela dizia que naqueles instantes sentia aproximar-se a Morte, sentia como se estivesse paralítica. Seu corpo esfriava, sua pele embranquecia, não conseguia dormir mais nas noites. Narrava Margot cada passo do pai, cada movimento que fazia, até chegar o momento de se vestir e voltar ao quarto. A menina, trêmula, ficava o restante da noite sem conseguir voltar do transe moribundo que lhe causava aquela relação.
A Baronesa já perdia o controle e jogava objetos nas paredes, gritando com uma indignação imensa "a nossa filha!! O que fizeste com a nossa filha!?", enquanto, ao mesmo tempo pensava "como pode ele se atrair por tão pouco? Uma menina! Apenas uma menina!" Como ela, mulher tão altiva, perdia seu marido para uma menina de apenas quinze anos!? No semblante do Barão se via apenas a tranqüilidade. Talvez desprezo, um pouco de desprezo.
Margot chorara no dia da revelação. Dissera que estava confusa, que não sabia o que fazer. A mãe ficara impassível. Via no rosto da filha toda a dúvida e tristeza que é possível ostentar uma francesa de quinze anos. Estava assustada!
A criadagem chegava. Ouvindo o barulho dos gritos e dos objetos quebrados, foi inevitável que as criadas aparecessem. Num grito possante, a Baronesa expulsou-as todas e mandou não aparecerem, fosse o que fosse. Estava furiosa. Olhava enraivecida ao seu esposo, que parecia indiferente a tudo que fazia. Mas ele, após o longo silêncio e com voz extremamente calma, disse: "estou com a consciência limpa". Caíram lágrimas dos olhos da Baronesa. Ele olhou-a, com aquele olhar autoritário e forte; ela se aquietou. Um sorriso sarcástico surgiu no rosto de Sr. de Laclos.
Ajoelhada, derramando seu choro aos pés do marido, a Baronesa, num tom de frase convalescente, disse: "desonraste nossa filha, nosso casamento e o nosso nome. Ela o odeia." E desmaiou. O Barão acendeu o charuto e caminhou em direção à janela. O desmaio era falso. Falso como tudo que vinha daquela mulher. Fez ouvir sua voz por quilômetros, quando gritou o nome da filha. Esta veio à sala correndo e cruzou seus olhos com os do pai. "Diga a ela, Margot" -- ordenou o pai.
A Baronesa, quase desesperada, olhou, pela primeira vez, com piedade para a filha. Chorou novamente, enquanto abraçava Margot. Dizia sem parar "eu te amo, filha, eu te amo! Perdoa-me por tudo...". Margot, aquela doce criatura, olhou com desespero para a mãe, mas, ao fitar o Barão, encontrou um olhar severo e duro. "Amo-o, minha mãe, muito mais que vós. É somente a mim que ele merece" -- disse a filha. A Sra. de Laclos, horrorizada, entrou em pânico e iniciou um ataque de histeria, gritando: "incesto, isso é um maldito incesto!". Foi, entretanto, interrompida pela mão da menina, que com a outra cravava um punhal no seu ventre. A última coisa que viu foi um sorriso mórbido e contente da pequena mulher de quinze anos.
O crime, mais tarde, foi atribuído à criadagem, pois somente se encontrou o cadáver depois da fuga do Barão e da filha. O nome Laclos é proibido em toda sociedade francesa. Os criados foram condenados todos -- para não haver risco de uma injustiça -- à guilhotina.
O pai e a filha moraram felizes por algum tempo numa casa de campo, até serem incendiados por um cristão fanático que descobrira o incesto.

Foi uma história interessante, por isso me atraiu. Hoje todos pagam pelos seus crimes.
Oh, seres humanos, como vocês me divertem.

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O Diabo.