Mox in the Sky with Diamonds

sábado, agosto 25, 2007

DIREITA E ESQUERDA

Como já esperava, GD e OB esgrimam argumentos para colocar no mesmo patamar -- do ponto de vista militar -- direita e esquerda. GD argumenta que uso dois critérios diferentes: quando estou diante da direita, argumento que o militarismo lhe é ínsito; no caso da esquerda, trato como exceção.
Creio que GD esteja certo. É exatamente esse meu argumento. Pretendo provar que o militarismo é muito mais íntimo dos governos de direita do que de esquerda. E que, quando um governo de esquerda se torna militar, está se desvirtuando. O de direita, ao contrário, apenas segue sua tendência natural.
Para isso, tenho que partir da diferença entre direita e esquerda. OB vê a direita como uma tendência à liberdade, enquanto a esquerda tenderia à igualdade. Discordo frontalmente dessa classificação. Basta ver, para isso, quem são as pessoas de direita e o quão pouco elas gostam da liberdade. Os direitistas são os primeiros a atacar a arte, por exemplo. Quando ela é demasiadamente "imoral", eles não tardam a querer censurá-la. E não preciso falar da repressão contra os pobres, sobre quem eles adoram atirar suas polícias para colocá-los atrás das grades, de preferência os castrando, para eliminar de vez a existência. É o controle de natalidade como neutralização a posteriori, para o futuro.
Creio que essa divisão liberdade/igualdade, que é das mais tradicionais, está presa na armadilha marxista. Ela se baseia basicamente nas posições em relação à economia, que, modo geral, não podem ser estendidas. Por isso, inclusive, sempre reclamo do termo "neoliberalismo", que se repete como mantra nonsense pelas esquerdas, servindo de inimigo geral. O liberalismo é uma tradição que tende a políticas de esquerda, basta ver quem são os liberais nos EUA -- os defensores dos "direitos civis", das minorias, da classe pobre. Além disso, sabemos hoje [ou deveríamos saber] que não necessariamente a intervenção do Estado na economia representa um avanço e que muitos problemas do welfare acabam se transformando em elefantes insustentáveis pelos cofres públicos, dos quais a Previdência Social é, obviamente, o maior exemplo. Ou seja, nos libertamos dessa idéia publicista-burocrática da esquerda velha que ficou presa no marxismo, achando que tudo aquilo que encolhe o Estado é, em si mesmo, ruim.
O filósofo e jurista italiano Norberto Bobbio, no seu livro Direita e Esquerda, nos oferece uma outra descrição um pouco melhor. Bobbio argumenta que o que difere o campo da esquerda da direita é que, no primeiro caso, a pessoa tende a ver mais igualdade que diferença; no segundo, mais diferença que igualdade.
Acho que Bobbio, novamente, cai na armadilha do socialismo. Hoje uma das bandeiras mais importantes da esquerda é, sem dúvida alguma, a defesa da diferença. Homossexuais, mulheres, negros, judeus e outras minorias que o digam. São pessoas de esquerda que procuram defender a identidade cultural dessas minorias, estabelecendo proteção jurídica e tentando criar vocabulários novos que impliquem práticas sociais menos cruéis e discriminatórias. Por outro lado, vemos que são quase sempre os políticos de direita que procuram se agarrar a valores como família, tradição e religião, ou que se irresignam contra políticas de ação afirmativa. Como Bobbio explica isso? No caso, é a esquerda que vê a diferença, enquanto a direita prega a igualdade.
Eu proponho outra diferenciação. Tendo a ver o conceito de direita muito mais vinculado às idéias de "ordem" e "status quo". Acho que são esses os elementos que caracterizam a pessoa de direita: uma preocupação com a "ordem", "tradição" e "hierarquia". A esquerda, ao contrário, tende a ser mais "transformadora", mais passível de reconstrução das relações sociais. É evidente que, invertido o eixo, por exemplo a partir da implementação de políticas de esquerda, às quais, evidentemente, a direita se oporia, esse binômio fica prejudicado. No entanto, a idéia geral do cidadão de direita é "manter", "ordenar", "separar" e "reprimir". Do cidadão de esquerda, "mudar", "reinventar" e "emancipar".
Rorty, no seu livro Para realizar a América (Achieving our country), tem uma classificação mais ou menos parecida quando ele diz que os norte-americanos de direita tendem a reforçar a identidade norte-americana, buscando seus traços tradicionais, enquanto os de esquerda estão aptos a constantemente redesenhá-la.
Com essa diferenciação, não estou dizendo que todo direitista é burro e mal-intencionado. Nem que todo esquerdista está sempre certo. A posição dos marxistas ortodoxos em relação à democracia e às instituições liberais está aí para mostrar isso. O ceticismo em relação a essas garantias do cidadão revela que, no caso, quem foi/é conservador está correto, enquanto que os transformadores caíram na burocracia criminosa da URSS. É fácil ver, no entanto, que seguidos governos de direita, mesmo nas instituições democráticas, tendem a restringir as liberdades e querer menosprezar as conquistas liberais [o Patriot Act, de George W. Bush, ou o Tolerância Zero, de Giuliani, não me deixam mentir]. Então, respondendo à pergunta inicial: que ideologia defende mais "ordem", "hierarquia" e "tradição" do que a militar? É esse nó que ata direita e militarismo.
Tudo isso seria facilmente assimilável se, no interior da nossa história da esquerda, o marxismo não tivesse se tornado "o" discurso. Sem cair nessas armadilhas, poderíamos ter nos diferenciado da direita com maior facilidade, não cometer os crimes realizados por uma filosofia da história e ainda não ser massa de manobra de corporativismos, como hoje a esquerda "radical" é. Basta ver, para isso, o exemplo da esquerda norte-americana, que não caiu nesse vício, seguindo uma tradição liberal [como respondem os que gostam de falar do "neoliberalismo"?] que tem pensadores transformadores como John Dewey, John Rawls, Ronald Dworkin e Richard Rorty. É por isso, e apenas por isso, que afirmo que o sentimento anti-americano é o principal obstáculo da esquerda hoje. Não que os EUA não seja uma máquina de dominação mundial e tenham políticas interna e externa deploráveis; é que, simplesmente, são o único lugar que passou razoavelmente incólume pelo fantasma marxista, que aprisionou a esquerda nos dogmas que hoje a impedem de pensar.

Trilha sonora do post: Arcade Fire, "The well and the lighthouse".