A Dama de Ferro encontra dificuldades
De todos os candidatos da eleição do RS, talvez Yeda Crusius (PSDB) era quem me despertava a maior repulsa, ao lado de Francisco Turra (PP). Tratam-se de legítimos "sweet neocons", para usar a expressão que os Stones cunharam no último álbum.
Mas Yeda foi eleita, e agora é hora de tratar o cenário político gaúcho. O que vem acontecendo no RS, há muito tempo, é a eleição de um mesmo grupo político que põe fantasias diferentes. Desde o Governo Simon, com breve interrupção no Governo do PT (eis um dos porquês de tanta raivosidade na oposição), o mesmo grupo homogêneo governa -- PMDB, PTB, PP, PFL, PSDB e PDT dividem cargos nas Secretarias de Estado. Troca apenas a cabeça da chapa.
E como governam? Empurrando com a barriga. Após acomodar as bancadas fisiológicas, normalmente aumentam um ou outro imposto, deixam as corporações policiais mandarem na segurança, fazem acordos com os outros Poderes para manter o status quo, cortam meia dúzia de despesas e mandam a PGE proscrastinar as ações judiciais. Tudo em clima de serena cordialidade e "harmonia" gaúcha. Não sendo o Governo dos petês, tudo está beleza.
Qual era a minha esperança? Que a Dama de Ferro rompesse com isso, pelo menos. Se não teremos um Governo com vínculo social, capaz de medidas que caminhassem para a esquerda, pelo menos poderíamos ter um Governo de "tesoura", capaz de enfrentar setores corporativistas e clichês gaúchos (por exemplo, não se aumenta imposto) que nos travam há anos e colocam o Estado em uma crise de vem desde Jair Soares. Enquanto tivermos pensionistas e servidores recebendo 30, 40 mil reais, nunca vamos pra frente. Em nenhum outro Estado é tão claro que a despesa com folha de pagamento de servidores não só é excessiva, como (principamente) mal distribuída.
Inicialmente, o ímpeto antipático de Yeda pareceu mostrar isso. Vejam: conquanto antípota ideológico do Governo, não sou burro. Sem uma elevação da carga tributária e medidas de tesoura, não há como tirar o Estado do atoleiro. Isso significa suportar por três a quatro anos uma violenta carga tributária, que pode ser reduzida ao longo do tempo.
Mas o que de fato aconteceu? Yeda foi eleita com uma base e aliados que não tem nada a ver com isso. Yeda se elegeu com o mesmo grupo político que vem nos governando desde Jair Soares, com a breve interruptação do PT (sem entrar no mérito se foi boa ou ruim). Aliás, a própria Yeda mentiu descaradamente nas eleições, ao afirmar que não aumentaria impostos. Ou seja, fez o jogo das suas bases política (aliados) e eleitoral (classe média e alta) para vencer a eleição -- e depois "mudou de idéia".
O que acontece é que o início do Governo tem sido um desastre. E por um motivo bastante óbvio: Yeda é um desastre. Prepotente, arrogante e fascista são adjetivos que combinam com o seu tipo de personalidade autoritária, personalista e pseudotécnica (aliás, essa questão do "técnico" mereceria um post, sobre a "neutralização" da política). Resultado: sua base já se desarticula, secretários se vão antes mesmo de assumirem e, ao que parece, ela estará desgastada em menos de um ano. Ao invés de reviver a idéia de "pacto", que pressupõe negociação, conversa, diálogo, compromisso, Yeda preferiu o estilo do canetaço autoritário, bem ao estilo "dama de ferro".
O que temos agora? Um quadro desastroso de governo sem estrutura, da qual destaco apenas a nomeação vexatória de Enio Bacchi, um total despreparado para o cargo de Secretário da Segurança, que certamente irá comer nas mãos das polícias e, por isso, nada mudará (o que é a pior notícia possível para segurança).
Os irresponsáveis que votaram no "anti" agora carreguem a responsabilidade. Ela é de vocês, queiram ou não.
Drogas
Leio no Terra que uma adolescente de 16 anos morreu por overdose com receio de ser flagrada em blitz policial com drogas. Seu acompanhante, que fez o mesmo, já está com prisão temporária decretada.
Eis como se constrói uma política de terror nessa sociedade abostarda e nojenta que vivemos. Essa mesma "sociedade" que vota em Yeda. Com medo de sofrer as torturas do sistema penal, a adolescente engoliu as drogas e acabou morrendo. Perdemos uma vida porque achamos que temos o direito de dizer o que é melhor para o corpo de cada um. Achamos que temos o direito de encarcerar ou punir quem consome substâncias que consideramos inadequadas.
No traumatismo do sistema policial-penal, perdemos uma adolescente de 16 anos. Valeu a pena?
E o que faz o sistema? Decreta a prisão do seu companheiro. Temporária. Mais um bode expiatório para os "cidadãos de bem" caírem em cima.
Nacionais
Em um ano de bons lançamentos de discos nacionais, faltou um top somepills, não? Buenas, estou prometendo até final de janeiro. Só posso adiantar que o disco número 1 é rock mas não é, ok?
Uma boa notícia
A imprensa adora abstrair e falar o "economês" do mercado. Mas há uma boa notícia a caminho: mais uma vez Lula autorizou um aumento do salário mínimo acima da inflação. Nada mais correto. É preciso haver, de vez, justiça econômica, não apenas contenção. O salário mínimo é mecanismo eficiente para redução da desigualdade e distribuição de renda. Chega direto no bolso do pobre.
Os mesmos que dizem que isso é "populismo" são aqueles que tacham o bolsa família de "assistencialista". Como se houvesse alternativa de, por exemplo, conceder um emprego a cada brasileiro e formar uma competição igual. Eis, talvez, o pior da herança do liberalismo. Sem condições mínimas de igualdade (independentes de qualquer mérito ou trabalho), nenhuma sociedade funciona.
Nesse ano novo
Que as pessoas bebam, se divirtam, parem de se preocupar em dizer o que é melhor para as outras, parem de se fazer de vítimas e comecem a se sentir responsáveis, aproveitem cada momento, olhem para o Outro, respeitem-no, façam amizades, fortaleçam os vínculos, gozem, troquem de posição o dinheiro e as pessoas, sejam mais gentis, bem humoradas, menos queixosas e egoístas, que saibam tratar cada um como o indivíduo infinito que é.
Que, definitivamente, aprendamos as lições de Nietzsche e Lévinas combinadas: saibamos, ao mesmo tempo, não ser censores e aprender a gozar, livres de culpa ou ressentimento, olhando, respeitando e nos responsabilizando pelo Outro.
Trilha sonora do post: Grizzly Bear, "Little Brother".
De todos os candidatos da eleição do RS, talvez Yeda Crusius (PSDB) era quem me despertava a maior repulsa, ao lado de Francisco Turra (PP). Tratam-se de legítimos "sweet neocons", para usar a expressão que os Stones cunharam no último álbum.
Mas Yeda foi eleita, e agora é hora de tratar o cenário político gaúcho. O que vem acontecendo no RS, há muito tempo, é a eleição de um mesmo grupo político que põe fantasias diferentes. Desde o Governo Simon, com breve interrupção no Governo do PT (eis um dos porquês de tanta raivosidade na oposição), o mesmo grupo homogêneo governa -- PMDB, PTB, PP, PFL, PSDB e PDT dividem cargos nas Secretarias de Estado. Troca apenas a cabeça da chapa.
E como governam? Empurrando com a barriga. Após acomodar as bancadas fisiológicas, normalmente aumentam um ou outro imposto, deixam as corporações policiais mandarem na segurança, fazem acordos com os outros Poderes para manter o status quo, cortam meia dúzia de despesas e mandam a PGE proscrastinar as ações judiciais. Tudo em clima de serena cordialidade e "harmonia" gaúcha. Não sendo o Governo dos petês, tudo está beleza.
Qual era a minha esperança? Que a Dama de Ferro rompesse com isso, pelo menos. Se não teremos um Governo com vínculo social, capaz de medidas que caminhassem para a esquerda, pelo menos poderíamos ter um Governo de "tesoura", capaz de enfrentar setores corporativistas e clichês gaúchos (por exemplo, não se aumenta imposto) que nos travam há anos e colocam o Estado em uma crise de vem desde Jair Soares. Enquanto tivermos pensionistas e servidores recebendo 30, 40 mil reais, nunca vamos pra frente. Em nenhum outro Estado é tão claro que a despesa com folha de pagamento de servidores não só é excessiva, como (principamente) mal distribuída.
Inicialmente, o ímpeto antipático de Yeda pareceu mostrar isso. Vejam: conquanto antípota ideológico do Governo, não sou burro. Sem uma elevação da carga tributária e medidas de tesoura, não há como tirar o Estado do atoleiro. Isso significa suportar por três a quatro anos uma violenta carga tributária, que pode ser reduzida ao longo do tempo.
Mas o que de fato aconteceu? Yeda foi eleita com uma base e aliados que não tem nada a ver com isso. Yeda se elegeu com o mesmo grupo político que vem nos governando desde Jair Soares, com a breve interruptação do PT (sem entrar no mérito se foi boa ou ruim). Aliás, a própria Yeda mentiu descaradamente nas eleições, ao afirmar que não aumentaria impostos. Ou seja, fez o jogo das suas bases política (aliados) e eleitoral (classe média e alta) para vencer a eleição -- e depois "mudou de idéia".
O que acontece é que o início do Governo tem sido um desastre. E por um motivo bastante óbvio: Yeda é um desastre. Prepotente, arrogante e fascista são adjetivos que combinam com o seu tipo de personalidade autoritária, personalista e pseudotécnica (aliás, essa questão do "técnico" mereceria um post, sobre a "neutralização" da política). Resultado: sua base já se desarticula, secretários se vão antes mesmo de assumirem e, ao que parece, ela estará desgastada em menos de um ano. Ao invés de reviver a idéia de "pacto", que pressupõe negociação, conversa, diálogo, compromisso, Yeda preferiu o estilo do canetaço autoritário, bem ao estilo "dama de ferro".
O que temos agora? Um quadro desastroso de governo sem estrutura, da qual destaco apenas a nomeação vexatória de Enio Bacchi, um total despreparado para o cargo de Secretário da Segurança, que certamente irá comer nas mãos das polícias e, por isso, nada mudará (o que é a pior notícia possível para segurança).
Os irresponsáveis que votaram no "anti" agora carreguem a responsabilidade. Ela é de vocês, queiram ou não.
Drogas
Leio no Terra que uma adolescente de 16 anos morreu por overdose com receio de ser flagrada em blitz policial com drogas. Seu acompanhante, que fez o mesmo, já está com prisão temporária decretada.
Eis como se constrói uma política de terror nessa sociedade abostarda e nojenta que vivemos. Essa mesma "sociedade" que vota em Yeda. Com medo de sofrer as torturas do sistema penal, a adolescente engoliu as drogas e acabou morrendo. Perdemos uma vida porque achamos que temos o direito de dizer o que é melhor para o corpo de cada um. Achamos que temos o direito de encarcerar ou punir quem consome substâncias que consideramos inadequadas.
No traumatismo do sistema policial-penal, perdemos uma adolescente de 16 anos. Valeu a pena?
E o que faz o sistema? Decreta a prisão do seu companheiro. Temporária. Mais um bode expiatório para os "cidadãos de bem" caírem em cima.
Nacionais
Em um ano de bons lançamentos de discos nacionais, faltou um top somepills, não? Buenas, estou prometendo até final de janeiro. Só posso adiantar que o disco número 1 é rock mas não é, ok?
Uma boa notícia
A imprensa adora abstrair e falar o "economês" do mercado. Mas há uma boa notícia a caminho: mais uma vez Lula autorizou um aumento do salário mínimo acima da inflação. Nada mais correto. É preciso haver, de vez, justiça econômica, não apenas contenção. O salário mínimo é mecanismo eficiente para redução da desigualdade e distribuição de renda. Chega direto no bolso do pobre.
Os mesmos que dizem que isso é "populismo" são aqueles que tacham o bolsa família de "assistencialista". Como se houvesse alternativa de, por exemplo, conceder um emprego a cada brasileiro e formar uma competição igual. Eis, talvez, o pior da herança do liberalismo. Sem condições mínimas de igualdade (independentes de qualquer mérito ou trabalho), nenhuma sociedade funciona.
Nesse ano novo
Que as pessoas bebam, se divirtam, parem de se preocupar em dizer o que é melhor para as outras, parem de se fazer de vítimas e comecem a se sentir responsáveis, aproveitem cada momento, olhem para o Outro, respeitem-no, façam amizades, fortaleçam os vínculos, gozem, troquem de posição o dinheiro e as pessoas, sejam mais gentis, bem humoradas, menos queixosas e egoístas, que saibam tratar cada um como o indivíduo infinito que é.
Que, definitivamente, aprendamos as lições de Nietzsche e Lévinas combinadas: saibamos, ao mesmo tempo, não ser censores e aprender a gozar, livres de culpa ou ressentimento, olhando, respeitando e nos responsabilizando pelo Outro.
Trilha sonora do post: Grizzly Bear, "Little Brother".