Mox in the Sky with Diamonds

quinta-feira, março 26, 2009

IDEOLOGIA LEVADA AO EXTREMO -- OU "O JORNALISMO INÚTIL"

QUER DESCOBRIR se um blog é ideológico, no pior sentido do termo? Bom, basta ver como ele anda abordando as polêmicas da polícia federal ou o caso Battisti. Se foi tomando logo posição contra Battisti, pretendendo descobrir ali um grande complô da esquerda internacional para salvar "os seus", e agora está criticando as intervenções da polícia federal, é pura ideologia de direita; se está do lado oposto em todos os casos, é pura ideologia de esquerda. Não é possível que os fatos SEMPRE estejam a favor de um lado. Os blogs mais estereotipados são, sem dúvida alguma, Reinaldo de Azevedo, pela direita, e Paulo Henrique Amorim, pela esquerda. Juntos, formam uma luta esquizofrênica cuja principal vítima é o leitor.
Por que estou falando desses casos? Simples: eles dependem severamente de matéria factual. Temos acesso a esses fatos? Não. Logo, muitas das pressuposições são simplesmente ideologia. Reinaldo está louco para provar que a Satiagraha está cheia de problemas. Paulo Henrique, que é a melhor coisa do mundo. Reinaldo já deve estar enchendo seu blogs com comentários sobre a perseguição KGB da Polícia Federal sobre a oposição; PHA deve estar condenando à morte todos os envolvidos no suposto esquema.
Já falei por aqui e repito: afastem-se dos veículos que estão sempre de um lado. Fatalmente, estão manipulando. É impossível um lado estar sempre certo; todos somos falíveis, frágeis, humanos.
Mas "ideologia" não é um termo gasto? De fato. Geralmente é usado pela direita, uma paradoxal herança do marxismo [os mais furiosos anti-esquerdistas são via de regra ex-marxistas ressentidos ou desiludidos], para acusar todo aquele que ousa contestar as tradições naturalizadas. Sabemos, no entanto, e já escrevi sobre isso aqui, que não existe descrição última da realidade, estamos enredados em jogos de linguagem que são também jogos de poder. Não existe linguagem transparente. Portanto, a palavra "ideologia" perde muito da sua força, à medida que seu contraponto [a "não-ideologia"] está na berlinda.
Isso significa que não existe a objetividade? Ora, mostrem-me UM filósofo que tenha dito isso. Vamos pegar dois supostos "relativistas": Michel Foucault e Jacques Derrida. Foucault alguma vez afirmou que não existe a verdade, que não existe objetividade? Gostaria que alguém me mostrasse isso. O que Foucault diz é que a verdade se produz mediante jogos de poder, que a verdade tem um "regime". Ou seja, ele não está dizendo que não existe a verdade, mas que a forma como escolhemos para abordar essa verdade está sempre imersa em uma estratégia de poder. Daí que, por exemplo, a investigação científica tenha nascido na inquisitio. Foucault alguma vez disse que a objetividade não existe? Nunca li isso. O que ele diz é que faz parte das estratégias de poder da nossa sociedade dar primazia à objetividade diante de outras formas de recepção da realidade. Um gesto bastante heideggeriano, diga-se de passagem.
Mas... e Derrida? O autor da desconstrução, afinal, diz que não existe pensamento absoluto, portanto tudo dá na mesma, certo? Errado. Derrida NUNCA disse isso. O que Derrida fez foi trazer a lume que existe uma série de elementos marginais (alteridade) que são sonegados em dicotomias que subjugam um dos elementos em oposição ao seu superior (belo/feio, fala/escrita, etc.). Derrida elimina a verdade? Como eu próprio recortei e coloquei aqui, Derrida nunca negou que o verdadeiro seja diferente do falso, mas que a verdade tem que ser inserida em quadrantes mais potentes, distintos da violência metafísica. O pensamento da desconstrução, assim, é extremamente rigoroso, como poucos foram. O que assusta alguns é o extremo anti-dogmatismo de Derrida [e esse susto deveria ser o que mais chama atenção, já que o filósofo é o anti-dogmático por excelência]. Derrida afirma que vale tudo, a ciência não diz nada nem prova nada? Nunca. Só diz isso quem não leu ou não entendeu. Ele diz, isso sim, que a ciência é uma dimensão da racionalidade, e que a desconstrução não hesita em mostrar como certas premissas supostamente inquestionáveis estão apoiadas em fracas [e violentas] contingências.
O que isso tudo significa? Que existe objetividade. Que, tratando-se da matéria factual, se espera de uma reportagem a objetividade. Não acredito no "grau zero" de ideologia. Mas o jornalista pode se policiar para deixar os fatos falarem por si, sem ser o Nietzsche-de-Heidegger que reduz tudo à sua "vontade" ideológica. A interpretação do mundo está desde sempre contaminada pela sua ideologia. No entanto, a matéria factual acontece brutamente; com a mesma brutalidade que uma criança sem alimento morre de fome, independente dos "bem-pensantes" pensamentos por aí elaborados. Uma reportagem que quer tratar um delegado como um araponga maluco merece total suspeição se não cumpre o gesto simples e óbvio de ouvir esse delegado, por exemplo. A disputa política legítima é transformada em manipulação dos fatos.
Fuja dos blogs excessivamente "ideológicos". Quando apontarem só num sentido, ligue o sinal vermelho: aquilo não pode ser tomado a sério.

Marcadores: , , ,