PRISÕES ESPETACULARES
Uma vez, em palestra na PUCRS, afirmei que não há coisa mais ingênua do que o discurso constitucionalista do Direito. Não é possível que os penalistas que estudam a Constituição não percebam que, por exemplo, a questão das algemas é muito mais interessante do que uma mera ponderação de princípios jurídicos.
Diversos senadores e deputados, além da mídia conservadora, manifestam-se contra a "espetacularização da prisão" de Dantas e outros. É exatamente o mesmo fenômeno.
Jamais vi senadores do PSDB ou do DEM e jornalistas da Veja reclamarem quando um traficante ou um assaltante de bancos é preso com repercussão midiática. Jamais vi tanto clamor pelo "Estado Democrático de Direito" por setores que ajudaram a aprovar leis penais bizarras e draconianas. Nunca vi colunistas conservadores se queixarem que algemaram um traficante poderoso já completamente desarmado e incapaz de reação. Jamais vi deputados federais -- inclusive do PT -- afirmarem solenemente que a prisão processual deve ser usada com cautela, que qualquer um pode ser vítima de abuso policial, que estamos caminhando para um Estado Policial. Nunca.
É um espetáculo sim o que está acontecendo. Mas um espetáculo do ridículo.
Os mesmos patetas que bradam contra a "impunidade" e os excessivos benefícios do processo penal, esses cães com hidrofobia que jogaram na fogueira o casal Nardoni, por exemplo, são os que agora reclamam do avanço do "Estado Policial".
Pois bem, meus amigos: eis o Estado Policial que VOCÊS COLABORAM EM CRIAR. O que acontece com as algemas e prisões processuais é que esses dispositivos estavam presos ao estado de exceção que ocorre na realidade e suspende as regras jurídicas, como no caso de Suzane Richtofen e do casal Nardoni, além das centenas de pobres e negros que não sabemos o nome porque não viram notícia, que estão apodrecendo cumprindo uma pena antecipada antes da condenação e foram algemadas para saciar as pulsões destrutivas dos "cidadãos de bem".
Não há um entendimento jurídico consolidado sobre o uso de algemas porque esse uso jamais foi questionado, estava preso no estado de exceção que suspende as normas constitucionais. À clientela do sistema penal, reduzida ao estado de vida nua, não adiantava recorrer, pois era o Estado de Polícia, na prática, que acontecia, enquanto o "dique" Estado de Direito não conseguia segurar a correnteza punitiva.
"Bem-vindos ao deserto do real", meus caros. Apavorem-se com o monstro que vocês criaram. Agora a clientela desse sistema não são apenas os traficantes negros da favela -- os bodes expiatórios da cultura punitiva tupiniquim -- mas também os de "colarinho branco", entre os quais vocês também se incluem, e agora estão cagados de medo.
Até que o estado de exceção atingisse o colarinho branco, ninguém falava absolutamente nada. Era tudo leniência, laxismo, frouxidão. Combatíamos a impunidade e os defensores do direitos humanos eram ridicularizados. Agora todo mundo fala de garantias processuais.
É nossa vez de rir.
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