Mox in the Sky with Diamonds

segunda-feira, novembro 24, 2008

QUEREMOS DE FATO DESTRUIR O SISTEMA PENAL?

CREIO QUE UMA DAS PRINCIPAIS virtudes das nossas discussões vem sendo o fato de que há uma salutar resistência a nos "unificarmos" em uma espécie de "militância". Não há só pontos de convergências, mas divergências profícuas e dúvidas sobre que caminhos devemos seguir.
Uma primeira distinção é imperativa: é necessário diferenciar aquilo que colocamos no âmbito das idéias gerais, do pensamento, da prática profissional de alguns. Dentro desta, os limites são delimitados e não dá para ir muito além. O exercício da resistência é salutar. Por outro lado, quando temos liberdade para ir além, no caso do pensamento, acho que devemos ir sim. Então, são coisas distintas.
A questão que se coloca é sobre o papel do garantismo e da Constituição. Temos, de um lado, os céticos que se negam a dar qualquer importância a isso; de outro, os que acreditam na possibilidade de "redução de danos". Não sei qual é a minha posição. Mas, atualmente, estou mais inclinado para a primeira. Explico. Leiam o comentário a seguir:

A REPÚBLICA DE WEIMAR - A BOA...
Eles têm os leitores deles, aquelas coisas... Eu tenho os meus, como Weimar. Ele escreve e eu sempre "subscrevo embaixo", reproduzindo uma graça do próprio.
*
Vou tentar ser Claro.
Não o Claro, coisa que jamais poderia ser; apenas ser CLARO.É realmente verdade que uma boa parte da população esteja percebendo as críticas ao delegado e ao juiz como defesa de privilegiados. É verdade, lamentável e preocupante que assim se pense.Agora, vejamos por que a garantia dos direitos individuais, velha questão, torna-se mais urgente e preocupante quando o mal chega a parte da elite.A história da civilização (queremos acreditar que assim seja, mas há controvérsias) vem, de modo geral, num crescendo de justiça, liberdade e democracia. Sabemos que esta nossa sociedade, a brasileira, tem graves deficiências nessas áreas, mas sabemos também que já foi pior, muito pior. Os direitos individuais que só atingiam uma pequeníssima parte da população passaram a chegar a novas faixas, ou classes. E isso nos dava esperança de que, em breve, estariam garantidos os direitos individuais a todos os cidadãos.
Nesse caso de D.D. e outros elementos (vai aqui uma concessão aos linchadores, já que mais correto seria dizer “cidadãos”), o que se vislumbra é que a tendência
inverte-se: em lugar de direitos o que avança é uma perigosa nuvem negra de ilegalidades, injustiças e tirania. O que não muda, em relação aos piores tempos, é que a alteração ocorra em benefício de outra, pequeníssima, parte da elite, dos privilegiados, dos donos do poder.
Não há como deleitar-se com o fato de que injustiças, ilegalidades sejam cometidas contra quem quer que seja. Na há como alegrar-se com o pensamento doentio de: “Agora, sim, estamos todos sob o império do arbítrio!” Faz-se justiça com esse jeito torto? Não! Beneficia-se a democracia? Não, ela contrai-se! Até porque, é claro, lógico, natural, incontroverso, sabido pela história que para haver tirania é preciso que haja tiranos, sempre intocáveis pela lei. Lei que será deles. A estes a lei não ameaça. Não se acaba o arbítrio com mais arbitrariedade. O remédio que resta, doloroso, fica por conta da bala do fuzil ou da forca. Remédio sempre terrível, com enormes efeitos colaterais.
E por que parte da população vê com maus olhos essa luta pela defesa dos direitos individuais? Em grande parte, pelo trabalho da imprensa vendida e da imprensa covarde, formadas, por sua vez, pelo desastre que são nossas universidades.A briga aqui não é por privilégios; é pelo processo civilizatório.WeimarPublicar Recusar (WEIMAR) 12:2-
Creio que a maioria dos garantistas (eu mesmo, até pouco tempo) concordaria com essa afirmação. E, no entanto, ela está no blog do Reinaldo Azevedo - o divulgador do pensamento neocon no Brasil e, hoje em dia, ponta de lança da extrema direita nacional - o que deveria nos dar o que pensar.
No meu último artigo sobre os direitos humanos defendi, com Giorgio Agamben, que os direitos humanos estão sempre vinculados a uma cidadania, que necessariamente não é compartilhada por todos. Como dizia Arendt, os direitos humanos sempre falham quando são realmente necessários. Isso porque a teoria que subjaz - teoria compartilhada pelo garantismo - é a do contrato social. Sempre há os "outros" que ficam de fora do contrato e não têm a mesma luz que têm os "civilizados". Essa franja de exceção, como notava Benjamin na oitava tese sobre a história, é a verdadeira regra. A vida dos "outros" é sempre a vida na mira do estado de exceção: da violência policial, da discriminação sutil, do preconceito, da exclusão mascarada e assim por diante. As leis são feitas, literalmente, para os "cidadãos". E os "outros" nunca serão cidadãos - porque é seu destino não ser.
Esses dias vi o filme "Panther". Antes de os negros se armarem e enfrentarem a polícia nos EUA, as leis eram simulacros que só serviam aos "cidadãos". Em "Mississipi em Chamas", não era necessária uma lei que separasse negros e brancos. O que separava é a pura violência do estado de exceção (e olhem que nos EUA, por particularidades históricas, a teoria do contrato social pode funcionar porque não é puramente metafísica). Os "outros", toda vez que reinvidicam direitos, até aqui no RS atualmente, sentem a espada da exceção. Essa exceção é que mantém vivas sociedades injustas e desiguais, apesar da beleza de algumas Constituições que garantem não apenas igualdade perante a lei, mas também a "redução da desigualdade social". Constituições vigentes a alguns séculos mas que, na prática, não passam de "folhas de papel", como um jurista crítico certa vez afirmou e a ferida jamais cicatrizou no Direito.
O jurista precisa acreditar no seu discurso e trata isso como desvio, como uma "falta". "Faltam" direitos lá, "faltam" garantias. Maravilha. Deve fazer bem ao estômago pensar assim. Talvez isso não dê gastrite, como a minha. No entanto, o seu temor é que definamos POSITIVAMENTE em que consiste esse fenômeno da "falta", porque aí seu narcisismo jurídico é atingido na veia: trata-se de um vazio de direito, de uma indiferença plena à lei e à constituição, esse fenômeno que chamamos estado de exceção e que escapa do controle do jurista. Entrem com habeas corpus preventivos contra incursões do BOPE no Complexo do Alemão. Entrem com mandados de segurança para garantir direitos da LEP ao seu preso. Reclamem dos "direitos humanos" quando a Brigada enche de porrada o pé-de-chinelo. Sabem o que vocês ganham como resposta? Sabem, até melhor que eu. Um sincero "desculpe, mas não é comigo", como as burocracias de Kafka que são inatingíveis e por isso comparáveis à teologia. Mas vocês conseguem algo? Conseguem, sem dúvida. Na maioria, para os "cidadãos" que agora podem não ser mais algemados, nem grampeados, nem estigmatizados por câmeras de tevê e nomes de operações.
Será que isso não é um trabalho tremendo de relegitimação do sistema punitivo? Não estamos diante de um simulacro tremendo que esconde o que interessa - o pé-de-chinelo continua tomando botinada de BM enquanto o empresário agora tem sua "dignidade" preservada e não é mais algemado? Esse simulacro não poderia levar o nome de metafísica e essa metafísica é justamente a teoria do contrato social (base do garantismo)? Vamos continuar considerando os "outros" como os "futuros destinatários" (de um futuro que nunca chega e jamais chegará) dos nossos benefícios da civilização? Vamos dar razão ao Reinaldão e dizer que, "é isso mesmo, vou defender o sistema penal para os 'cidadãos' e quem sabe um dia ele chegue - na sua versão 'civilizada' - aos 'outros'"? Querem chamar isso de "redução de danos", chamem. Até posso concordar. Mas que fique claro que é redução de danos "para alguns". E que, no nível macro, mantém tudo como está. Ou será que alguns precedentes do STF vão mudar alguma coisa na intervenção da BM no Rubem Berta ou do BOPE no Complexo do Alemão?
A pergunta que todos nós temos que responder é a seguinte: o que nós queremos com o sistema penal? Queremos sinceramente destrui-lo? Se a idéia é essa, bem, então Benjamin ensinou que a "tradição dos oprimidos é a de estado de exceção" e que a forma de combatê-lo é "fazendo-o acontecer no real". Se isso nos aproxima de algo "revolucionário"? Pode até ser, mas não necessariamente no sentido de "revolucionário" do século XX. Talvez como coloca Agamben, como a piscadela de olho do gênio de Nietzche que, propondo o eterno retorno, muda tudo em um único instante.

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