Mox in the Sky with Diamonds

terça-feira, setembro 16, 2008

ESTADO POLICIAL? SIM E NÃO

VIVEMOS MESMO EM UM ESTADO POLICIAL no Brasil de nossos dias? O discurso, cada vez mais em voga, merece uma análise detida.
Como alguém que vem estudando o tema há quase dez anos, eu responderia: sim. Mas o Estado Policial não é produto de escutas telefônicas ilegais nem de mandados de prisão midiáticos, e sim da própria estrutura social que sustenta o arbítrio como regra e o Estado de Direito como exceção. Se queremos exemplos de Estado Policial, não precisamos apelar para Gilmar Mendes ou Celso Pitta, basta vermos aqueles moradores de rua ali do lado detidos por não portarem identidade, a quantidade de negros pobres que compõe 1/3 da população carcerária sem condenação, a existência de um número exorbitante de processos criminais tramitados sem que assegurada efetiva defesa ao acusado. Isso são exemplos que evidenciam a descrição de Eugenio Raúl Zaffaroni faz há algum tempo do controle penal: vivemos sob a pressão permanente do Estado de Polícia, sendo que vez que outra é contido pelo "dique" Estado de Direito. Basta prestarmos atenção no comportamento policial no Brasil para constatarmos a sobrevivência de um modelo pré-democrático que em nada se altera após a Constituição.
Por esse ângulo, não há dúvida que vivemos em um Estado de Polícia, mas ele se arrasta há alguns séculos e não tem prazo para acabar.
Diferente é a abordagem oportunista que alguns setores da imprensa conservadora, o Ministro Gilmar Mendes e filósofos fantoches têm realizado sobre o tema. Aproveitando a sensação de "empatia" que o leitor pode ter com o acusado - pois normalmente é branco e de classe alta - utiliza-se uma retórica de "Big Brother" para definir o comportamento da Polícia Federal e aproveitar para associar o Governo Lula ao comunismo e suas estratégias de espionagem (quem não viu, vá logo ver "A Vida dos Outros"). Essa retórica que ignora a queda do Muro de Berlim é vil, estúpida e na realidade pretende apenas preservar intactos os "super-cidadãos" que jamais foram atingidos pela letra da lei no Brasil, esses que DaMatta referia com o "sabe com quem está falando?". A estratégia é apenas um mecanismo de pressão para, de um lado, provocar uma crise artificial no Governo Lula, que bate recordes constantes de aprovação; de outro, para assegurar que as negociatas dos "donos do poder" que abrangem a própria mídia permaneçam imunes à letra da lei. A histeria do Ministro Gilmar Mendes e sua pretensão de concentração de funções é absolutamente suspeita a respeito.
Os abusos da Polícia Federal não são produto de uma política proto-comunista, e é preciso ser muito vesgo para enxergar comunismo no Governo Federal, mas revelam o simples funcionamento universal do sistema penal: as agências criminais, da polícia ao sistema penitenciário, passando pelo próprio juiz, abusam do poder. Isso os garantistas denunciam desde sempre e, no entanto, somente quando atinge a parcela dos super-cidadãos a denúncia ganha ares de convencimento. Na patuléia, desça-se o estado de exceção.
É novamente a capacidade do brasileiro de sincretizar o inconciliável: somente aderimos ao Estado de Direito se ele atingir o topo da pirâmide social, abalando nossa irrevogável hierarquia. Para a base, os subcidadãos, reservamos nossa "Tropa de Elite" e as políticas de extermínio - e tudo bem.

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