DESATAR OS ÚLTIMOS NÓS
O Brasil parece finalmente estar caminhando para frente. A economia parece estar totalmente estabilizada: ritmo de crescimento sustentável, reservas capazes de pagar a dívida externa, resistência a turbulências externas, inflação controlada, juros em queda, aumento permanente e persistente, ao longo dos últimos anos, do nível de emprego e da renda, exportações batendo recordes. Ao mesmo tempo, surge um programa de renda mínima sólido, capaz de promover a inclusão de milhares de pessoas que não viviam apenas à margem da cidadania, mas à margem da condição humana.
Podemos atribuir esses méritos aos dois últimos Presidentes. FHC deu um passo inicial, Lula fez a máquina andar sozinha. Queira-se ou não, foram dois Governos muito acima da média nacional, capazes de enfrentar problemas complexos numa era de Globalização em que a maioria das pessoas não sabe bem para onde ir.
Dá para sentir que, de alguma forma, paira um otimismo inevitável em grande parte das pessoas. A espetacular aprovação de Lula, batendo quase na casa dos 70%, é prova disso.
A mídia apenas finge não entender isso, com seu discurso de que a corrupção não "cola" no Presidente. Sabemos qual é o alvo dessas opiniões. É o cidadão de classe média, indignado com tudo, conservador e individualista, que prega todo aquele discurso do "cidadão de bem que paga seus impostos". Posso estar sendo bastante radical nesse momento, mas esse "pensamento que não pensa", essa indignação "Cansei!", sem rumo, sem reflexão, é de certa forma o que impede a maioria dos meios de comunicação de admitir o bom rumo das coisas, preferindo falar de cartões corporativos.
Falta, para o Brasil realmente começar a se desenhar como um país melhor, desatar dois grandes nós que ainda estão longe de solução.
O primeiro nó que eu vejo é o nó de esfera política. Como já escrevi por aqui [ver aqui ou aqui], o PT definitivamente falhou em formar uma esfera pública. Em vez disso, rendeu-se a cripto-comunistas [ou fascistas, como queiram] e deixou pessoas ligadas ao movimento sindical corruptíveis tomar o poder, falhando no seu "projeto ético", que até hoje é tão incessantemente cobrado. Com FHC também não foi diferente.
O Poder Político ainda continua corrompido e invulnerável à lei. Isso é ausência de democracia.
A única forma que vejo de corrigir isso é por meio da própria democracia. Não vejo como possível, por exemplo, que um número significativo de anulação de votos leve à formação de novos líderes. Pelo menos por enquanto. É preciso mais pragmatismo que isso. Também não vou aderir ao niilismo político, como alguns dos blogs linkados aí do lado fazem, porque isso na verdade serve apenas aos partidos conservadores. Nada melhor, para eles, do que neutralizar a política.
Como já venho sugerindo por aqui há muito tempo, a única forma que vejo de resolver isso é, e tenho Renato Janine Ribeiro do lado dessa idéia, a partir de uma aliança entre PT e PSDB que isole os grandes chefões da política nacional até seu definhamento. Isso, inclusive, com o PMDB, hoje nada mais que um emaranhado fisiológico e incoerente, com o perdão dos bons políticos [não são muitos, mas existem] ligados ao partido. PT e PSDB têm os melhores quadros do país -- apesar das respectivas maçãs podres -- e sua união ajudaria a isolar os coronéis da política que torna ela mais propícia à corrupção. Que PT e PSDB tenham também políticos corruptos é inegável, mas acredito que, apesar disso, eles agregam mais que os outros partidos.
O outro nó é o da segurança pública. O nível de criminalidade vem subindo em nível avassalador, e a única coisa que temos feito contra isso é piorar as leis penais. É preciso começar a discutir violência com quem estuda violência, não com quem tem melhor retórica. A reação passional, simbólica e vingativa não tem nos levado a lugar nenhum.
Uma política de segurança, a meu ver, só vai funcionar se mudarmos de paradigma: primeiro, é preciso ver que a violência no Brasil é tão enorme em comparação com a França ou a Itália por causa do déficit de justiça na nossa sociedade. O sucesso do tráfico é o sucesso da oportunidade e do empreendimento nas populações de classe baixa. Mas isso não significa que só se controle delitos com medidas sociais. Longe disso.
É preciso medidas de segurança mesmo. Mas, para começar, para implementar isso temos que ter polícias sérias. Bem remuneradas, bem treinadas, bem equipadas e com controle rígido. O modelo "Tropa de Elite" é o modelo daquela piada em que tem um agente da Scotland Yard, um da CIA e um da Polícia Civil Brasileira. Todos em busca de um coelho. O da CIA traz o coelho em 15 min, o agente da Scotland Yard, em 5min. O brasileiro traz em 1min um porco confessando: "eu sou um coelho, juro". Polícia que dá porrada e tortura é polícia sem método, sem utilidade e sem controle, principalmente.
Sabemos quem são os principais "clientes" do sistema penal e, simultaneamente, as vítimas de guerra civil que está em andamento. São jovens negros pobres de 16 a 25 anos, que morrem como se fossem vida matável na disputa pelo tráfico de drogas. Se o Poder Público não retomar esses espaços, ocupando-os com serviços públicos e policiamento comunitário, e investir forte em educação e oportunidade para esses jovens, tudo vai continuar piorando.
Precisamos de políticas sérias para combater no foco, mas pragmaticamente, sem discursos de bem contra o mal, que só desconhecem a ambivalência de que detém o status de nada menos que vida descartável -- vida indigna de ser vivida -- no nosso país. A violência é também compatível com o grau de revolta.
Desatar esses dois nós tornará o Brasil melhor. Porém, para isso, temos que escapar da tentação do discurso populista conservador.