A charge - que já tinha recebido, mas retirei do blog do Salo - reflete o típico discurso conservador dos nossos dias e escamoteia o fato básico de que ambos os modelos são violentos. A forma como o poder se exerce contemporaneamente consiste em impor a disputa entre as duas alternativas falidas.
EDUCAÇÃO NÃO É DISCIPLINA
DAQUELA SOCIEDADE que divertiu tanto Freud com as respectivas neuroses e Foucault na exploração do poder disciplinar pouco restou. Dentro do cenário de grande complexidade da sociedade contemporânea, a forma-de-vida que tem se tornada hegemônica não é a - um tanto cômica - neoconservadora, mas sim a neoliberal. Predomínio dos atuarialismos, da burocracia, dos discursos de "motivação", do "pensamento-positivo-Segredo", da idolatria do Deus-Dinheiro. Na sociedade de consumo, não é mais a ética ascética que Weber tão bem descreveu e relacionou com as raízes protestantes e o espírito do capitalismo; a sociedade do trabalho, que valoriza a ascese e economia, dá lugar ao consumo desenfreado e insustentável. Do regime do desejo mantido à custa da repressão e do recalque, palco de festas da psicanálise, passamos ao imperativo do gozo e narcisismo, com o consequente deslocamento para a psicologia comportamental e os psicofármacos. Pouco resta da disciplina pois não há mais interesse em produzir "trabalhadores"; interessa, apenas, o consumo, a fluidez do capital e, de resto, o esvaziamento do lixo (humano) que é "extranumerário".
E, no entanto, nossa sociedade gaúcha, patética e fascista como é (já fizemos o exercício de contar quantos do presidentes autoritários do Brasil eram gaúchos?), parece empenhada em campanhas neocons. Uma delas - conduzida pelo seu jornaleco marrom que já comentei aqui - trata de criar um clima de "pânico moral" em torno da desordem nas salas de aulas e requer o "retorno da disciplina". Para isso, conta com empresários morais vociferando pela presença do "limite".
Ora, a presença do limite jamais seria um problema; a questão é, qual o limite? É então que o conservadorismo gaudério aparece e volta a demanda pela "autoridade". Como se o modelo da disciplina não tivesse caído não por esquecimento, mas de podre que estava. Para isso, se humilha em público uma criança que agora deve estar sozinha em casa bebendo do veneno da culpa e do ressentimento. Não é incrível que ninguém esteja preocupado com o que sente nesse momento a criança que pichou as paredes? Será que não está traumatizada de forma cruel com o linchamento público que vem sofrendo na mídia? Tudo lembra muito a tese de René Girard de que a violência está onipresente num círculo vicioso de vinganças até o momento em que se resolve executar uma "vítima expiatória" -- com a unanimidade que projeta sobre ela todo o mal do mundo. Que tenhamos esquecido que se trata de uma criança que gosta de brincar é algo sintomático do ódio e violência que permeiam nossas relações.
Esse caso é tão central para o abolicionismo quanto os mais relevantes casos penais; trata-se do momento exato em que uma visão abolicionista demandaria uma nova visão da educação, não como um processo baseado no castigo e na disciplina, mas como uma prática que envolva diálogo e respeito à alteridade. Parece nítido que uma prática restaurativa seria algo muito mais maduro e educativo do que uma prática punitiva baseada na humilhação e no sofrimento. Mas será que alguém está realmente preocupado em educar esse menino? Ou simplesmente em transformá-lo no mesmo monte de lixo disciplinado que é incapaz de pensar com sua própria cabeça tal como os "cidadãos de bem" que escrevem para o jornaleco marrom? Até quando iremos acreditar que gritos, humilhação, sofrimento, traumas e agressões físicas podem ser chamadas de educação? Não há mais nem um resíduo de humanidade nessa fria sociedade gaúcha?
Antes de ser um modelo baseado em "direitos" e "instituições", o abolicionismo consiste num conjunto de propostas que pensam um novo modelo de sociabilidade, baseado no diálogo, no respeito à alteridade, na consciência moral e na restauração dos vínculos corrompidos. A educação tem um papel absolutamente central na construção desse novo mundo.
E, no entanto, nossa sociedade gaúcha, patética e fascista como é (já fizemos o exercício de contar quantos do presidentes autoritários do Brasil eram gaúchos?), parece empenhada em campanhas neocons. Uma delas - conduzida pelo seu jornaleco marrom que já comentei aqui - trata de criar um clima de "pânico moral" em torno da desordem nas salas de aulas e requer o "retorno da disciplina". Para isso, conta com empresários morais vociferando pela presença do "limite".
Ora, a presença do limite jamais seria um problema; a questão é, qual o limite? É então que o conservadorismo gaudério aparece e volta a demanda pela "autoridade". Como se o modelo da disciplina não tivesse caído não por esquecimento, mas de podre que estava. Para isso, se humilha em público uma criança que agora deve estar sozinha em casa bebendo do veneno da culpa e do ressentimento. Não é incrível que ninguém esteja preocupado com o que sente nesse momento a criança que pichou as paredes? Será que não está traumatizada de forma cruel com o linchamento público que vem sofrendo na mídia? Tudo lembra muito a tese de René Girard de que a violência está onipresente num círculo vicioso de vinganças até o momento em que se resolve executar uma "vítima expiatória" -- com a unanimidade que projeta sobre ela todo o mal do mundo. Que tenhamos esquecido que se trata de uma criança que gosta de brincar é algo sintomático do ódio e violência que permeiam nossas relações.
Esse caso é tão central para o abolicionismo quanto os mais relevantes casos penais; trata-se do momento exato em que uma visão abolicionista demandaria uma nova visão da educação, não como um processo baseado no castigo e na disciplina, mas como uma prática que envolva diálogo e respeito à alteridade. Parece nítido que uma prática restaurativa seria algo muito mais maduro e educativo do que uma prática punitiva baseada na humilhação e no sofrimento. Mas será que alguém está realmente preocupado em educar esse menino? Ou simplesmente em transformá-lo no mesmo monte de lixo disciplinado que é incapaz de pensar com sua própria cabeça tal como os "cidadãos de bem" que escrevem para o jornaleco marrom? Até quando iremos acreditar que gritos, humilhação, sofrimento, traumas e agressões físicas podem ser chamadas de educação? Não há mais nem um resíduo de humanidade nessa fria sociedade gaúcha?
Antes de ser um modelo baseado em "direitos" e "instituições", o abolicionismo consiste num conjunto de propostas que pensam um novo modelo de sociabilidade, baseado no diálogo, no respeito à alteridade, na consciência moral e na restauração dos vínculos corrompidos. A educação tem um papel absolutamente central na construção desse novo mundo.