Mox in the Sky with Diamonds

terça-feira, março 03, 2009

PONDÉ E O VELHO "PONTO DE VISTA DE LUGAR NENHUM"

LUIZ FELIPE PONDÉ tem dado polêmico, como previsível, desde que começou a escrever na Folha de São Paulo. Primeiro foi Marcelo Coelho que o colocou, ao lado de Reinaldo Azevedo, JP Coutinho e Demétrio Magnoli, como "pessimista sombrio". Depois, Maria Rita Kehl comparou a atitude cético-desiludida com a "banalidade do mal".
Já disse por aqui que, apesar de discordar frontalmente de JP Coutinho, reconheço que ele representa uma "parcela inteligente" do pensamento conservador. O mesmo pode ser dito de Luiz Felipe Pondé. Bem diferentes de Reinaldo Azevedo, que não passa de jornalista ruim, pseudo-intelectual e pensador histérico de análises profundas como um pires. Pondé tem uma certa atitude spenceriana, cética, desludida, verdadeiramente "pessimista".
Ontem publicou na Folha um artigo intitulado "Blábláblá" em que ataca o relativismo cultural. Tenta provar que tudo não passa de baboseira e que as culturas não se equiparam. Leiam o texto e depois voltem aqui.
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Pois é. Me parece que há pelo menos quatro confusões nos conceitos de Pondé.
A primeira é acreditar que a antropologia cultural faz juízos de valor sobre as culturas que estuda. Interpretar ou, mais propriamente, traduzir uma cultura para outra não significa sinalizar sua superioridade, ou mesmo igualdade (do ponto de vista ético), mas simplesmente abrir a possibilidade de compreensão de um "mundo" (no sentido fenomenológico) alheio ao nosso. O relativista cultural, por isso, não está dizendo - e nunca li alguém que o tenha dito - que "tudo vale a mesma coisa, dependendo da cultura onde está inserido" [isso só é lido em livros de opositores dos relativistas que não os leram].
A segunda é que nem todo relativista cultural é contra a "contaminação". Ao contrário, a maioria pretende justamente o oposto: eliminar todo resíduo de "pureza" em qualquer cultura [na antropologia, por exemplo, Homi Bhabha, e, na filosofia, o SUPOSTO maior "símbolo" do relativismo: Jacques Derrida].
A terceira é que mesmo antropólogos que poderiam ser chamados de "polêmicos", como Lévi-Strauss, não estavam preocupados em afirmar que todas as culturas valem a mesma coisa, ou que todas estão certas, ou que todas devem ser toleradas, mas pura e simplesmente que cada cultura articula um sistema de crenças "racional", ordenado, estruturado. O objetivo é, portanto, desfazer o conceito de "bárbarie" como algo sem articulação, irracional - tudo que o pensamento europeu sempre tratou de colocar sobre "o Outro".
Quarto, e mais importante, é que subjaz ao artigo de Pondé a idéia de que ele fala de ponto de vista de "lugar nenhum", como se a "Modernidade" fosse mesmo "universal", quer dizer, não fosse simplesmente uma invenção ocidental baseada no esquema metafísico do contrato social e no discurso jusnaturalista. O "universalismo" que Pondé implicitamente opõe ao "relativismo" nada mais é do que uma invenção ocidental - ou seja, um etnocentrismo. Ou seja: os pensadores que procuram pensar a diferença cultural - mais amplamente, a alteridade - nada mais fazem do que mostrar o quanto é "pequeno" e "local" o relato megalômano iluminista que, na sua abstração formalista, se pretende não apenas universalizante, mas ainda capaz de julgar todas as demais culturas.
Melhor teria andado se tivesse acompanhado Richard Rorty naquilo que este chama de "anti-anti-etnocentrismo", ou seja, simplesmente reconhecer qualidades na cultura ocidental que o levariam a adotar essa e não outra. Rorty nega a possibilidade de uma "metacultura" capaz de julgar todas as demais, mas vangloria a tradição liberal por ser capaz de "abrir mais janelas" para a diferença de que outras. Por isso se diz "anti-anti-etnocêntrico".
Seria, pelo menos, mais humilde.

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