O LUGAR DO ATIVISMO
ESSA SEMANA o Supremo Tribunal Federal decidiu, por 9 votos a 1, manter a decisão de concessão de liberdade a Daniel Dantas. O juiz Fausto de Sanctis, que atuou em primeira instância, foi severamente criticado. A imprensa saiu em sua defesa.
Não conheço o caso a fundo e nem tenho elementos suficientes para opinar, mas me parece que era caso sim de decretação de prisão preventiva. Dantas mergulhou profundamente no Poder Público brasileiro e pode influenciar diversas instituições. Além disso, tentou subornar o delegado durante a Operação. Não é preciso ser "conspiratório" para ver que toda parafernália contra o "Estado Policial" dirigida pela mídia começou a partir do caso Dantas. Não é necessário ser tão esperto para estranhar, como estranha Elio Gaspari na sua coluna hoje e há algum tempo também Marcos Nobre, a verborragia do Ministro Gilmar Mendes e "coincidências" com temas defendidos por certa imprensa neocon. Eu, sinceramente, hesitaria antes de dizer que a liberdade de Dantas é uma "afirmação do Estado de Direito", como alguns mais empolgados diriam.
Falo isso embora seja um adversário ferrenho da preventiva: o Brasil prende preventivamente demais, cerca de 1/3 dos presos ainda estão sendo processados. O próprio STF colabora para a questão quando decide, por exemplo, que o tráfico de drogas não é suscetível de liberdade provisória, ainda que seja óbvia a diferença que existe nas condutas que possam ser enquadradas no dispositivo legal. Quando olhamos a questão sob o ângulo criminológico, as coisas ficam mais claras - e talvez vergonhosas. O sistema penal brasileiro não é uma ordem jurídica igualitária que protege a "paz pública" - como os penalistas escrevem nos seus manuais (e de fato acreditam) - e sim um conjunto de agências (algumas dentro da lei, outras fora) que visam a deter a população marginalizada naquilo que ela mais incomoda aos do "asfalto". Uma comparação entre preventivas injustificadas para traficantes e liberdades provisórias para grandes empresários não deixaria qualquer margem de dúvidas.
No entanto, a crítica do STF ao juiz foi justa. Lendo uma entrevista dele ao Globo, há alguns meses atrás, fiquei horrorizado. Todas as garantias asseguradas - por exemplo, defesa prévia - eram interpretadas como "benesses" que colaboram com a "impunidade". Como podem esquerda e direita ser tão semelhantes atingindo alvos opostos? Há uma confusão aqui de uma geração de esquerda que usa meios equivocados para fins justos (combater a desigualdade social), potencializando, na realidade, o discurso de Lei e Ordem (que, DE FATO, só atinge os marginalizados) no Brasil.
A "ação política" do juiz, ou simplesmente o "ativismo", é algo quase inevitável e de fato não há juiz neutro. Todo juiz carrega consigo uma decisão política que não se esgota no texto da lei. A confusão é no papel do juiz no processo penal e o que significa "ser de esquerda" nesse papel. "Ser de esquerda" não pode ser colaborar para um Estado Policial, a menos que essa esquerda não tenha aprendido nada com os fracassos homéricos do século XX.
Moral da história: o lugar do juiz no processo penal não é neutro, mas politicamente orientado. Essa orientação, no entanto, deve ser a da GARANTIA, ou seja, o juiz deve ser o garantidor dos direitos fundamentais previstos na Constituição, um "dique" contra o "maremoto" que vem como poder punitivo sobre ele. O ativismo judicial é o ativismo das garantias.
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