Mox in the Sky with Diamonds

quarta-feira, maio 21, 2008

RAZÃO INCONTESTÁVEL DO GARANTISMO

O processo penal é um incompreendido. Sua função é precisamente ser mal-visto. O processo penal não existe apenas, como escreviam nossos antigos "doutrinadores", como um meio de o Estado descobrir a verdade. Porque, se fosse, não seria absolutamente necessário. É perfeitamente possível fazer uma investigação sem contraditório, presunção de inocência e vedação de provas ilícitas. Daí que aparece a principal função do processo penal: é garantir ao inocente que não seja condenado injustamente. E em nenhum caso o processo penal serve a esse objetivo que naqueles de "grande comoção". É para esses casos, justamente, que existe processo penal.
Pagamos um preço caro por ele: muitos culpados saem inocentes. É o preço de manter o princípio kantiano de que todo homem é fim em si mesmo. Quer dizer: mais vale absolvermos vários culpados do que condenar apenas um inocente. Este não pode pagar o preço das condenação. Na ponta do processo, existe esse princípio ético.
Mas a população "comovida" não quer esperar. Não quer saber de Kant. As pessoas querem sangue e vingança, coisas que os psicanalistas já haviam identificado na análise da punição. Por isso, a impopularidade do processo penal é algo bastante lógico; ele está aí para isso. No dia em que gostarmos do processo penal, ou atingimos um estágio civilizatório impensável, ou o que temos não é mais processo penal. O processo penal cobra seu preço: alta taxa de injustiça [soltar culpados] para evitar um injustiça maior [prender inocentes]. Remédio amargo, mas necessário.
O caso dos Nardoni, no entanto, preocupa. Os julgadores envolvidos não tiveram coragem de enfrentar o povão. Não honraram à sua toga. Foram covardes.
A prisão preventiva não serve, em hipótese alguma, para antecipar a condenação. Isso seria passar por cima da presunção de inocência. Portanto, as razões que os julgadores invocaram -- provas fortes da autoria e crimes graves -- são razões para a condenação futura, não para a prisão processual.
O que esses julgadores não mediram são os efeitos das suas decisões. De agora em diante, o precedente "Nardoni" será usado ad nauseam como argumento para prender pessoas durante o processo. Se o juiz citou precedentes do STF fora do contexto, imaginem o que se fará com essas ementas. Com isso, o processo penal vai aos poucos enterrado: a regra da presunção de inocência, que sofre das qualidades e problemas que já falei, vai ser soterrada por juízes rigorosos que não estão preocupados com nada.
O garantismo é incontestável por isso: abrindo-se a torneira das garantias para um caso, abre-se para todos. A gota se transforma em enchente.

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