Mox in the Sky with Diamonds

sexta-feira, agosto 14, 2009

LEITURAS DAS FÉRIAS


Antropologias...
René Girard, "A Violência e a Sagrado"
Marcel Mauss, "Ensaio sobre a dádiva"
Clifford Geertz, "Nova luz sobre a antropologia"

Resolvi ler alguns dos principais autores da antropologia, a fim de retomar um pouco algumas leituras que tinham ficado para trás desde o Mestrado. Girard foi o primeiro dos três, pois era o mais afim do tema que venho estudando em geral: a violência. Em "A Violência e o Sagrado", desenvolve a ousada tese de que toda formação do sagrado -- em qualquer lugar e tempo do mundo -- consiste em um enigma que dá conta da condição humana e pode ser decifrado: os humanos vivem, no início, um ciclo de violência e vingança interminável, em que a agressão nunca se encerra; a fim de encerrar esse ciclo, surge o mecanismo da vítima expiatória: a comunidade volta-se toda contra apenas uma pessoa, que concentra todo mal em si mesma, e a sacrifica, com a finalidade de expurgar para o divino a violência e, com isso, preveni-la. A partir de mitos gregos, rituais africanos, ameríndios e outras provas, pretende mostrar que a estrutura de todas as sociedades humanas -- e todos os seus rituais -- se explicam a partir do mecanismo da vítima expiatória. Depois fui para o Geertz. O Fabs tinha me advertido que talvez esse não fosse o primeiro livro. De fato, não me atraiu em nada o autor. Embora deveras inteligente em argumentação e bastante criativo, Geertz não me acrescentou muita coisa. Mas não descarto ainda o autor. Por fim, Mauss; interessantíssima sua tese sobre a dádiva, transbordando da perspectiva utilitarista para explicar as relações de trocas. Tem valor de clássico.



Literaturas...

Graciliano Ramos, "Vidas Secas"
Rubem Fonseca, "A Grande Arte"
Primo Levi, "É isto um homem?"
Ricardo Timm de Souza, "Ocaso: contos de entreluz"
Emily Bronte, "O Morro dos Ventos Uivantes"

"Vidas Secas" é daqueles livros que nos traumatizam durante a adolescência. É que não é um livro para ser lido na adolescência. Ou, pelo menos, não com o tipo de ensino que temos na literatura. Enclausurada no quadro disciplinar do ensino médio, a literatura perde seu enraizamento histórico-factual e político que lhe dá densidade e fixa-se obsessivamente no aspecto estético, prendendo-se a detalhes que o adolescente geralmente não está nem um pouco interessado. Com isso, "Vidas Secas" vira uma leitura arrastada, densa e monótona. É, porém, um belo livro, em que a clareza da "nudez" da vida no sertão fica exposta na sua brutalidade. "A Grande Arte", de Rubem Fonseca, é um divertido romance policial, porém sem grande aprofundamento nas questões (embora longe de livros mais vulgares como alguns best-sellers que andam por aí). Prefiro, por enquanto, Rubem contista, na sua exploração insaciável da ambivalência humana. "É isto um homem?" é um relato sufocante de Auschwitz, retratando na mais crua narração até onde pode ir a perversidade humana. Por outro lado, é surpreendente a lucidez -- e até, por vezes, a "contenção" -- da prosa de Levi, que jamais se utiliza de qualquer "expressionismo" na apresentação de situações absolutamente inimigináveis do campo de concentração. "Ocaso", recente lançamento do amigo Ricardo Timm de Souza, foi lido pela segunda vez (tenho a sorte de ter ganho uma edição própria e inédita!). Surpreende a delicadeza com que Ricardo se move entre as palavras, atuando como um verdadeiro cirurgião na elaboração de sua prosa. As metáforas são cuidadosamente construídas e encerradas de forma seca e não-óbvia, levando o leitor à perplexidade (e, portanto, à reflexão e ao pensamento). Em estilo quase oposto ao que caracteriza seus já reconhecidos ensaios filosóficos (mais do que o normal, menos do que o devido), onde mantém uma estrutura expressionista e tece longa e profunda argumentação, aqui o tiro é de precisão, um só, sem repetição, como o "ataque final" da aranha que abocanha um inseto. Tudo é dito na mais extrema simplicidade e, justamente por isso, na mais extrema profundidade. Por fim, minha última leitura: "O Morro dos Ventos Uivantes", de Emily Bronte, um belíssimo romance que trabalha como poucos o ressentimento e os efeitos devastadores da lógica da vingança sobre o ser humano.



Psicanálises...

Nasio, "7 Lições sobre Jacques Lacan"
Orlando Cruxên, "Sublimação"

Confesso que não me causaram maiores impressões nenhum desses dois livros de psicanálise. Nasio parece demasiado imerso em Lacan de forma a não conseguir traduzir ao leitor, muitas vezes, o cerne das questões que põe. A impressão que fica é que falta rigor, consistência, que algumas questões teóricas fundamentais são superadas a soco, ou, até pior, com certa a-criticidade. Porém foi apenas minha primeira leitura sobre Lacan (as anteriores, embora por vezes se referissem a ele, eram sobre Freud). Nasio parece mais interessado em justificar seu saber com base na experiência "clínica", praticamente afirmando que "o importante é que funciona, não sabemos nada sobre isso". Enfim. O livro de Cruxên sobre "Sublimação", com certo caráter introdutório, também foi frustrante no seu desenvolvimento. Considero a temática como fundamental, especialmente porque a sublimação consta em Freud como um meio de escapar da violência e, simultaneamente, da repressão.

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