Mox in the Sky with Diamonds

quinta-feira, março 05, 2009

O PROCESSO PENAL E OS LEIGOS

UMA VEZ, QUANDO TERMINEI uma exposição sobre uma breve história da política criminal nos últimos três séculos, afirmei aos meus alunos: "o Direito Penal é o primeiro filtro da política criminal; o processo penal, é filtro do próprio Direito Penal. Dessa forma, se vocês quiserem apanhar na vida, é só estudar processo penal". O processo penal é o lugar do cara chato, daquele que, quando todo mundo está feliz, vai lá e fala: "pera aí, não é bem assim". [Aliás, já escrevi por aqui sobre isso.]
Infelizmente, o processo Dantas e a postura de Gilmar Mendes têm desencadeado uma torrencial chuva de opiniões que comprovam o que eu disse.
Quem tinha dúvida de que Maria Lúcia Karam, em velho artigo lá dos anos 90, estava correta ao anunciar a vinda de uma "esquerda punitiva", hoje não tem mais dúvida. Karam define essa esquerda como um puro mimetismo da direita penal, só que alterando seus objetos. Os alvos seriam a criminalidade de colarinho branco, aquela que atinge movimentos sociais e o chamado "crime organizado". A política é a mesma da "Lei e Ordem", mas com sinal invertido. Penas duras, processo sem garantias, combate à impunidade e terrorismo penal.
A Internet tratou de potencializar esses efeitos a partir da proliferação de blogs leigos em Direito que resolvem "dar lições" sobre os "erros" do STF. A maioria desses blogs, diga-se de passagem, é de esquerda e muitos são intelectuais de gabarito, mas sem formação jurídica. Quem me conhece ou lê o blog sabe que não é do meu feitio reivindicar títulos, porém é óbvio que, quando nos aproximamos de uma disciplina estranha, temos que andar como se estivéssemos em uma sala de cristais. Eu não vai sair por aí ensinando psicánalise aos psicanalistas. Pode até ser que alguma coisa eu possa saber. Mas vou ter muito cuidado quando debater com alguém que estuda aquilo toda vida.
A "esquerda punitiva" está irritada. Não gostou das decisões do STF que liberaram Dantas (e creio que a decisão de soltura estava equivocada mesmo, já escrevi sobre isso aqui), da que veta a "execução provisória" ou da que garante acesso aos autos do Inquérito ao advogado. Parece brincadeira, mas não é. A esquerda se sente à vontade próxima do inquisitorialismo, desde que seja um inquisitorialismo "contra os ricos", ou "em nome da igualdade". Essa ojetiza pelos advogados, p. ex., é típica dos inquisidores. Como alguém que se pretende libertário pode repudiar que alguém tenha plena possibilidade de defesa em um processo?
Minha explicação: não sabem do que estão falando. Não têm noção do que está em jogo. Ou seja: falta cultura jurídica mesmo. Falta entender por que o processo penal é assim ou assado. Bem intencionados blogueiros me afirmavam: "eu concordo com as garantias, mas tem que ser harmonizado com o interesse social". O que significa isso em processo penal? Eles sabem? Não sabem. Não sabem que o processo penal só existe para limitar o poder punitivo. Se não for para limitar, não precisa de processo penal, bastaria um inquérito assinado pelo Protógeres. Por que, então, processo? Ora, é pro causa do princípio ÉTICO que é convertido em jurídico e chamamos de presunção de inocência. Na dúvida, vale mais a pena soltar culpados que prender inocentes. No inquisitorialismo, a máxima é invertida: vale mais prender culpados. Ou seja, melhor um inocente preso que um culpado solto.
[Aliás, muitos gostariam - ou não têm - dúvidas. Eu TENHO dúvidas. Confesso. Prefiro duvidar que estar cheio de certezas definitivas.]
Será que o pessoal da esquerda punitiva está pensando nisso? Não creio. Acho que muitos deles não entendem o que está em jogo por falta de informação mesmo. E, depois de informados, é por teimosia e um pouco de vaidade também. Desconfie: quando o blogueiro jamais admite equívoco, é porque ali tem um problema. Será que os blogueiros sabem que "execução provisória" é um contra-senso no processo penal, já que o tempo não pode ser restituído e por isso não existe "provisória"? Será que eles sabem que 95% dos que estão presos não são de colarinho branco, mas pretos e pobres? Será que eles sabem o que significa "trânsito em julgado"? Será que eles leram alguma coisa de processo penal para entender que o avanço da presunção de inocência é algo positivo, e não uma "invenção brasileira" que não segue os outros países? Será que eles sabem que, em termos de processo penal, a Europa não está muito melhor que o Brasil? [Dois exemplos - aqui e aqui - estou na caixa de comentários].
Mas tu já não escreveste falando mal do Gilmar Mendes e do caso Dantas? Não escreveste falando das algemas, da seletividade, do estado de exceção? Sim, escrevi e reitero. Só que a reinvidicação punitiva desses setores não tem NADA a ver com o que eu escrevi. Minha preocupação é com os párias sociais que estão aquém do Direito. Eles estão preocupados com a legitimição do sistema punitivo. Eu, com a destruição. A seletividade para mim não pode ser simplesmente tomada como algo a ser corrigido com mais punição; e sim com a destruição do sistema punitivo. Eles querem corrigir o sistema punitivo; eu, destruir.
[Aliás, minha crítica ao garantismo é essa: o ideal não é limitar, mas eliminar mesmo o sistema penal.] Admito que estou tangencialmente o abolicionismo. Acho que o sistema penal não tem futuro mesmo.
A esquerda punitiva (imitação da direita "Lei e Ordem") não quer nada disso. Quer apenas descarregar seu ressentimento e povoar o imaginário esquerdista com seus "inimigos".

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