O "SUCESSO" DA POLÍTICA DE ENCARCERAMENTO PAULISTA
A FOLHA DE SÃO PAULO publicou hoje editorial no qual celebra o "sucesso" da política prisional de São Paulo, atribuindo a isso a diminuição dos homicídios a menos de 10 por 100 mil pessoas, razão pela qual sai da linha de "epidemia".
Em primeiro lugar, é preciso deixar claro que, diante dessa diminuição, é de se aplaudir algo em São Paulo. Realmente, diminuir a taxa de homicídios, na minha opinião, deve ser a prioridade máxima de qualquer iniciativa de segurança pública no Brasil. A pergunta, no entanto, fica assim: o que causou essa diminuição? Essa diminuição é sustentável?
Me parece que aí entramos em uma problematização mais complexa. O mundo social não é como o mundo natural: as coisas não têm uma "causa" pré-definida que atua produzindo um efeito. Ao contrário, as estruturas interagem de uma forma um tanto "caótica" (no sentido certo e errado), sendo relativamente desprovidas de linearidade. Por exemplo: é constatável empiricamente que o "medo social" não corresponde aos índices reais de criminalidade. Isso é produzido pela mídia? Ou a mídia reflete o medo? É muito provável que as duas coisas sejam verdadeiras. A mídia se alimenta do medo e o alimenta, em um efeito circular em que uma coisa potencializa a outra. Esses processos certa vez foram descritos como "profecias-que-cumprem-a-si-mesmas".
Diante disso, teríamos que ver vários fatores que devem ter contribuído para essa queda. A melhoria do aparato policial é uma delas. O crescimento econômico brasileiro e a redução da taxa de desemprego, saindo da recessão, deve ser outra. Iniciativas de índole comunitária e recuperação de espaços públicos também contribuíram. E a própria execução da lei penal deve ter influência. O problema é que os conservadores pegam o último dado como se fosse o único - e isso significa não prestar atenção a outras iniciativas igualmente favoráveis que tiveram tanto efeito quanto. Mas a política de encarceramento em si mesma tem alguns problemas.
Primeiro, foi ela que produziu o PCC. Isso não é contabilizado. Foi justamente a partir do "grande encarceramento" produzido em São Paulo que o crime passou a ser organizado desde dentro das prisões. E, olhadas friamente, as reivindicações do PCC são até legítimas, se considerarmos que eles apenas lutam pelo cumprimento da Lei de Execuções Penais (e nada mais). Só o ornitorrinco Brasil é capaz de produzir um movimento que usa meios terroristas para reinvindicar a aplicação da lei.
Segundo, essa política não é sustentável. A longo prazo, o que irá acontecer é:
a) o retorno da população encarcerada ao meio social irá potencializar estigmas e favorecer as "carreiras criminais";
b) a seguir o modelo, será necessária a construção ilimitada de presídios, até o infinito, para dar conta do crescimento da criminalidade, até o ponto que a sociedade ficará fraturada em duas partes ("nós" e "eles" - como na distopia de "Filhos da Esperança");
Sem falar do componente mais importante -- político e não apenas funcional (como os dois anteriores) -- de que essa população encarcerada é, via de regra, produto de uma marginalidade social produzida ao longo de 500 anos que joga indivíduos à condição de vida nua e cria uma reatividade intensa. Ela só reforça o círculo vicioso da violência que consiste no olhar indiferente/estigmatizador, a incorporação/resposta do invisível/estigmatizado e, de novo, mais olhar e mais resposta, até o infinito.
Em suma, deveríamos prestar atenção ao modelo paulista e ver o que há de sustentável nele, copiando aquilo que representa um bom exemplo, e não simplesmente cair no simplismo atroz conservador que não permite o rompimento do círculo vicioso da violência.