REALIDADE NAUSEANTE
Nenhuma metáfora conseguiu se apropriar da noção de "realidade" mais expressivamente do que a "náusea", de Jean-Paul Sartre. No seu belíssimo romance (um dos meus livros favoritos), Roquentin subidamente sente a presença sufocante do mundo ao seu redor, extirpando qualquer resíduo de dúvida cartesiana em detrimento de uma tonalidade emocional que induz o "absurdo" do mundo: a náusea. Ao perceber que as árvores estavam ali para além da sua vontade, Roquentin sente de repente a realidade arrebentar quaisquer esquemas intelectuais que tentem a prender, vomitando sua presença independente do sensível olfato dos criaturas humanas.
Por vezes, essa realidade dói. Seu peso é terrível. Levinas problematizou ainda mais a questão ao colocar à frente disso a questão do Outro, traumático e enigmático, irrompendo e exigindo, na carne-e-osso do seu Rosto, a assunção da responsibilidade ética, que o lituano-judeu e Derrida não hesitam em caracterizar como "infinita".
É isso. É esse o peso da vida. É essa sua loucura, sua extravagância, seu excesso duro de lidar. A consciência desse excesso (que poderíamos chamar: consciência moral) é o que me torna mais sério e carrancudo do que gostaria; que me tira a leveza e a sutileza. Gostaria de ser mais tranqüilo, de levar as coisas menos a sério, mas não posso, na outra mão, compactuar com a hipocrisia e a violência. É esse desejo de justiça e de respeito à diferença que, desde muito jovem, me animava. Embora na forma bruta, essa intuição sempre esteve presente em mim e não era à-toa que me enojavam os personagens hipócritas, os moralistas, os inquisidores e os conservadores em geral.
No entanto, hoje me sinto um pouco chato, pesado demais, e luto para não me tornar ressentido ou cegamente revoltado. É preciso também hospedar a alteridade do medíocre para sobreviver, apesar da (demasiado) humana raiva que sinta dessas pessoas. Um pouco de riso faz bem.