AVANÇANDO NO DEBATE: DESMILITARIZAÇÃO URGENTE DA POLÍCIA
Uma das prioridades da segurança pública no Brasil deveria ser uma reforma na polícia.
Inúmeros pesquisadores têm constatado que a polícia não sofreu qualquer mudança significativa desde o período da Ditadura Militar, abusando de métodos ilegais e inclusive da tortura, além de ostentar níveis inadmissíveis de corrupção. É uma instituição decomposta. O fato grave é que, por isso, como diz Zaffaroni, no genial livro "O Inimigo em Direito Penal", "a América Latina está ficando sem polícias".
Curiosamente, o debate em relação à segurança tem se focado exclusivamente na gravidade das penas e nos instrumentos processuais. Direito Penal e Processo Penal são apenas parte do problema criminal -- já deveríamos ter aprendido isso quando conhecemos o conceito de "cifra negra". Os conservadores só reclamam por mais prisões, penas mais altas, redução da maioridade penal, eliminação das garantias processuais, etc.
Não passa pela cabeça questionar o procedimento truculento e ilegal típico das polícias brasileiras. Elas não sabem investigar, não sabem planejar e não atuam dentro da lei. São totalmente ineficientes. Uma reforma das polícias passa por duas coisas: eficiência -- ou seja, planejamento estratégico, coleta de dados, melhora das técnicas de investigação -- e respeito aos direitos humanos -- que não se opõem à eficiência, antes a complementam, pois a ilegalidade no uso da força é vizinha da corrupção. O Luiz Eduardo Soares vem escrevendo muitos artigos sobre o tema, sugiro a leitura no seu site.
A primeira providência que está claro que deva ser tomada é a desmilitarização gradual (radical seria o ideal, mas acho politicamente inviável) da polícia. Polícia é CIVIL, e não militar. Polícia e exército não são a mesma coisa. Exército tem suas funções, e são distintas daquelas durante o tempo de paz. O Brasil tem Polícia Militar porque teve Ditadura Militar, herança cretina que ainda não conseguimos nos livrar.
Precisamos de polícia civil e comunitária, eficiente e legalista, atuando próxima à comunidade para poder planejar suas ações, bem remunerada e não corrupta, legalista e não torturadora, capaz de investigar e não apenas colher burburinhos e confissões. Para isso, precisamos começar a discutir polícia. Mas, infelizmente, o tema é bloqueado pelas corporações e pelo grande público, que apóia a violência policial e quer aumento de penas.
Penas graves e alta taxa de prisões não resolve. Comparem as taxas de encarceramento e o total de penas dos EUA com os de Portugal, e as respectivas taxas de homicídio. Penas e prisões têm taxas muito maiores nos EUA, mas os homicídios são 10 vezes mais freqüentes que em Portugal, com pena máxima de 20 anos. A comparação não mente. Há "muitas coisas entre o céu e a terra" que a vã filosofia penal não consegue alcançar.
Clausewitz certa vez declarou que a guerra é assunto muito sério para ser deixada na mão dos militares. Deveríamos aprender sua lição: segurança é assunto muito sério para ficar na mão da polícia.