Mox in the Sky with Diamonds

sexta-feira, março 28, 2008

SIMPLIFICAR É MAIS FÁCIL QUE COMPREENDER

Ao alcance da mão – construímos nosso mundo com os objetos que estão ao alcance de nossa mão, que estão no nosso horizonte de conhecimento, com os quais podemos nos ocupar, com os quais criamos. No entanto, os objetos “ao alcance da mão” mudam de local para local, e, com eles, o horizonte de conhecimento de quem forma o mundo. O objeto ao alcance da mão nunca é um objeto em si, ele é um objeto enquanto é apreendido como objeto, enquanto é tomado como algo enquanto algo. Este algo enquanto algo é relativo, está em um horizonte de conhecimento que é aberto – assim como o mundo.

Esta mudança de horizonte, mudança de lugar, mudança de concepção de mundo (na relação com o objeto), é, precisamente, o que interessa para o relativismo cultural; no entanto, diferentes visões de mundo – ou talvez fosse melhor dizer diferentes mundos, já que o mundo é a compreensão do mundo enquanto mundo-vivido -, implicam em diferentes ações diante do mundo e diante daqueles com quem habitamos o mundo, com quem dividimos uma mesma forma de estar no mundo.


Com essas frases, começa o artigo "Anti-anti-relativismo, Historicidade e Disseminação", do Fabrício Pontin.
A Criminologia, depois de pertencer ao Direito e à Medicina, deslocou-se, gradualmente, para a sociologia, especialmente após a década de 60, com a virada paradigmática do labelling approach. Esse deslocamento -- que foi bom -- causa, no entanto, uma intensa cegueira acerca de aspectos que a reflexão filosófica auxilia a clarificar.
O conceito de "mundo" é um deles.
Muito mais que teorias "subculturais" que não resistem a uma visão relacional de sociedade e críticas foucauldianas, o conceito de mundo enquanto mundo-vivido, horizonte que abre o significado, nos ajuda a compreender atos aberrantes quanto os pretensos [não se sabe ainda ao certo, a própria Polícia discorda] 12 homicídios cometidos pelo adolescente X que está na capa da ZH de hoje.
X, quando entrevistado, declarou:

Vestindo uma camisa do Grêmio, bermuda jeans e um tênis Adidas, o garoto bem articulado disse estar arrependido por ter tirado vidas. Mas em seguida se contradisse: - Ainda quero matar quem matou meus primos. Mas não vou atrás deles. Um dia vou encontrar com eles na rua. Aí eu atiro. Pela manhã, algemado em uma cadeira da sala de investigações, ele não parava de movimentar pés e mãos e respondia com objetividade: - Matei pessoas que me batiam quando eu era menor, que me davam tapas. Outro eu matei porque ele tentou estuprar minha irmã. O adolescente apreendido na quarta-feira é morador do loteamento Kephas, no bairro São José. No local, a exemplo do que ocorre em favelas cariocas, trabalhadores são obrigados a conviver com criminosos. Filho de um pintor e de uma industriária desempregada que está em liberdade provisória por tráfico, o adolescente tem três irmãos, com idades entre três e 14 anos.

Que "mundo" se abriu ao adolescente, quando criança? Os lombrosianos da PUCRS já estão querendo examiná-lo para traçar sua etiologia que combina neurobiologia, behaviourismo e sociologia tosca, mas não conseguem enxergar o simples: para esse jovem, a violência é banal. O "mundo" que se abriu para ele é um mundo em que a vida vale pouco, pouquíssimo, e por isso nada o choca.
MV Bill fez uma longa pesquisa em que vimos um monte de fedelhos, pirralhos cagados de medo que vivem num ambiente tão hostil e violento que se fazem passar por machões e bandidões. Sabemos que são apenas crianças, cagadas de medo, bastaria tirar a arma e dar uma biaba na orelha para que elas voltassem a agir como tal. Que mundo é esse que não permite mais a uma criança ser criança?
É mais fácil demonizar, como faz o idiota do Paulo Sant'Anna na coluna de hoje. É mais fácil do que admitir que estamos permitindo a formação de mundos paralelos, onde a vida não vale nada, espaços sem lei semelhantes a um campo de concentração, só que o foco do poder não é estatal, mas difuso e dominado por poderes paralelos. É mais consolador achar que estamos simplesmente diante de um psicopata, ou "serial killer".

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