Mox in the Sky with Diamonds

sábado, março 29, 2008

LIBERDADE ARTÍSTICA FOI PARA O SACO NO BRASIL

Leio notícia na Folha de São Paulo que informa decisão judicial condenando distribuidora da canção "Tapinha não dói" por dano moral às mulheres. Estou solidário com o fato de que a canção é machista, ofende as mulheres e banaliza a violência.
Mas, como dizia Oscar Wilde, "um livro moral ou imoral é algo que não existe. Os livros são bem ou mal escritos. Eis tudo". E, mais adiante, diz que "o artista pode exprimir tudo", no seu prefácio de ditos do grande romance "O Retrato de Dorian Gray".
É a segunda decisão, em pouco tempo, que condena uma manifestação artística em virtude do "politicamente correto". A primeira foi da música do Bidê ou Balde, vergonhosamente censurada por ser acusada de apologia à pedofilia, na versão acústica de "E por que não?". A leitura do acórdão assusta ainda mais: os desembargadores resolveram ligar o acelerador moralista e cogitar proibir uma série de outros funks de "mal gosto".
Parece estar havendo uma incompreensão sobre a arte. Como dizia Wilde, arte não é pedagogia. O artista não é um agente moral como são os padres, os professores ou os políticos. Concordo que possam existir limitações morais, em tese, por exemplo um artista que resolva matar uma pessoa ou um animal para exibir como encenação ou algo do gênero. Mas daí a se deduzir que o artista tenha funções morais a cumprir, que deva pregar o bem ou que não posso ofender no seu exercício, é cercear a liberdade que caracteriza o próprio fazer artístico.
Assim como gostaria de ver se os desembargadores autoritários que proibiram a música do Bidê ou Balde [xarope, por sinal] teriam coragem de proibir também "Lolita", nas versões literária [de Nabokov] ou cinematográfica [de Kubrick]. É, na realidade, muito mais apologético, mas nosso poder ilegítimo de estado de exceção exercemos apenas contra bandas de rock pequenas, não contra grandes clássicos da literatura. O mesmo se pode dizer a respeito da "Tapinha não dói" e das suas conseqüências imprevisíveis.
A arte não é, nem deve ser, "politicamente correta", no sentido pejorativo do termo. A arte não tem função educativa. Não podemos, nem queremos, voltar ao obscurantismo medieval. Não gostaram da música? Eu também não gostei. Posso criticá-la livremente, posso sobretudo não a ouvir, mas não extrair conseqüências jurídicas disso.
Os moralistas de plantão estão tomando o Poder Judiciário que, cheio de orgulho por "fazer o bem", se entorpece no poder. Quem nos protege da bondade dos bons?

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