Mox in the Sky with Diamonds

terça-feira, fevereiro 26, 2008

DISSE TUDO

Peço licença aos meus leitores para reproduzir mais uma coluna do Juremir Machado da Silva, que resume muito do que penso atualmente sobre direita/esquerda e, como ultimamente vem acontecendo irresistivelmente, vai na ferida:

IMAGENS DA ÁFRICA

Pousada boa é assim: tem mais de mil filmes em DVD à disposição, gratuitamente, dos hóspedes. Chega a ser um atentado contra os costumes nacionais desta estação. Não sobra tempo para ver o 'BBB8', o mais chulo, brega e rasteiro programa de televisão já inventado. Sei disso por ter visto, nos intervalos do 'Jornal Nacional', as chamadas da maior atração global de verão. Mas essa é outra história. Pousada boa tem biblioteca com clássicos e bons livros recentes, entre os quais o espetacular livro de fotos de Sebastião Salgado sobre a África. É o presente que eu daria a cada pessoa que critica as políticas de inclusão social e a obrigação de reparar os erros históricos cometidos contra povos africanos.

É por isso que, mesmo sem grandes ilusões, já tenho candidato para presidente. Nos Estados Unidos. Vou de Barack Obama. Ele é Democrata. Logo, em termos europeus, um republicano. Um republicano europeu é um sujeito que quer o máximo de um Estado mínimo para todos. No Brasil, temos dificuldade para entender isso, pois os nossos democratas são, no sentido norte-americano, republicanos. No popular, um republicano norte-americano e os democratas brasileiros são pessoas que não acreditam, acima de tudo em qualquer circunstância, em República nem em democracia, mas apenas em interesses privados. Para eles as ideologias estão mortas, o que já é um atestado da boa saúde das ideologias, e esquerda e direita não existem mais, salvo a esquerda como inimigo a ser combatido. Um republicano brasileiro é alguém que quer um Estado mínimo para quase todos e máximo para o momento em que a sua empresa estiver à beira da falência. Viram como é claro, simples e transparente? Vamos de novo: republicano é um sujeito de direita para quem só existe a esquerda como um vestígio da era ideológica. Elementar!

Segundo várias pesquisas as maiores resistências ao negro Obama encontram-se entre brancos pobres e latinos. Isso só prova o quanto esses latinos foram bem educados. Mesmo tendo migrado para a 'América', em busca do El Dorado, continuam fiéis ao patriarcalismo da América Latina. Deve ser por saudades de casa, assim como os brasileiros no exterior sentem saudades de feijão, de farinha de mandioca, do Roberto Carlos, da Regina Duarte, do Tony Ramos e de um genuíno guaraná Antarctica de qual multinacional mesmo, da Coca-Cola? Eu vou de Obama. Nem que seja por implicância. Adoro ver a indignação 'universalista' dos velhos donos de todos os tipos de poder social com as novas formas de resistência das, como diria o impagável Décio Freitas, 'classes infames'.

Não é que agora todo mundo pegou a mania de se defender! O mundo de hoje está muito tedioso para as elites sem limites de tempos atrás. Não se pode mais insultar tranqüilamente um serviçal afro-descendente nem mantê-los à margem sem que comecem reclamar. Faz pensar no lamento repugnante de um pedófilo da narrativa libertina e sadomasoquista, 'Um romance sentimental', de Alain Robbe-Grillet, membro da Academia Francesa e 'papa' do Novo Romance. O personagem queixa-se de que tudo o que é divertido se tornou proibido, por exemplo, 'descer antes da parada completa, fazer amor antes da idade legal, excitar seu papai esfregando-se nele peladinha...'. Eu vou de Barack Obama. Ele é capaz de conhecer imagens como as de Salgado e querer tomar alguma providência.

juremir@correiodopovo.com.br

(Publicada no Correio do Povo de 24.01.2008)

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