Mox in the Sky with Diamonds

terça-feira, março 31, 2009

A NOVA ESQUERDA

MUITOS DOS QUE LÊEM ESSE BLOG são "intelectuais" (expressão desagraçada, mas, vá lá...) e compartilham indignação em relação à injustiça no mundo, desigualdades indecentes, indiferença crescente, ideologias cínicas e aos preconceitos diversos. Cabe à nossa geração, que já é pós-Muro de Berlim e viveu ainda em época jovem a era do último suspiro (espero) da teologia do mercado nesses 20 anos, redesenhar o que é esquerda.
Já não nos identificamos com os partidos de esquerda que estão aí. Com seu viés economicista e anti-capitalista, parecem muitas vezes falar a língua do século XIX. Respiram dogmaticamente e vivem do enfrentamento direto com seu campo simétrico: a direita macartista, que por sua vez respira nos tubos do anti-comunismo e impõe o discurso cultural do conservadorismo. A par disso, ignorando toda essa disputa e formando o campo verdadeiramente hegemônico, o campo político da "religião capitalista" (Benjamin), pregando a teologia do mercado e absorvendo suas próprias profanações (drogas, sexo, rock, corpo, etc.). Enquanto essa esquerda carcomida teima em continuar no seu discurso quixotesco contra os conservadores, esse campo que envolve economia, administração, medicina e empresariado vai caminhando a passos largos, sem encontrar qualquer rival à altura.
É bom lembrar que o ocaso da esquerda não foi exatamente a queda do muro, mas a falência do Estado de Bem-Estar, desmantelado nas suas burocracias gigantescas e incapaz de pagar sua própria conta. A par disso, a esquerda continua repetindo a dicotomia Estado X Mercado, reprisando nostalgicamente os bons tempos que passaram. Para se renovar, a esquerda precisa se livrar, de vez, de qualquer resíduo soviético e parar de se identificar com o Estado.
Uma nova esquerda não significa terceira via. A "terceira via" foi uma solução insossa que apenas representou, naquele momento, a incapacidade discursiva da esquerda. Uma esquerda deve ser esquerda: quer dizer, aquele campo político que pretende "acelerar" o progresso, trazendo justiça a todos os viventes, independente das instituições que estão consolidadas e, se necessário, devem ser destruídas e substituídas por outras. Um campo político que ouve a agonia dos vencidos e procura socorrê-los na flecha da história que se arrasta e se repete como catástrofe. A esquerda deve ser, verdadeiramente, o lugar do marginal.
Portanto, essa esquerda não pode mais apenas ser sindical, do "trabalho" contra o "capital". As questões hoje são infinitamente mais complexas. Racismo, machismo, etnocentrismo, homofobia, industrialismo e militarismo são questões que passam ao lado desse problema. A esquerda, repito, deve ser do "marginal", não apenas do trabalhador.
Repetir os anos 50 e o Estado de Bem-Estar (que, nós, brasileiros, não vivemos) é um bom sonho. Mas nem o horizonte deve se fechar aí, nem precisamos repetir tudo com nostalgia. O Estado "forte" pode não ser o melhor caminho para implementarmos aquilo que achamos que é justo - ou seja, que todo ser humano viva com dignidade, independente da sua raça, sexo, opção sexual, crença, origem e produtividade. Isso significa muito mais do que uma mera igualdade formal vazia como a que está na Constituição. Significa, ao contrário, um especial cuidado com cada um, de acordo com sua diferença, naquilo que é o mínimo que se pode exigir. Por exemplo: creio que a maioria de nós consente que não é necessário que todos tenham ferraris; mas, ao mesmo tempo, a maioria dos esquerdistas gostaria que todos tivessem moradia, meio de transporte digno, auto-estima alheia a preconceitos, ambiente sadio de convivência, oportunidades de cultura e lazer, alimentação adequada e serviços de educação, saúde, previdência e outros. O grande erro parece querer vincular isso ao Estado, quando não me parece absolutamente necessário.
Na pauta da nova esquerda deve estar uma mudança de paradigma: da disputa com os birutas macartistas da Veja, devemos passar em definitivo para outra discussão. Não mais a inflação do Estado, com seus tentáculos kafkianos, mas o pensamento de formas de assegurar a todos a redução da violência no seu sentido mais amplo, quer dizer, da privação material e moral. Ao mesmo tempo, o tema do meio ambiente e do crescimento sustentável deve fazer parte da constituição desse novo universo. Pensar as demandas sociais sem ressentimento, as possibilidades de diálogo, reduzir as argumentações mirabolantes aos seus mínimos denominadores sem qualquer resíduo ético, tudo isso parece tarefa da geração que vem.

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