ONDE FOI QUE ERRAMOS?
ELE FICOU OBSERVANDO o belo carro flamante que tomava um pedaço da sua garagem e do qual sequer sabia o nome [não era grande conhecedor de carros]. Preto, grande, imponente, design poderoso, estilo irretocável. Tão novo que nem emplacado estava. Ele pairava ali, enfeitando a fachada da sua casa, chamando atenção do pedestre, brilhando como uma espécie de diamante negro.
Ao lado do carro, uma bárbara magricela, negra, desdentada, queixo saliente, pernas longas e cabelo sujo, vestindo roupas rasgadas e segurando sua flanelinha.
Pôde retroceder no tempo e imaginar o ocupado senhor saindo com sua pasta envergada em couro preto, falando ao celular, ligeiramente desconfortável com o choque térmico entre o confortável ar condicionado e certo abafo do ambiente, pisando seus sapatos escuros sobre os paralelepípedos irregulares da rua. Saído da sua espaçonave vinda de um futuro próximo, o motorista contempla, com o canto dos olhos, aquela bárbara que se aproxima e murmura algo quase inaudível devido à conversa do celular. Simplesmente gesticula em retorno.
Entre a nave do futuro pousada em frente à minha casa e a bárbara desdentada está a raiz de todos os nossos erros.
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